No vôlei, esporte no qual defendeu Palmeiras e Hebraica nas categorias de base, a estreia de Carol foi em um campeonato em Campinas, no qual o Angels se inscreveu como time feminino. A levantadora, por necessidade, atuou como ponteira. "No primeiro ataque, ouvi alguém falando: 'Pode soltar o braço'. Ela achou que eu tinha atacado fraco de propósito, mas é só o que eu consigo mesmo", diz.
Desde a semana retrasada, está disputando, pela segunda vez na vida, aos 35 anos, um torneio feminino. Joga o 4º Torneio de Verão do Vôlei Dazmeninas. O time é inteiro formado por mulheres cis, exceto ela e outra das meninas trans do Angels, Luana.
"Eu consegui colocar mais uma trans no meu time", conta Carol, entusiasmada com a vitória extra-quadra. "É mais um campeonato que eu estou conseguindo jogar sem pedirem exame nem nada, nem para mim nem para a Luana".
A equipe delas joga na categoria master D. Uma regra não escrita do vôlei separa atletas em níveis. A e B são profissionais. C, amadores muito bons. D e E (e suas subdivisões D2, D3, D4, E2, E3, E4, etc), atletas de fim de semana. No Torneio Dazmeninas, se um time reclama que o outro tem uma jogadora no nível errado, esta é excluída.
"A gente tem jogadoras trans desde 2018 e nunca aconteceu de ser excluída", conta Fátima da Luz, uma das organizadoras. Segundo ela, na primeira vez que uma jogadora trans foi inscrita, houve chiadeira. "Eu era parada no corredor. Mas se a regra é ter o documento feminino e as atletas apresentam o documento feminino, a gente não questiona. O critério é a categoria. Se está na categoria, não tem o que contestar."
"Nosso papel é aceitar que existem as diferenças. Cada vez mais todos estão conquistando seus espaços. A vida delas já é uma luta, e a gente vai atrapalhar mais ainda?", questiona Fátima.
Mas os espaços são conquistados aos poucos. Para participar de um torneio amador da região do Vale do Paraíba, Ohara, personagem de outro capítulo desta reportagem, foi aconselhada a primeiro jogar como líbero. Na sua primeira participação, sem poder atacar, mostrou que seu voleibol não era nenhum bicho de sete cabeças. Nos torneios seguintes, com as rivais já convencidas, atuou na ponta, onde se sente confortável.
Mesmo nos torneios amadores ainda há resistência. A própria Ohara foi barrada em outro, tradicional, do ABC Paulista. Ali, pesou a pressão financeira. Times avisaram que, se a organização a aceitasse, não jogariam. Entre as taxas de inscrição desses times e admitir uma mulher trans, os organizadores optaram pela primeira opção.