Em 1978, a peruana Victória Santa Cruz gravou em vídeo o poema "Me gritaram negra", no qual expôs insultos racistas que sofreu ao longo da vida. Conforme o texto vai sendo declamado, ela subverte as agressões e as transforma em parte do processo de reafirmação de sua identidade racial. O poema se tornou um dos mais icônicos da luta antirracista (veja o vídeo abaixo).
Historicamente, o termo negro tem sido usado como ofensa racial. No futebol não é diferente. Recentemente, a palavra foi estopim para acusações de racismo que envolveram jogadores brasileiros e sul-americanos, como a feita contra o uruguaio Edinson Cavani (Manchester United), suspenso e multado por chamar um amigo de "negrito".
Outro caso aconteceu após o primeiro jogo da semifinal da Libertadores entre Boca Juniors e Santos. O atacante argentino Ábila se referiu a Marinho como "negro" para, na sequência, se corrigir e usar a palavra "moreno". E justificou: "porque agora se você fala 'negro', te denunciam". No segundo duelo, na Vila Belmiro, o santista usou uma chuteira personalizada com a frase "Black Lives Matter" (Vidas Negras Importam), e os dois jogadores se abraçaram. O que esses episódios têm em comum, para além do uso da palavra "negro", é o quanto eles expõem a necessidade de uma discussão mais ampla sobre o nosso vocabulário e como ele impacta diretamente o cenário do futebol.
Na definição do dicionário da língua portuguesa Michaelis, o adjetivo "negro" refere-se a alguém "que tem a cor mais escura de todas, como o piche e o carvão" ou "a pessoa de etnia negra". Para o substantivo masculino, indica "aquele que vive sujeito a um senhor, escravo" ou "pessoa que trabalha muito". Na língua espanhola, o glossário menciona a expressão "trabajar más que um negro/trabajar como un negro" ("trabalhar mais que um negro/trabalhar como um negro").
Mas por que o uso da palavra "negro" tem sido contestado dentro e fora dos gramados? O UOL Esporte ouviu especialistas em linguística, comunicação e relações étnico-raciais para entender a conotação da palavra, em quais situações e contextos ela pode ser considerada depreciativa e qual a responsabilidade dos clubes e entidades na luta antirracista.