Em todos os contatos que a reportagem teve com trabalhadores das obras no Qatar, um assunto sempre foi um tabu para os entrevistados: as mortes no trabalho. Mesmo depois de contarem histórias de dificuldades e situações precárias, todos evitaram falar abertamente sobre o tema. Bastava tocar no assunto que os semblantes se fechavam e o sentimento parecia ser de preocupação. Os poucos que falaram usaram poucas palavras, mas deram a entender que, mesmo sabendo dos riscos, não possuem alternativa a não ser continuar lutando.
"A gente escuta algumas histórias. Teve um amigo que contou sobre um colega da Índia que passou mal e morreu no quarto dele. Mas eu não sei dizer, não conheço ninguém que passou por isso [morte]. Temos que nos cuidar aqui. Apesar de ser muito calor no verão, a gente tenta descansar quando está mais quente", disse um operário do Paquistão que preferiu não dizer o nome.
Mais de 6.500 mortos
Segundo reportagem do jornal britânico The Guardian, publicada em março deste ano, mais de 6.500 trabalhadores imigrantes morreram no Qatar desde dezembro de 2010, quando o país foi eleito sede da Copa do Mundo de 2022. Essas mortes incluem pessoas vindas da Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal e Sri Lanka, mas os números podem ser ainda maiores, já que não estão computadas outras nacionalidades, como os operários que vêm das Filipinas e do Quênia, por exemplo.
De acordo com a publicação, entre 69% e 80% dessas mortes foram atribuídas a "causas naturais", mas essas classificações geralmente são feitas sem uma autópsia, o que impede que haja uma explicação médica legítima. Apesar da falta de esclarecimentos oficiais, existem denúncias de que problemas respiratórios e paradas cardíacas tenham acontecido por causa do forte calor.
A Copa teve seu período de realização alterado por causa das altas temperaturas no verão do Oriente Médio, que podem chegar até a 50 graus Celsius. A competição saiu de junho e julho, como acontece normalmente, e foi para novembro e dezembro. Nesses meses do fim do ano, inverno no Qatar, as temperaturas variam em média entre 15 e 30 graus Celsius. A construção da infraestrutura do Mundial, no entanto, não parou durante todos esses anos.
A situação dos imigrantes gerou protestos e ameaças de boicote ao Mundial do Qatar durante jogos das eliminatórias europeias, no fim de março deste ano. Jogadores das seleções de Alemanha, Holanda, Noruega e Dinamarca entraram em campo vestindo camisas com mensagens a favor dos direitos humanos. Eram críticas ao país que sediará a Copa.