Campeões sem milhões

Brasileiros conquistam cinturões ao redor do mundo, mas sem fama, glamour ou o dinheiro das estrelas do UFC

Brunno Carvalho Do UOL, em São Paulo

Conquistar um cinturão é o ápice para um lutador de MMA. É a prova de que ele é melhor que todos os outros de sua categoria. Aos demais, resta a esperança de um dia destronar quem está por cima. Posicionado quase como Zeus no Olimpo, o campeão acumula dinheiro e bate recordes seguidos de pay-per-view. É assim no UFC, o templo das artes marciais mistas.

Para quem é campeão fora da principal organização da modalidade no planeta, aqueles que não ouvem o locutor Bruce Buffer gritar seu nome após um "It's time!", as coisas não são tão glamourosas assim. Existe vida fora do UFC, é verdade. Mas viver apenas da luta sem estar na organização de Dana White é raridade.

Sidy Rocha é campeã do japonês Pancrease. Mas o que ganha lá, às vezes, nem dá para pagar a passagem até Tóquio. Ter na luta sua única fonte de renda, então, sem chance. "É fora de cogitação viver apenas da luta, até porque a gente não faz várias lutas no ano".

Mesmo para quem consegue viver sem um segundo emprego, a renda é bem distinta dos milhões que Conor McGregor, o lutador que acabou com a invencibilidade do brasileiro José Aldo e é, hoje, um dos maiores astros do MMA no mundo, leva. Mesmo sem ter um título em sua cintura, o irlandês recebeu uma bolsa de US$ 3 milhões para enfrentar Khabib Nurmagomedov no UFC 246, em 2018.

O UOL Esporte relata agora a história de cinco lutadores brasileiros que são campeões, mas nunca chegaram ao sonho do pote de ouro do UFC. Alguns deles nem pensam mais nisso. Outros, ainda mantêm a esperança de chamar Dana White de chefe.

Eu comecei a viver do esporte quando fui lutar na Rússia. As bolsas que recebo lá me dão essa tranquilidade. Antes disso, dependia da minha família me ajudar. Era impossível me manter no Rio de Janeiro lutando nos eventos brasileiros

Felipe Froes, campeão do ACA

Eu luto há muito tempo, então já tenho uma estabilidade. O dinheiro que vem da luta, agora é um 'extra'. Meu foco sempre foi chegar no estágio de lutar porque eu gosto, não porque precisava ganhar algum dinheiro para matar a fome

Rafael Morcego, campeão do Pancrease

A partir da minha próxima luta, vou conseguir viver da luta. A gente fechou um contrato muito bom para mim. Se eu conseguir fazer três vitórias, vou viver só da luta: não vou precisar dar aula, nem viver naquela correria. Só treinar e lutar

Cleiton Silva, campeão do Brave

Quando você está em um evento menor, não faz muito dinheiro. É um processo longo, cheio de altos e baixos. Eu já trabalhei com várias coisas aqui nos EUA, mas quando vou lutar, consigo uns patrocínios pequenos, que já ajudam

Nikolas Motta, campeão do Cage Fury

O Pancrease não paga a passagem aérea, então a gente tem que ir por conta. Às vezes, arranja um patrocínio e vai. Ainda assim, você ainda consegue ganhar lá mais do que é pago no Brasil. Então, compensa. Mas viver da luta é impossível

Sidy Rocha, campeã do Pancrease

As maiores bolsas já recebidas

Conheça os torneios dos campeões

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ACA

Uma das principais organizações da Europa. O atual nome surgiu em 2019, mas os eventos são organizados desde 2012, quase sempre na Rússia. Em 2017, iniciou um projeto de expansão, com eventos em 27 países.

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Brave CF

Idealizada pelo príncipe do Bahrein, Khalid Bin Hamad Al Khalifa, há quatro anos, foi criada com a promessa de competir com as principais organizações do mundo. Atualmente, é o maior do Oriente Médio.

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Cage Fury

O evento é considerado de pequeno porte nos EUA, tendo como um de seus objetivos revelar novos talentos do MMA. Um deles foi Jim Miller, lutador com mais vitórias na história da categoria dos leves do UFC.

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Pancrease

Mesmo sem o glamour do extinto Pride, o evento japonês é conceituado por ser um dos mais velhos da história do MMA, com 27 anos de existência. O brasileiro José Aldo e o americano Chael Sonnen lutaram na organização.

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Campeã aprendeu a lutar em dois meses

Dizem que dificilmente você gostará de comida japonesa na primeira vez que provar. Com o tempo, o paladar muda e você se apaixona. O MMA é a comida japonesa da vida de Sidy Rocha.

Há cinco anos, ela jogava vôlei e trabalhava como personal trainer. De MMA ela não era fã. Seu único contato com o esporte era quando acompanhava o marido, Claudio, nos eventos em que ele participava. Mas aí veio a chance de subir em um ringue pela primeira vez.

Sidy tinha pouco tempo para se preparar sem nunca ter praticado nenhuma arte marcial. Como o próprio nome diz, Artes Marciais Mistas é a mistura de vários estilos que forma um lutador "completo". Como ser completo sem saber nada?

A sul-mato-grossense teve dois meses para descobrir. Focou no jiu-jitsu e na técnica do ground and pound (socar um rival no chão) e foi enfrentar Juliana do Amaral. Ela jura que não ficou com medo quando seu nome foi anunciado.

"O MMA é para corajosos. Se você não tem coragem de pisar em um octógono pela primeira vez, nem adianta tentar de novo porque não vai rolar. Mas, se na primeira vez você já entra com coragem e se sente bem, então você leva jeito para a coisa".

E Sidy teve apenas 1min40 para saber se levava jeito. Foi esse o tempo que ela precisou para nocautear a rival. Aos 37 anos, ela iniciava sua tardia carreira como lutadora.

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Cinturão facilita a vida e traz fãs até da Índia

Um cinturão muda a maneira de como um atleta é visto no meio da luta, mesmo se o equivalente em dinheiro não chega na conta. O prestígio deixa o lutador mais popular, facilita para agendar novos combates e coloca o campeão na rota para dias melhores dentro do esporte.

"A visibilidade que a gente ganha com o cinturão é muito legal. Eu já participei de eventos nacionais por causa do título que ganhei no Japão. Já até disputei outros cinturões porque sou campeã lá fora. Abriu muitas portas para mim", explica Sidy Rocha.

No caso de Cleiton Silva, o título conquistado no Brave aumentou sua base de fãs nas redes sociais. "No meu Instagram deve ter umas 300 pessoas da Índia, do Bahrein, desses países que nunca imaginei me seguindo, me mandando mensagem".

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"Minha carreira não deixa a desejar"

O conceito de sucesso está diretamente ligado às expectativas que são colocadas sobre si. Para um jogador mediano, chegar à seleção brasileira seria visto como uma realização. Um craque que sempre vestiu a amarelinha pode se sentir frustrado por nunca ter sido eleito o melhor do mundo. Isso acontece no futebol, no MMA e na vida.

Nenhum dos cinco campeões desta reportagem está no UFC. Alguns nem têm mais a organização como objetivo de vida. Ainda assim, muitos se consideram lutadores realizados com a carreira que construíram.

"Eu sou muito realizado com a minha carreira. Porra, eu participei de vários eventos, lutei contra caras que tinham passado pelo UFC. Claro que todo mundo um dia pensa em entrar no Ultimate, mas minha carreira não deixa a desejar, não. Sou bem feliz com ela", diz Rafael Morcego.

No caso de Cleiton Silva, o sucesso está próximo. Em suas contas, conseguirá viver apenas da luta se tiver sucesso nos combates restantes de seu contrato com o Brave. "Quando alcançar minha estabilidade financeira, aí, sim, vou começar a me sentir realizado".

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Brasileiro virou rei no Japão

Rorion Gracie decidiu, no começo dos anos 1990, que ia provar para quem duvidasse que o jiu-jitsu praticado pelo seu clã era superior a qualquer estilo de luta. Assim surgiu a primeira edição do UFC, em 12 de novembro de 1993. Mas o que era para ser uma briga de egos entre lutadores se transformou no MMA, um fenômeno que lotava estádios do outro lado do mundo.

Enquanto o UFC caminhava a passos lentos nos Estados Unidos, o Japão via o Pride se tornar a principal organização do fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. O evento japonês não existe mais, comprado pelo próprio Ultimate, mas a mística em torno do Japão segue até hoje.

Rafael Morcego tinha dois sonhos: entrar no UFC e lutar no Japão. O segundo ele realizou. Ao ser campeão do Pancrease, o brasileiro sentiu a mesma sensação que Wanderlei Silva e Minotauro tinham quando eram ovacionados por uma multidão japonesa nos tempos de Pride.

"É um negócio muito louco lutar no Japão. Não tem quem vai e não fique doido. Os fãs japoneses são diferentes de quaisquer outros. Isso faz o negócio ficar muito massa. Sou muito feliz de ter realizado o sonho de ser campeão lá".

Valery Sharifulin/TASS via Getty Images Valery Sharifulin/TASS via Getty Images

"Tenho tudo para estar no UFC"

Mesmo que para alguns não seja mais um sonho, o UFC ainda é, para outros, o grande objetivo. A oportunidade de estar ao lado dos deuses do Olimpo do MMA é algo que salta aos olhos. Enquanto a hora não chega, os campeões pensam em cada movimento para aproximar seu caminho ao do UFC.

"Eu vejo o ACA como mais um passo na minha carreira com foco no UFC. Sou o único brasileiro campeão no ACA, e isso me prepara muito bem para os desafios que vou enfrentar no UFC", explica Felipe Froes.

Nikolas Motta se mudou para os Estados Unidos por causa do sonho de entrar no UFC. A escolha por morar em Nova Jersey e lutar no Cage Fury é estratégica: se houver uma desistência de última hora em um evento do UFC, é mais fácil recorrer a quem está ali perto.

"Eu treino com grandes nomes do MMA, como o Marlon Moraes, e eles me falam que eu tenho potencial, tenho tudo para estar no UFC. É um processo que leva muito tempo, e muita gente acaba desistindo porque não vai ser da noite para o dia. Não quero parecer ingrato, mas sei que posso chegar mais longe e estou trabalhando duro para isso".

Valery Sharifulin/TASS Valery Sharifulin/TASS

Anderson Silva já foi campeão sem glamour

O caminho para chegar no UFC não é fácil, mas não faltam exemplos bem-sucedidos. Os eventos menores, como o que Nikolas Motta é campeão, por exemplo, funcionam para o MMA como as categorias de base do futebol. Passar por torneios com quase nada de glamour antes de conseguir a vaga no Ultimate é algo normal.

Anderson Silva é um desses exemplos. Um dos maiores defensores de cinturão da história do UFC rodou por eventos de menores proporções antes de entrar na organização de Dana White.

Quando Anderson estava começando, a organização que enchia os olhos era o Pride. Ele teve duas passagens pelo evento japonês, mas sem grande destaque. Foram três vitórias e duas derrotas, pouco para estabilizar algum lutador em um torneio de tamanha pompa.

A reconstrução de Anderson aconteceu no Cage Rage Championship, um torneio famoso na Inglaterra, mas com pouco impacto para o MMA mundial. Lá, "Spider" conquistou o cinturão dos médios e o defendeu de maneira bem-sucedida em três oportunidades.

O status alcançado no Cage foi a última etapa percorrida por Anderson antes de chegar ao UFC. Em pouco tempo na organização, ele foi campeão, bateu recordes atrás de recordes e virou um dos deuses do Olimpo do MMA.

Jed Jacobsohn/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images Jed Jacobsohn/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images

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