Chega de gastar!

Ainda enfrentando os efeitos da covid-19, clubes brasileiros optam pela cautela e se reforçam sem ostentação

Bruno Braz e Pedro Lopes* Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo Troy Wayrynen/USA TODAY Sports

Um calendário que chegou a ser suspenso e que depois enfrentou longo tempo com jogos realizados de portões fechados. Os efeitos da covid-19 afetaram - e ainda afetam - as finanças dos clubes brasileiros. E o que se vê neste mercado da bola reaberto para 2022 é um misto de cautela, pragmatismo e pontualidade.

Entre os com maior poder aquisitivo, o Palmeiras é quem mais gastou até aqui. Foram cerca de R$ 36 milhões com as compras de Atuesta e Murilo, mas tudo dentro de um planejamento orçamentário que contou com alguns desligamentos de jogadores com altos salários, casos de Borja, Felipe Melo, William Bigode e outros.

Atlético-MG e Flamengo, com definições recentes sobre o treinador, ainda estão tímidos. O Galo até trouxe a estrela internacional Godín, mas sem custos, assim como o atacante Ademir, ex-América-MG. Só abriu os cofres para o atacante Fábio Gomes, pelo qual desembolsou cerca de R$ 4,5 milhões. Já o Rubro-Negro ainda não se reforçou.

Entre os endividados, Corinthians, São Paulo e Santos têm optado —na maioria das vezes— por jogadores livres de contrato. Já o Fluminense se mostra mais ousado, tendo já gasto R$ 10 milhões.

Num mundo que passa por grandes transformações e que o futebol brasileiro parece acompanhar, a surpresa financeira atende pelo nome empresarial Red Bull Bragantino, que neste início de janela desponta como o maior gastador do país junto com o Palmeiras.

Ganharam asas de vez?

Troy Wayrynen/USA TODAY Sports

As maiores contratações de 2022 até o momento

  • 1

    Helinho

    Red Bull Bragantino pagará R$ 24 milhões ao São Paulo pelo atacante

    Imagem: Divulgação/Bragantino
  • 2

    Atuesta

    Palmeiras pagará R$ 20,7 milhões para comprar 70% dos direitos econômicos do colombiano

    Imagem: Cesar Greco
  • 3

    Murilo

    Palmeiras pagará R$ 15,5 milhões ao Lokomotiv Moscou por 80% dos direitos do defensor

    Imagem: Divulgação
  • 4

    Eric Ramires

    Red Bull Bragantino pagou cerca de R$ 12 milhões ao Bahia por 70% dos direitos do atacante

    Imagem: José Jácome POOL/EFE
  • 5

    Cristiano

    Fluminense pagou cerca de R$ 9 milhões pelo lateral esquerdo que estava no Sheriff

    Imagem: DeFodi Images via Getty Images
  • 6

    Bryan Garcia

    Athletico-PR pagará R$ 8,5 milhões ao Independiente Del Valle (EQU) pelo volante

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Independiente del Valle
  • 7

    Fábio Gomes

    Atlético-MG pagou R$ 4,5 milhões ao Oeste (SP) por 50% dos direitos do atacante

    Imagem: Divulgação/Atlético-MG
  • 8

    Pablo Siles

    Athletico-PR pagou R$ 3,5 milhões ao Vitória (BA) pelo volante uruguaio

    Imagem: Divulgação/Site oficial do Vitória
  • 9

    Patrick

    São Paulo pagará cerca de R$ 3,1 milhões por 30% dos direitos do meio-campista

    Imagem: Divulgação
  • 10

    Nathan

    Fluminense pagou R$ 1 milhão pelo empréstimo de Nathan, do Atlético-MG

    Imagem: Mailson Santana/Fluminense FC
Simon Hofmann - FIFA/FIFA via Getty Images

Atlético-MG e Flamengo têm reduzido investimentos

Os valores gastos por Atlético-MG e Flamengo em 2019 e 2020, e o peso das contratações dos mesmos, impactaram o torcedor brasileiro, ainda desacostumado com tamanho investimento. Porém, o desejado equilíbrio das respectivas equipes, a consolidação do elenco e as disputas recorrentes por títulos parecem ter freado o ímpeto financeiro da dupla no mercado da bola.

Para se ter uma ideia, o Galo, por exemplo, gastou um total de R$ 200 milhões em 2020 e R$ 50,4 milhões em 2021. Já este ano, até o momento, foram apenas R$ 4,5 milhões pelo atacante Fábio Gomes. O zagueiro uruguaio Godín, reconhecido internacionalmente, chegará livre de contrato, para cobrir a saída de Junior Alonso.

No caso do Rubro-Negro, em seu ano mágico de 2019 foram gastos R$ 192,5 milhões em reforços. Na temporada seguinte, o valor reduziu para R$ 174 milhões. Já em 2021 a queda foi acentuada: apenas R$ 3 milhões pelo empréstimo de Kenedy. Os zagueiros David Luiz e Bruno Viana chegaram livres, e Andreas Pereira foi emprestado sem custos. Por outro lado, todos eles chegaram com salários elevados.

Para esta temporada, o clube trouxe o técnico português Paulo Sousa e ainda não contratou ninguém.

Divulgação

Palmeiras colhe frutos; Corinthians, Flu, Inter e SPFC querem chegar

Com fama de "gastão" até pouco tempo, o Palmeiras colheu os frutos da paciência nos últimos anos, abocanhou títulos e, sob a batuta do português Abel Ferreira, encontrou um time-base e um caminho. Para 2022, os investimentos até aqui estão no topo entre os clubes, mas tudo dentro do orçamento e com a contrapartida da saída de medalhões com altos salários. O técnico Abel Ferreira, porém, quer mais e insiste na demanda de um camisa 9 de alto nível. O clube já fez propostas por jogadores que, se concretizadas, teriam sido a maior transferência da janela, de longe.

Numa prateleira financeira abaixo encontram-se Corinthians, Fluminense, Internacional e São Paulo, clubes que estão endividados, mas têm utilizado a criatividade para se reforçar e tentar alcançar o trio poderoso formado pelo Alviverde e por Atlético-MG e Flamengo.

Do quarteto, o mais ousado até o momento é o Fluminense. O Tricolor carioca já desembolsou cerca de R$ 10 milhões, sendo R$ 9 milhões pelo lateral esquerdo Cristiano e R$ 1 milhão pelo empréstimo do meia Nathan, do Galo. O São Paulo também gastou, mas bem menos. "Apenas" cerca de R$ 3,1 milhões pelo volante Patrick.

Já Corinthians e Internacional só contrataram jogadores livres de contrato até o momento. No caso dos paulistas, eles ainda trouxeram sem vínculo o ídolo Paulinho, um investimento salarial considerado alto . Ele se junta a outros nomes de peso que chegaram durante a temporada passada: Willian, Renato Augusto e Giuliano. O clube agora também busca um camisa 9 de renome, para o qual contará com a ajuda de um patrocinador do agronegócio. É a mesma posição de Wesley Moraes, o reforço de destaque do Inter até aqui.

Divulgação/Bragantino

Com 'bala na agulha', Red Bull Bragantino desafia os grandes

Com o suporte da fusão com a empresa Red Bull, o Bragantino vem tendo uma ascensão meteórica no futebol brasileiro. Em 2019, fechou o acordo com a multinacional e já foi campeão da Série B e garantiu o acesso. Em 2021, obteve a classificação inédita para a Copa Libertadores, adiantando uma meta que inicialmente era para 2024. Não bastasse isso, foi vice-campeão da Copa Sul-Americana.

Os feitos esportivos o colocam cada vez mais próximos dos grandes, mas o clube quer mais, busca títulos e, para atingir o objetivo, dinheiro não faltará. Prova disso é que o time de Bragança Paulista (SP) desponta como o principal gastador em reforços até o momento neste mercado da bola.

São cerca de R$ 36 milhões somando as compras de Helinho e Eric Ramires —que já haviam chegado no ano passado via empréstimo. A soma se iguala, em tese, aos gastos do Palmeiras. No entanto, no total, suas cifras vão superar as do Alviverde, já que a aquisição do lateral Luan Cândido não teve seus valores divulgados.

Especialista separa clubes de acordo com desempenho, capacidade de investimento e expectativas esportivas

"O primeiro grupo, que considero o mais forte, é formado por Atlético-MG, Flamengo e Palmeiras. Estamos falando de elencos fortes, que conquistaram ou chegaram muito perto, e que por isso seguirão fazendo ajustes, apenas. Não parece fazer sentido ter grandes mudanças, a não ser por reposição ou ajustes pontuais. O Atlético recebeu Godín, o Palmeiras abriu mão de alguns atletas e trouxe reposições dentro do orçamento, e o Fla mantém um elenco forte e que foi se reforçando ao longo de 2021.

Todos têm dinheiro, mas não precisam gastar. É a vantagem de estar ajustado há mais tempo, e seguem exemplos de clubes europeus que ocupam as primeiras posições: nunca há grandes mudanças, elas são pontuais.

Tem uma segunda turma que precisa mostrar serviço, independente do que disputarão, e independente de terem dinheiro ou não. Corinthians e Fluminense, mesmo com enormes dificuldades financeiras, estão contratando. Vão aproveitar a Libertadores para tentar ir o mais longe possível e, com isso, adicionar receitas, talvez conseguindo ir longe na Copa do Brasil. Tem um ar de aposta nessas ações.

E tem os que precisam tentar se recuperar, como Internacional e São Paulo. Aqui é uma análise mais complexa, porque o SPFC fez muitas contratações sem grande produtividade em 2021 e volta à carga, enquanto o Inter parece estar atendendo o novo treinador, o que parece sensato. Agora, nenhum deles tem sobra de caixa para ousadias".

César Grafietti, consultor de Gestão e Finanças do Esporte

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Quanto os principais clubes da Série A já gastaram para 2022

  • Palmeiras - R$ 36,2 milhões

    Clube gastou R$ 20,7 milhões com Atuesta e R$ 15,5 milhões com Murilo.

    Imagem: Agência
  • Red Bull Bragantino - R$ 36 milhões

    Podendo chegar a mais, já que os valores de Lucas Cândido não foram divulgados

    Imagem: Divulgação
  • Athletico - R$ 12 milhões

    Os paranaenses pagaram R$ 8,5 milhões por Bryan Garcia e R$ 3,5 milhões por Pablo Siles

    Imagem: Divulgação
  • Fluminense - R$ 10 milhões

    Tricolor gastou R$ 9 milhões com Cristiano e R$ 1 milhão pelo empréstimo de Nathan

    Imagem: Reprodução
  • Fortaleza - R$ 5,5 milhões

    Clube gastou R$ 4,5 mi com Benevuto e R$ 1 mi com Jussa. Valores dos estrangeiros não foram revelados

    Imagem: Agência
  • Atlético-MG - R$ 4,5 milhões

    Até o momento, clube só gastou na contratação de Fábio Gomes: R$ 4,5 milhões

    Imagem: Reprodução
  • São Paulo - R$ 3,1 milhões

    Clube só gastou na aquisição de Patrick por cerca de R$ 3,1 milhões até aqui

    Imagem: Reprodução
  • Quem ainda não gastou?

    Corinthians, Flamengo, Internacional e Santos ainda não gastaram com reforços

    Imagem: Facebook
Paulo Paiva/Paulo Paiva/AGIF

Athletico e Fortaleza também 'abrem a carteira'

Com sucesso administrativo nos últimos anos, algo que os fez subir de patamar nos resultados esportivos, Athletico-PR e Fortaleza também alcançaram um status financeiro que lhes permite investir na obtenção de reforços. Até o momento, na temporada 2022, ambos já gastaram mais em contratações do que Atlético-MG, São Paulo, Flamengo, Corinthians, Internacional e Santos, por exemplo.

Os paranaenses pagaram R$ 8,5 milhões pelo volante Bryan Garcia, do Independiente Del Valle (EQU), e R$ 3,5 milhões ao Vitória pelo volante uruguaio Pablo Siles. Já os cearenses gastaram ao menos R$ 5,5 milhões somando as compras de Marcelo Benevenuto (R$ 4,5 milhões) e Matheus Jussa (R$ 1 milhão). Porém, o investimento pode ter sido ainda maior, já que os valores das contratações dos estrangeiros Anthony Landázuri e Brayan Ceballos não foram revelados.

Reprodução Fla TV

No mercado dos técnicos, desejo por estrangeiros

O mercado dos treinadores segue, em 2022, em plena mudança de perfil. Os clubes têm, cada vez mais, olhado para profissionais do exterior, principalmente os que, atualmente, gozam de maior poderio financeiro, casos de Atlético-MG e Flamengo, que optaram por técnicos estrangeiros numa temporada com muitas competições, entre elas a Copa Libertadores.

Após Cuca decidir não continuar e ter negociações frustradas com os portugueses Jorge Jesus e Carlos Carvalhal, o Galo trouxe o argentino Antonio "El Turco" Mohamed, com passagens principalmente por clubes mexicanos e de seu país.

O Rubro-Negro também tentou seu ídolo Jorge Jesus, mas acabou acertando com outro lusitano, Paulo Sousa, que rescindiu com a seleção da Polônia para fechar com os cariocas.

O Internacional é outro que trouxe um treinador de fora. Trata-se do uruguaio Alexander Medina, que estava no Talleres (ARG).

Dos clubes da Série A, somente Cuiabá e Goiás ainda não definiram o treinador na temporada. Já na Série B, o Cruzeiro - com Ronaldo administrando sua SAF — foi mais um que contratou um estrangeiro, o uruguaio Paulo Pezzolano, ex-Pachuca (MEX).

Chapecoense, Londrina e Vasco mudaram de treinador em dezembro de 2021, mas optaram pelos brasileiros Felipe Conceição, Vinicius Eutrópio e Zé Ricardo, respectivamente.

No mundo, mercado brasileiro se desvalorizou

Por Jamil Chade, colunista do UOL

Nenhum título mundial com a seleção por 20 anos. Nenhum título mundial de clubes em uma década. Nenhum título de melhor jogador do mundo em 15 anos.

Sem o mesmo protagonismo de décadas passadas, o futebol brasileiro vê as consequências financeiras de uma transformação de seu valor no exterior. Novos dados publicados pela Fifa nesta semana revelaram que, pela primeira vez, não são mais os jogadores de nacionalidade brasileira que lideram o total gasto por clubes no mercado de transferências. A nova posição de número 1 é da França, a atual campeã do mundo.

No total, times investiram em 2021 mais de US$ 643 milhões em jogadores franceses. No caso de atletas brasileiros, o valor foi de apenas US$ 468 milhões.

A queda brasileira é significativa. Em 2018, por exemplo, clubes pelo mundo destinaram mais de 1,2 bilhão de dólares com atletas brasileiros. Hoje, esse valor não chega a 50%.

Apesar de ter sido desbancado pela França, os dados revelam que os brasileiros continuam a ser os jogadores mais comercializados do mundo. No ano, foram 1,7 mil transferências envolvendo brasileiros, tanto na exportação de craques do país para o exterior como na transação entre clubes estrangeiros.

Os números estão abaixo do pico histórico de mais de 2 mil transferências de brasileiros em 2020. Mas, ainda assim, superam de forma clara o restante do mundo. Na segunda posição estão os argentinos, com 896 transferências no ano, seguidos pelos ingleses, com 837. A França, líder na questão financeira, aparece apenas na quarta posição, com 772 jogadores.

O que isso significa? Uma desvalorização e a transformação dos jogadores nacionais em commodities, a preços mais baixos.

Há ainda um outro fator: a transformação na geografia do futebol como resultado da pandemia. Diante de uma crise financeira importante e dívidas ameaçadoras, clubes tiveram de tomar decisões sobre como ir ao mercado. Segundo os dados da Fifa, as transferências voltaram a subir em 2021 pelo mundo, com 18 mil contratos. Mas houve uma queda no valor gasto, em 13%.

No total, clubes destinaram 4,8 bilhões de dólares em reforços. O valor é 33% inferior ao que foi investido em 2019, o que reflete a necessidade que cartolas tiveram de escolher de forma mais criteriosa onde iriam gastar e com quem.

E, nessa conta, sobrou para os brasileiros.

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