O artilheiro da mãe

Claudinho vive grande fase no Brasileirão e agita o mercado da bola depois da "profecia" de Lúcia

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Ari Ferreira

Depois de dois anos liderado por Gabigol, o topo da lista de artilheiros do Campeonato Brasileiro tem um nome que não veste a camisa de algum dos clubes considerados grandes: é Claudinho, 24 anos, do Red Bull Bragantino.

Ele é camisa 10 e capitão do time do interior de São Paulo e já chegou aos 16 gols — mesmo número de de Marinho (Santos) e Thiago Galhardo (Internacional). Outros que ficaram para trás são Luciano (São Paulo) e Cano (Vasco). Os números de Claudinho são explicados pela campanha ascendente de sua equipe e, para quem acredita nisso, por uma profecia da mãe, Lúcia.

Quando eu estava com dez gols minha mãe falou para mim que eu poderia e iria alcançar essa artilharia, que ela profetizava isso na minha vida. E, cara, estou sendo muito feliz de estar podendo fazer os gols, saindo com as vitórias e alcançando essa artilharia. Lembro que eu tinha chegado de um jogo e feito gol, ela falou que eu alcançaria essa meta, que ela profetizava isso na minha vida e está dando certo."

Como ele diz, "o que mãe fala acontece".

Nesta entrevista ao UOL Esporte, Claudinho também fala sobre suas passagens por Santos e Corinthians antes de estourar e principalmente sobre o futuro, já que seu nome é um dos mais badalados do mercado da bola para 2021: "Vejo muitos comentários de 'volta para o Santos', 'volta para o Corinthians', 'vem para o Flamengo', 'vem para o Grêmio' e fico feliz." Mas e futebol europeu, está nos planos?

O futebol brasileiro já está ansioso pela próxima profecia de dona Lúcia.

Ari Ferreira

Veja a entrevista com Claudinho

Mãe "descobriu" talento e mudou de vida para Claudinho poder jogar

Lúcia é mais do que "profetiza" na carreira de Claudinho. Nascido em São Paulo e criado num bairro da cidade de São Vicente chamado Jóquei Clube, o menino começou a jogar bola por influência dela: "Sempre morei em comunidade, família muito humilde. Com quatro anos de idade já estava brincando com o pessoal mais velho, de seis, sete. Um dia passou um rapaz que tinha uma escolinha de futebol lá na comunidade, me viu jogando com os caras mais velhos e falou para minha mãe me levar na escolinha porque via potencial em mim."

Depois de seis meses nessa escolinha, Claudinho jogou um amistoso contra o Santos e despertou interesse. Com cinco anos, já atuava pelo futsal do clube. Aos poucos, uma questão financeira foi se tornando um obstáculo mais sólido: faltava dinheiro para pagar a condução até os treinos e compromissos do time na outra cidade.

"Vivíamos do básico. Meu pai trabalhava para pagar o aluguel ali, ter o arroz e o feijão e de vez em quando ter a mistura, de vez em quando ter o algo a mais, mas era isso. E minha mãe cuidava de mim", diz o jogador, que na época fez um pedido à mãe.

Ele não lembra, ela não esquece.

"Eu era muito pequeno, mas quando ela conta isso às vezes nos emocionamos. Eu cheguei nela e falei para ela não desistir de mim, que eu ia virar jogador e ia ajudar muito ela", diz, emocionado.

Na época, Lúcia decidiu trabalhar como diarista e empregada doméstica. Deixava Claudinho com uma tia ou na escola e saía para reforçar o orçamento da casa e permitir o sonho do filho de ser jogador do Santos.

"Hoje, graças a Deus, eu consigo ajudar minha família, ver minha mãe, meu pai e minha irmã felizes, é o mais importante. Esse é um pouquinho da minha história, não vou contar mais porque senão vou acabar me emocionando aqui (risos)".

Ari Ferreira Ari Ferreira

Do Santos ao Corinthians

Claudinho foi do futsal ao futebol de campo e ficou no Santos entre os 5 e os 18 anos. Atuou na geração de Caio Henrique (Mônaco), Thiago Maia (Flamengo) e Robson Bambu (Nice). Chegou a ser vice-artilheiro do Campeonato Paulista sub-17 de 2014, com 19 gols, e disputou uma edição da Copa São Paulo.

Ele era considerado uma promessa para o futuro dentro do clube, um novo Menino da Vila, mas não chegou a jogar profissionalmente por lá. Em julho de 2015, saiu. Teve propostas de clubes como Internacional, Atlético-MG e Sporting (Portugal), mas acabou assinando com o rival Corinthians. "Olha, de verdade, não era uma coisa que eu queria [trocar o Santos pelo Corinthians], porque vivi minha adolescência ali, me via subindo para o profissional e jogando profissionalmente ali", diz, ao UOL.

"Chegou um momento em que meu contrato no Santos estava acabando, chegou diretor novo e acabou não valorizando a história que eu já tinha na base. Como falei, eu sou de uma família muito humilde, tinha essa responsabilidade também, da minha casa, então o Corinthians abriu a porta e me deu essa oportunidade."

Com Claudinho, o Corinthians foi vice-campeão da Copinha de 2016. Ele foi promovido ao elenco profissional logo depois, ao lado do volante Maycon — hoje no Shakhtar Donetsk-UCR e na seleção brasileira sub-23. O técnico da época era Tite.

O Tite foi muito importante para mim, porque me ensinou a ser profissional, me ensinou o que é ser um atleta profissional de verdade, fora ter me subido para o time de cima e ter promovido minha estreia. Levo um carinho enorme por ele, é um cara muito inteligente, fora do normal, só tenho elogios. Só gratidão pelas coisas que ele fez por mim, pelo aprendizado."

Claudinho, sobre ter trabalhado cinco meses com Tite

Rodrigo Coca

Só um jogo com Tite

Tite costumava dizer nos bastidores do dia a dia do Corinthians em 2016, antes de assumir a seleção brasileira, que Claudinho tinha potencial para explodir, mas que isso talvez não acontecesse naquele momento. Tanto é que ele só colocou o menino em ação uma vez.

19 de março de 2016, Corinthians 4 x 0 Linense, primeira fase do Campeonato Paulista. Claudinho entrou no lugar do atacante André aos 40 do segundo tempo. Ao todo, sete minutos em seu único jogo pelo clube em que estreou como profissional.

Muita gente manda mensagem para mim: 'ah, você não deu certo no Corinthians'. Eu falo: 'caralho, como não deu certo? Joguei cinco minutos (risos)'. Mas foi um momento incrível para mim."

"Quando ele [Tite] me chamou eu não acreditei, fiquei: 'eu? Eu mesmo? De verdade?'. Ele falou 'vai lá, faz o que você sabe fazer de melhor, confiança, vai lá, seja feliz, ajuda seus companheiros da melhor forma possível'. Me lembro que eu tinha subido com o Maycon, ele tinha acabado de entrar no jogo também, então a gente tinha um pouco de entrosamento. Deu para fazer umas coisinhas ali, foi bem bacana, fiquei muito feliz. Achei que fui bem no jogo, sim, mas a equipe ali era muito qualificada, 2015, 2016, Tite tinha um pouquinho de dor de cabeça para escalar e não fico com raiva, rancor, nada do tipo, porque entendo muito bem", diz o atacante.

Até o prognóstico de Tite se concretizar e Claudinho "acontecer", ele foi emprestado para Bragantino e Santo André, trocado por Clayson com a Ponte Preta e ainda jogou no Red Bull Brasil e no Oeste antes de embalar com a camisa do Red Bull Bragantino. Próximos passos?

Ari Ferreira

Futuro pode ser na Europa

O Red Bull Bragantino é parte de uma franquia de times da empresa de energéticos espalhada pelo mundo. O projeto mais bem-sucedido da atualidade é o RB Leipzig, da Alemanha, que foi semifinalista da temporada 2019/2020 da Liga dos Campeões da Europa e é atualmente segundo colocado do Campeonato Alemão. Também há times na Áustria e nos Estados Unidos, entre outros países.

O RB alemão é um destino possível para Claudinho nos próximos meses. Não que exista preferência de compra em contrato, mas há grande intercâmbio de informações entre as franquias, o que pode facilitar o caminho. Para fora disso seu valor de mercado varia entre 12 e 15 milhões de euros (de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões, aproximadamente). Os árabes do Al Ittihad acenaram com algo próximo.

Grandes clubes brasileiros também olham com carinho para Claudinho, apesar dos altos valores envolvidos. Renato Gaúcho, técnico do Grêmio, chegou a abordá-lo após o jogo entre os dois times dizendo que indicaria sua contratação para a diretoria. Isso além das torcidas de Santos e Corinthians, saudosas, e do Flamengo, sempre de olho nos grandes destaques do país.

"Olha, o sonho de todo jogador é jogar no time que você tem carinho, essas coisas. O meu não é diferente. Mas de verdade, agora não penso nisso, porque estou muito feliz aqui, muito adaptado, me sinto em casa, a torcida aqui [Red Bull Bragantino] me apoia bastante, não tenho do que reclamar, o que falar para eu sair. Também é sonho de todo jogador estar na Europa e se tiver oportunidade e for bom para os dois lados, para mim e para o Red Bull Bragantino, vai acontecer na melhor hora."

Ele também não respondeu qual é o tal time que ele "tem carinho" ou se já vestiu a camisa desse tal time: "Deixa passar essa, melhor (risos)."

Ari Ferreira

Da mudança de status até a fama

Entre a estreia profissional pelo Corinthians e o sucesso atual no Red Bull Bragantino existe todo um período de dúvidas na carreira do artilheiro do Brasileirão. E é justamente numa idade definitiva na formação de jogadores que vários desistem.

Em 2018, aos 21 anos, ele jogou uma Série B pelo Oeste, mas foi dispensado antes do fim do ano porque pouco jogava. Voltou para o Red Bull Brasil, que jogaria a Copa Paulista, uma competição com bem menos visibilidade. Mas foi ali que ele viu a última chance: "Lembro de uma conversa com meu pai, eu falei para ele: 'ah, pai, é agora, eu tenho que fazer de tudo para virar, porque não tem como. Eu sou muito novo, acabei rodando um pouco já e não posso mais ficar nessa rodagem, senão daqui a pouco desacreditam de mim'."

Claudinho fez uma boa Copa Paulista em 2018. No ano seguinte também agradou no Paulistão. Daí a Red Bull firmou parceria com o Bragantino e essa fusão foi campeã da Série B do Brasileirão com Claudinho entre os destaques. E em 2020/2021, a consagração, os elogios e a badalação do nome no mercado.

Eu sou um cara muito tranquilo, cabeça, família. Recebo o carinho e sei o momento certo de responder alguns fãs, algumas mensagens, mas tento não ficar entrando em polêmica, porque qualquer coisinha que você vá falar na internet às vezes vira uma polêmica. Mas vejo muitos comentários de 'volta para o Santos', 'volta para o Corinthians', 'vem para o Flamengo', 'vem para o Grêmio'. Fico feliz por me pedirem nos times, mas estou muito feliz aqui. Quero poder um dia ser um ídolo aqui."

O gol contra o Corinthians

Claudinho fala sobre:

Ari Ferreira

Barbieri

"O diferencial dele é a seriedade, a verdade no trabalho. É um cara que consegue levar o grupo, então quando um treinador tem o time na mão, o time vai para frente. Não é à toa que estamos evoluindo no campeonato. Que possamos continuar ouvindo o Maurício e toda a comissão e trabalhando para almejar coisas grandes."

Ari Ferreira

Ser capitão

"É uma responsabilidade, mas eu fico bem tranquilo. Na minha vida inteira tive responsabilidade, desde novo. Então uma responsabilidade a mais, uma a menos, não iria pesar na minha cabeça, no meu estilo de jogar. Pelo contrário, eu fico muito feliz de ser um líder, de estar ajudando companheiros e espero continuar assim."

Ari Ferreira

Chutes de fora

"Eu quero fazer gols de todos os jeitos (risos). Mas essa é uma coisa, de verdade, não é por nada, mas que eu sempre tive facilidade de bater na bola. É natural, não treino muito, 'ah, vou pegar aqui para ficar treinando chute de longe', não. Às vezes eu pego para aprimorar, mas é natural, sempre tive essa vantagem, sabe?".

Ari Ferreira

Cabelo é amuleto

Na base, nos primeiros jogos como profissional e no período em que rodou para tentar se firmar, Claudinho usava o cabelo baixo, raspado. Desde que apareceu na Série B de 2019 o visual já era diferente, com o cabelo black num estilo conhecido como "nudred". Será o segredo da boa fase?

"Olha, eu não sou um cara... como que fala? Supersticioso. Eu não sou um cara assim. Mas depois que eu comecei a fazer gol eu não vou mudar, não (risos). Vou deixar assim mesmo. Está dando certo não mexe."

Para quem quiser copiar e empilhar gols na elite do futebol nacional, ele passa a visão: "Caraca, todo mundo fala, geral pergunta do meu cabelo. Eu não passo nada, meu cabelo é ruim natural mesmo. Xampu, condicionador, creme de pentear e já era."

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