Bruninho, campeão de tudo

Levantador da seleção ressignifica derrotas, admite ter deixado amor de lado e planeja o pós-carreira

Demétrio Vecchioli Colunista do UOL Tom Pennington/Getty Images

Dez anos depois, Bruninho olhou de novo para as imagens do pódio dos Jogos Olímpicos de Londres e sentiu orgulho.

Um sentimento que contrasta com as imagens da época. Enquanto atravessava a quadra até chegar ao palco máximo do esporte, o levantador chorava lágrimas que só cessaram no abraço quente de Giba. Ao receber a prata, até a beijou, cabisbaixo, com um amor envergonhado. A maioria dos outros vice-campeões olímpicos, nem isso. O clima era de velório.

A mudança de sentimento é mérito do tempo e do amadurecimento do mais importante (e vitorioso) jogador do vôlei masculino do Brasil na última década. Campeão de tudo, Bruninho coleciona títulos porque, no caminho, teve derrotas. Algumas que ainda doem, como o quarto lugar de Tóquio. Outras, cicatrizadas e ressignificadas, como a prata de 2012.

O garoto que chegou à seleção como "filho do Bernardinho", e que por anos precisou mostrar que estava entre os melhores por mérito, não por sobrenome, hoje é reconhecido mundialmente como um dos craques de todos os tempos. Se não tem a "manualidade" de Maurício ou a "genialidade" de Ricardinho, em suas próprias palavras, aprendeu a reconhecer suas qualidades e defeitos para ser, dos três grandes levantadores da nossa história, o mais completo.

Nesta entrevista ao UOL, concedida desde Modena (Itália), sua segunda casa, antes do início da atual edição da VNL, Bruninho falou de imperfeição. De vitórias e derrotas. De traumas e alívios. Do passado e do futuro.

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Lisa Guglielmi/LiveMedia/NurPhoto via Getty Images Bruninho, do Modena, é um dos grandes líderes da atual geração do vôlei brasileiro

Bruninho, do Modena, é um dos grandes líderes da atual geração do vôlei brasileiro

Sem margem para erros

Não é à toa que o episódio de uma derrota dolorida abre esta entrevista com um multicampeão. Bruninho considera a prata em Londres como um divisor de águas de sua carreira. Foi ali que ele começou a dar um novo valor à preparação mental.

"Eu achava que a medalha de ouro ia tirar aquele peso das minhas costas. E quando você está tão perto e não consegue, parece que o mundo abre embaixo de você. Você fica sem chão. Pensei: 'Agora ferrou. Vou continuar tomando porrada.' Foi quando comecei a trabalhar com o Giuliano [Milan, preparador mental]. Foi a partir dali que fui tendo compaixão comigo mesmo, aceitando um pouco mais não ser perfeito, errar e tal."

Até então, o Bruno não tinha margem para erros. Campeão e eleito melhor levantador da Superliga aos 19 anos, logo justificou ser convocado pelo então técnico da seleção brasileira, Bernardinho, também seu pai. Mas o polêmico corte do titular Ricardinho antes do Pan de 2007, por indisciplina, fez Bruninho virar titular da seleção logo em sua segunda temporada. Parte da opinião pública viu nepotismo.

"Cada atleta, cada pessoa, tem os obstáculos que a vida vai colocando na frente e o meu foi esse. Eu tive que amadurecer mais rápido, entrar numa bolha e entender que eu tenho que fazer meu trabalho. Eu tinha na minha cabeça aquela frase do matar um leão por dia. Tinha que comprovar que merecia estar ali, fazer parte daquele grupo. Isso foi um combustível para minha carreira, para minha filosofia de matar um leão por dia, de estar sempre evoluindo."

Duelo de levantadores

Bruninho diz que é impossível superar Maurício e Ricardinho

Titularidade e reserva

Foram 15 anos como titular da seleção brasileira até que, no ano passado, ele voltasse a ser reserva. O que poderia ser encarado como um rebaixamento pelo levantador, capitão da equipe, acabou sendo visto como uma etapa natural da carreira. Algo que começou com uma temporada ruim na VNL, passou por uma luxação no dedo, e culminou com o próprio Bruninho entendendo que seu lugar, naquele momento, era o banco.

"Talvez eu não me sentisse na minha melhor forma e estivesse me pressionando demais. Voltou a acontecer aquele lance. Eu não estava jogando solto, não estava fazendo o que eu podia. Teve uns amistosos na França, empatamos um e perdemos outro jogando bem mal. E ali eu senti que o time não estava rodando, não estava legal, e eu não estava jogando legal", reconhece o levantador.

Na estreia do Mundial contra Cuba, ele e Lucarelli foram substituídos durante a partida e o time visivelmente melhorou. No dia seguinte, procurou o técnico Renan Dal Zotto e se abriu. Disse: "Estou sentindo que o time não está conseguindo rodar bem comigo e vocês sabem que eu sou o primeiro a lidar com minhas responsabilidades. A gente tem que pensar no que for melhor para o time. O Cachopa mais solto talvez seja o melhor nesse momento. Eu preciso colocar minha cabeça no lugar e ser um cara que ajude o time."

Era exatamente o que Renan pretendia contar a ele mais tarde: que Cachopa passaria a ser o titular e, Bruninho, consequentemente, o reserva. "Eu consegui virar essa chave, tirar a pressão que eu mesmo estava colocando nas minhas costas e falar: 'Preciso ajudar dentro do que for possível: levar água, dar um saque, o que precisar'. E as coisas foram fluindo. Fui entrando em inversões, coisas do tipo. Foi importante para eu curtir um pouco mais. Não sei se vou ter outra oportunidade de jogar um Mundial".

Outra Olimpíada é muito provável. Depois da reserva no ano passado, Bruninho voltou a jogar muito bem pela seleção e é o melhor levantador da atual ediçao da VNL. Em nova rodadas, a equipe venceu seis jogos e perdeu três.

Patrick Smith/Getty Images Bruninho e a judoca Ketleyn Quadros foram os porta-bandeira do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio

Bruninho e a judoca Ketleyn Quadros foram os porta-bandeira do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio

Trabalho mental ajudou Bruninho a controlar sentimentos

A minha carreira ficou à frente dos meus relacionamentos. Tive duas namoradas todos esses anos. Foquei tanto na minha carreira que isso ficou em segundo plano"

Bruninho, jogador de vôlei

Relacionamentos amorosos

Dezessete anos defendendo a seleção brasileira significam que, durante sua vida adulta, Bruninho nunca teve férias. Mal acaba a temporada de clubes, ele se apresenta para treinar com o time nacional. A Liga das Nações (antes Liga Mundial) exige uma volta ao mundo e é seguida de outros campeonatos que só costumam acabar quando vai começar de novo a temporada de clubes.

É uma rotina desgastante que fez outros craques, do masculino e do feminino, dizerem adeus à seleção mais jovens do que ele. Camila Brait, por exemplo, tinha 32 anos quando jogou a última vez pelo Brasil. Fabiana Claudino vai para mais uma temporada aos 38, mas já aos 31 se aposentou da seleção. Aos 27, Douglas Souza também já não quer saber de seleção.

O levantador admite que sente o cansaço mental, e acha que só aguentou até agora por não ter filhos. "Vejo o Wallace, o Lucas, outros jogadores que têm família, filhos. É complicado você lidar com isso, eu vejo o quanto eles sofrem. Vi o Giba sofrendo muito, o Serginho sofrendo muito. Não quero sofrer assim, não quero ver meu filho sofrendo assim", diz.

No entender dele, a dedicação ao vôlei e à seleção acabou fazendo com que ele, inconscientemente, também não tivesse dedicado energia para relacionamentos amorosos. "A minha carreira ficou à frente dos meus relacionamentos, de como eu me abri aos meus relacionamentos. Tive duas namoradas todos esses anos. Foquei tanto na minha carreira que isso ficou em segundo plano. Gosto de curtir a vida, saio com meus amigos quando posso, mas é diferente. Talvez eu tenha, inconscientemente, aberto mão disso, mas pretendo mudar um pouco essa situação."

Quarto lugar em Tóquio pressionou a seleção

Mark Kolbe/Getty Images
Bruninho abraça o pai Bernardinho

Volta ao Brasil e pós-carreira

Com mais uma temporada de contrato com o Modena, da Itália, Bruninho tem planos de voltar para o Brasil daqui a um ano, para começar a reta final de sua carreira. Quer ficar mais perto dos pais e dos amigos. "Quero desacelerar dessa intensidade maluca de clube e seleção".

A última experiência em terras brasileiras não foi boa. O Taubaté não honrou os compromissos financeiros assumidos com o elenco e acabou fechando as portas. "Lógico que dinheiro é importante, mas antes de tudo quero um projeto que case com os valores, que você realmente se sinta parte daquilo. Quando voltei para Modena, eu tinha outras propostas, mas o que pensei foi: 'onde eu vou estar feliz?'"

Sem ainda saber mais quantos anos pretende jogar vôlei, Bruninho já faz planos para o pós-carreira. Quer destrancar a faculdade já no ano que vem e começar a pensar em um projeto. Não quer ser técnico, como o pai, mas não se vê distante do vôlei.

"Quero primeiro de tudo estudar para essa nova vida que vem depois. Gerenciar um projeto, juntamente com base, é algo que tenho na minha cabeça, seria um sonho fazer."

Por enquanto, ele não crava se vai continuar na seleção depois dos Jogos de Paris. "Vou querer segurar, ter meu momento, mas não sei dizer se nunca mais vou para a seleção. Que vai ser um momento de respirar mais, sem dúvida alguma. Mas eu tenho muito esse orgulho de representar o Brasil. Enquanto eu puder ser uma referência positiva, ajudando a formar uma seleção mais forte, eu vou querer."

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