Nove anos

Caso Robinho: a longa luta por justiça de uma mulher anônima condena seu estuprador à prisão

Adriano Wilkson e Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Marco Luzzani/Getty Images

Nove anos depois de viver um dos piores dias de sua vida, uma mulher finalmente encontrou algum conforto em uma das salas do Palácio da Justiça, onde funciona a Corte de Cassação, em Roma, a última instância do sistema judiciário da Itália. Sua identidade ela optou por manter em anonimato e, por isso, aqui a chamaremos apenas de A.

Naquele dia, 21 de janeiro de 2013, A. saiu de casa para comemorar seu aniversário de 23 anos com um grupo de amigas em uma boate em Milão. Lá ela encontrou Robinho, o jogador brasileiro que ela havia conhecido dois anos antes, em outro lugar. O que era pra ser uma festa virou uma cena de terror quando A. se viu cercada por seis brasileiros no camarote do músico da noite (também brasileiro), incapaz de resistir aos avanços do grupo.

Um dia depois, mesmo temendo confrontar um dos jogadores mais conhecidos do mundo e seus amigos, ela foi atrás de justiça. Nove anos depois, ela conseguiu. Pelo menos uma parte. Robinho e o amigo Ricardo Falco, que a estupraram naquela boate de Milão em 2013, foram condenados em definitivo a nove anos de prisão.

A. assistiu ao último julgamento com os olhos marejados, em silêncio, assim como esteve durante todos esses anos, exceto quando foi fazer sua denúncia à polícia e ao Ministério Público. A seguir, o UOL mostra o caminho percorrido pela mulher que desafiou as estatísticas e conseguiu colocar seu agressor no rol de condenados.

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Quem era Robinho em 2013

Robinho era o camisa 7 do Milan em janeiro de 2013. Tinha sido comprado pouco mais de dois anos antes por 18 milhões de euros (R$ 40 milhões, na cotação da época) do Manchester City. Entrou em campo cinco dias depois do crime pelo Campeonato Italiano. Pouco menos de um mês depois enfrentou o Barcelona de Xavi, Iniesta e Messi na Liga dos Campeões. Aos 29 anos, não era titular, mas seguia como um dos nomes mais influentes do elenco e brigava por vaga na Copa do Mundo pela seleção brasileira.

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Quem era A. em 2013

Nascida na Albânia, um pequeno país montanhoso nos Bálcãs, A. chegou à Itália aos 14 anos, quando sua família se mudou em busca de melhores condições de vida. Ela se considerava amiga de Ricardo Falco, que ela tinha conhecido no ano anterior na festa de aniversário de Robinho. Quando conheceu Robinho, em 2011, A. viveu uma situação desagradável: enquanto dançavam, o atacante brasileiro tentou 'lamber seu seio', segundo consta na sentença de condenação em segunda instância.

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A. faz investigação na internet e identifica agressores

A denúncia do Ministério Público italiano descreve os primeiros passos de A. após o estupro. Um dia depois do crime, ela entrou em contato com Falco e outro conhecido pelo Facebook. Os dois tentaram convencê-la de que a relação havia sido consensual, mas ela insistia que estava muito bêbada e não tinha condições de consentir. Fazendo buscas na rede, A. conseguiu identificar todos os envolvidos e passou então essas informações à polícia. Quando a polícia confrontou Robinho, ele entendeu que a investigação era séria.

"Agora a questão é o seguinte, mané", disse Robinho a um dos amigos envolvidos — a conversa foi interceptada com autorização judicial. "A questão é que o [amigo 2] ficou trocando maior ideia com a mina. A mina foi pelo Facebook e pegou todo mundo, pegou tu, eu falei: 'Como que a mina sabe, como que o cara [polícia] sabia o nome de vocês?''

As conversas interceptadas com grampos instalados no carro dos acusados foram as principais provas do processo. Nelas, os amigos admitiam que tinham mantido relação sexual com A. e que ela estava muito alcoolizada na situação. Na cabeça deles, essa não é a descrição de um estupro. Mas a Justiça italiana entendeu que sim.

As frases consideradas provas do estupro

Se os caras mandarem eu ir lá depor vai ser foda, vou falar o que pra minha nega? Vou lá depor pra quê? Oito cara rangaram a mina. Ó que fase que eu tô.

Robinho

Eu falei: 'Cara! Se esse bagulho sair na imprensa vai me foder', aí, resumindo, falou que perguntou de você, falou que tinha seu nome, seu telefone, porque o [amigo 2] ficou falando com a mina pelo telef... pelo Facebook mano.

Robinho

Aquele dia ela não conseguia fazer nada, nem mesmo ficar em pé, ela estava realmente fora de si.

Ricardo Falco

O cara que o Jairo contratou falou assim: 'Ó, a única coisa boa é que os caras tá lá no Brasil e na discoteca não tinha câmera, porque se pegasse a câmera os caras iam pegar eles até no Brasil, como não tinha câmera vai ficar meio embaçado pra mina provar que estupraram ela se ela não estiver grávida'

Robinho

Eu lembro que quem tava desesperado era [amigo 3] e [amigo 2] em cima da mina. [amigo 3] e [amigo 2] tavam num desespero da porra.

Robinho

Cara, você quer um conselho? Não vai nem lá, volta pro Brasil, pelo menos tu não fica em cana.

Robinho

Jairo é Jairo Chagas, que tocava no local do crime em 2013 e prestou depoimento como testemunha do caso. Ele foi condenado por falso testemunho. Os amigos numerados também fizeram parte da agressão sexual, mas não foram nomeados porque deixaram a Itália antes das investigações.

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Anadolu Agency via Getty Images
Robinho comemora título turco pelo Basaksehir em 2020

Robinho nega com veemência e segue a carreira

Cada vez mais sem espaço no Milan depois de quatro temporadas, Robinho foi emprestado ao Santos em agosto de 2014. Ele e seu estafe — sem dar qualquer importância à investigação de estupro que corria na Itália — planejavam a retomada do alto nível esportivo aos 30 anos. Deu certo.

De volta ao país, Robinho foi campeão paulista e marcou 17 gols em 41 partidas no período de um ano. O desempenho rendeu novas convocações para a seleção e ele disputou a Copa América de 2015 sob o comando de Dunga. O Brasil deu um vexame na ocasião, eliminado nas quartas de final.

Em seguida, sem vínculo com Santos ou Milan, fechou contrato com o Guangzhou Evergrande, então dirigido por Felipão na China. Ele recebeu um ano de salário adiantado e à vista para jogar no país: aproximadamente R$ 40 milhões. Depois, ainda atuou por duas temporadas no Atlético-MG e em dois times médios da Turquia, o Sivasspor e o Basaksehir. Chegou a ser convocado por Tite em janeiro de 2017 e jogou a última partida como profissional em 19 de julho de 2020.

Estes últimos anos na elite do futebol pelo mundo já foram sob a acusação de estupro, noticiada pela primeira vez na Itália em outubro de 2014. Na época, Robinho se defendeu com afetação. Chamou os meios de comunicação que informaram a investigação de irresponsáveis e a denunciante de leviana e mentirosa. Divulgou nota alegando que não tinha participado do episódio e que quem conhecia sua índole sabia disso. O assunto ficou morno durante as investigações até novembro de 2017, quando foi condenado em primeira instância.

Mesmo assim, manteve a carreira por mais quase três anos.

Marcelo Ferraz/UOL
Robinho em entrevista ao UOL em 2020

"Meu único erro foi ter traído minha mulher"

O Santos assinou contrato com Robinho para uma quarta passagem em outubro de 2020, quando era comandado por uma diretoria que ficou apenas 95 dias no poder.

A ideia, tanto do clube quanto do jogador, era de um ponto final na carreira aos 36 anos. Porém, o que se seguiu foram movimentos contrários à contratação por parte da torcida e de patrocinadores. Seis dias depois, Robinho foi afastado em razão desta pressão e decidiu se defender. Em entrevista exclusiva ao UOL, se disse inocente.

"A questão é: qual foi o erro que eu cometi? Qual foi o crime que eu cometi? O erro foi não ter sido fiel à minha esposa, não cometi nenhum erro de estuprar alguém, de abusar de alguma garota ou sair com ela sem o consentimento dela."

Além da teoria de que seu único erro no caso foi a traição, Robinho admitiu contato íntimo com a vítima — diferentemente de suas manifestações anteriores. Ele disse que ambos "se tocaram", mas que em seguida ele foi embora para casa e ficou sabendo que amigos que estavam com ele se relacionaram sexualmente com a mulher.

Na única entrevista sobre o estupro, o jogador foi instruído por seus assessores e advogados a não responder diversas perguntas. O trabalho do estafe também impôs intimidação nos bastidores a jornalistas e comentaristas que apontavam o crime de Robinho, sob a alegação de que cabiam recursos. Alguns torcedores do Santos favoráveis a Robinho também enviaram mensagens com ameaças e ofenderam profissionais de imprensa neste período, até com vazamento de números de telefone.

Robinho foi condenado em segunda instância em dezembro de 2020 e em última instância ontem (19). Não cabem mais recursos.

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Almeida Rocha/Folhapress. Digital
Robinho e Diego comemoram título brasileiro do Santos em 2002

A carreira que Robinho manchou

"Ele é um grande reforço para nós. Precisamos de grandes jogadores e ele é um deles."

A frase é de Emilio Butragueño, vice-presidente do Real Madrid responsável pela contratação de Robinho em julho de 2005. Foi um negócio de US$ 50 milhões, aproximadamente R$ 120 milhões na cotação da época. Depois de dois títulos brasileiros e altíssimo nível de futebol durante três temporadas com a camisa do Santos, Robinho foi vendido para a Europa com a missão de se tornar em pouco tempo o melhor jogador do mundo com a 10 do Real. Parecia óbvio que o destino era repetir os passos de Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.

Robinho nunca chegou neste nível, mas construiu uma carreira importante na Europa. Foram três temporadas de Real Madrid até perder espaço por causa da iminente contratação de Cristiano Ronaldo e fazer pressão pela saída, que aconteceu em setembro de 2008. Ele foi para o Manchester City por 40 milhões de euros (R$ 96 milhões) como uma das primeiras contratações da fase de novo-rico do clube inglês. Não vingou, teve uma segunda passagem vencedora pelo Santos por empréstimo e daí foi para o Milan.

Na seleção, o atacante teve convocações ao longo de 14 anos e trajetória muito influente, com participação nas Copas do Mundo de 2006 e 2010, além de duas edições da Copa das Confederações e três da Copa América. Foram ao todo cem jogos e 30 gols marcados em 115 convocações que o tornaram o 15º jogador com mais partidas na história da Amarelinha. A carreira que Robinho manchou com o crime não era para qualquer um.

Reprodução/Twitter

Você não está sozinha

Robinho obviamente não foi o primeiro e nem vai ser o último jogador de futebol envolvido em um caso de violência sexual contra a mulher. Mas ele foi um dos poucos que de fato sentiu o reflexo de seus atos na sua carreira. Quando Robinho foi contratado pelo Atlético, em 2017, já condenado em primeira instância, um grupo de feministas protestou e cobrou um posicionamento da diretoria. "O silêncio do Atlético é violento. Não aceitaremos estupradores", dizia uma faixa erguida na porta do clube.

O atacante ficou um ano em Belo Horizonte. Quando foi recontratado pelo Santos, dois anos depois, a reação foi ainda maior. Movimentos feministas de torcedoras santistas passaram a pressionar os patrocinadores, que pressionaram a diretoria. Jornalistas mulheres engrossaram as críticas e tiveram a solidariedade de colegas homens. Com a condenação em segunda instância, o Santos rescindiu o contrato, deixando Robinho sem clube.

A forte reação da opinião pública brasileira não se deveu apenas ao ato cometido por Robinho e seus amigos em Milão. Foi também uma onda de solidariedade a A., uma mulher albanesa que permaneceu esse tempo todo anônima.

Divulgação
Mayra Cotta, advogada criminalista especializada em gênero

"Coragem não pode ser requisito pras mulheres terem uma vida sem violência"

Mayra Cotta, advogada criminalista especializada em gênero, viu na condenação de Robinho uma "mensagem de esperança" para outras mulheres que vivem violências semelhantes.

"Por um lado, é uma mensagem de esperança, é um caso em que um homem poderoso foi de fato condenado por uma violência sexual — mesmo com a opinião pública dividida no início. A mulher enfrentou a imprensa, a opinião pública e um time de advogados caros para fazer sua voz ser ouvida — e conseguiu, depois de nove anos, uma sentença que reconhece a gravidade do que aconteceu com ela."

"Mas se formos parar para pensar tudo o que essa mulher viveu nesses últimos nove anos - todas as formas em que tentaram descredibilizá-la e fazê-la desistir, todas as intimidações que viveu, os medos que precisou enfrentar, as exposições de sua vida, os julgamentos públicos a que foi submetida — fica evidente que ainda precisamos avançar muito. Fica evidente que ainda estamos longe de termos motivos para efetivamente celebrarmos. Coragem e resiliência não podem ser os requisitos necessários para as mulheres poderem exercer o seu direito básico de viverem uma vida sem violências."

Mike Hewitt - FIFA/FIFA via Getty Images Mike Hewitt - FIFA/FIFA via Getty Images

É o fim da carreira de Robinho?

Robinho não atua profissionalmente desde julho de 2020 e mesmo diante da condenação planejava encerrar a carreira jogando pelo Santos, o que dificilmente acontecerá — o atual presidente do clube foi crítico da contratação mais recente e tem mandato até o fim do ano que vem.

O atacante não teve vínculo com clubes no último ano, mas manteve rotina de treinamentos por um tempo no clube Portuários, em Santos. Hoje, treina na maior parte do tempo em casa para manter a forma física. É normal vê-lo nas praias da região jogando futevôlei, também.

Apesar do tempo parado e agora da condenação definitiva, não será surpreendente se Robinho, 37 anos hoje, decidir retomar a carreira. Nos últimos meses, ele recebeu e recusou sondagens de clubes de menor expressão no Brasil e fora, segundo ouviu o UOL.

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