Cheio de manias

Cleber Machado confidencia defeitos e conta detalhes do dia em que foi desligado da Globo após 35 anos

Beatriz Cesarini e Talyta Vespa Do UOL, em São Paulo Edu Moraes/Record TV

O desjejum de Cleber Machado tem meia banana, uma pequena maçã, quatro uvas verdes e quatro rosadas, um damasco, uma ameixa desidratada e uma lasca de queijo. O café é na caneca dos Beatles - claro. A refeição resume bem a personalidade do narrador: direto e reto, um tanto quanto bem-humorado (ou não) e cheio de manias.

Cleber não é muito fã do almoço, mas aprecia o jantar. Por ele, faria o banquete noturno fora de casa frequentemente. O comunicador, também, curte sair para o boteco com os amigos, mas ultimamente freou o ímpeto dos convites porque fica enjoado quando escuta recusas e desculpas esfarrapadas.

Outra coisa que o deixa incomodado é abrir embalagens tipo aquelas de iogurte ou sachês de ketchup. É um defeito que Cleber decidiu confidenciar à reportagem. Isso o deixa chateado tanto quanto errar uma informação aos telespectadores e ler críticas duras nas redes sociais.

Cleber entrou no estúdio do UOL e conversou com a reportagem por quase duas horas. O narrador falou sobre as manias, contou como superou a saída da Globo no bar, evidenciou o sonho de trabalhar novamente com música e brilhou os olhos ao mencionar a família. No fim, saiu pela mesmíssima porta que entrou, inspirado em Roberto Carlos, que cultivou o hábito para não escapar de seu anjo da guarda.

Edu Moraes/Record TV

O bom humor é uma das qualidades de Cleber, segundo ele, porém é mal compreendido. Tem gente que confunde com rabugice ou sarcasmo, mas o narrador garante que é uma pessoa simpática e entusiasmada na maioria dos momentos.

"Eu acho que eu tenho um bom humor, que algumas pessoas consideram um mau humor, outras veem como um humor diferente. Acho que, de vez em quando, eu sou meio irônico nas coisas que eu falo, mas sacana eu não sou, acho que eu sou mais legal. Eu até gosto de mim", falou Cleber aos risos.

O narrador também se considera absolutamente sincero — às vezes até demais. Se quer dar um conselho ou apontar algo que o incomodou, Cleber não pensa duas vezes em chegar diretamente na pessoa, esclarecer e deixar tudo resolvido no mesmo dia. O mesmo vale para os chefes que passaram pela sua vida.

"Eu sempre pergunto para superiores hierárquicos: 'Vem cá, você está chegando agora, é o chefe e tal? Para você, todo mundo tem que responder sim, senhor, ou pode conversar?'. Se ele responde que gosta que troque ideia, então eu vou fazer", comentou.

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'Não saí da Globo e fui para casa chorar'

Com a mesma franqueza, Cleber pediu uma reunião aos antigos superiores do grupo Globo antes da Copa do Mundo de 2022 para perguntar se ele permaneceria na emissora no ano seguinte. A resposta foi positiva, mas não foi isso que aconteceu. Ele foi desligado no fim de março.

"E eu sempre acredito nas pessoas. Até provar o contrário. Eu não posso perguntar uma coisa, você me responder e eu falar que é mentira", disse o comunicador.

Cleber percebeu o clima estranho perto de seu adeus no lugar que trabalhou por 35 anos e tentou argumentar com a chefia. Disse que se o problema fosse dinheiro, tudo bem, poderia diminuir o valor do salário no próximo contrato. Não teve jeito, mas o momento não entristeceu o narrador. Ele foi para o bar com companheiros que não poderiam recusar tal chamado.

"Eu não saí de lá e fui para casa chorar. Eu fui direto para um boteco encontrar os amigos. Eu não abri o meu armário, olhei o uniforme e comecei a chorar. Pelo contrário. Não chorei uma lágrima", disse.

Eu tenho minha consciência muito tranquila de que eu trabalhei direito. Entre erros e acertos, o meu placar é mais positivo do que negativo. De um jeito ou de outro, eu marquei para essa história aí de narração de esporte"

Cleber Machado

Mal ou bem, os caras gostando ou não, acredito que quando falam o meu nome, ninguém vai perguntar: 'Quem é esse?'. A pessoa vai falar 'isso é uma merda' ou 'isso é bom', mas vai me conhecer, saber o que eu fiz"

Cleber Machado

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Péssimo em cozinhar e... em abrir embalagens

De narração, Cleber Machado entende sem sombra de dúvidas. São mais de três décadas descrevendo e transmitindo esportes. E quando o assunto é cozinha, ele continua sendo um ótimo narrador. Cleber não leva o menor jeito com as panelas e chegou a se queimar fazendo um macarrão instantâneo.

"A hora que eu tirei a tigela lá do microondas, virou água em mim. Mas, também, fui pegar com uma mão só e o negócio caiu tudo na minha mão. Se queimar com macarrão instantâneo não dá, né? Às vezes sai um ovo bom, às vezes sai um ovo péssimo, então eu nem me arrisco", falou Cleber.

A falta de habilidade na cozinha é uma questão superada por Cleber. Ele não consegue se conformar, na verdade, com um defeito específico que confidenciou à reportagem: abrir embalagens. Sabe aquelas que cobrem iogurtes e manteigas ou então os sachezinhos de molhos? Tão inofensivos para alguns, eles são o terror do narrador.

"Quando eu for, sei lá, presidente do mundo, eu vou mudar completamente as embalagem. Eu não consigo abrir nenhuma. Tirar aquela cobertura do copo de requeijão? Corto a mão e não sai. Fora que eu não quero deixar nenhum pedacinho do papel alumínio. E ninguém sabe disso, nem a família. É uma frustração minha", contou Cleber aos risos.

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'Me faz de trouxa, mas não acha que eu não sei'

A sinceridade de Cleber também exala quando o narrador percebe que está sendo enganado. Para o clima chato não perdurar, ele não perde tempo e chama a pessoa para um papo.

"Um monte de vezes na vida a gente é feito de trouxa, né? Eu só falo assim: Oh, me faz de trouxa, mas não acha que eu não sei que você está me fazendo de trouxa'. Pô, já está claro, né? E aí não tem como continuar com isso", contou o narrador.

É de um jeito parecido que ele resolve os desentendimentos. Odeia deixar os problemas inacabados ou mal resolvidos e jamais pede por intermediários. É olho no olho.

"Prefiro resolver uma discussão na hora. Eu prefiro não deixar a ponta solta, porque aí cresce e piora. Tem uma coisa que me deixa louco? Se você vai falar de alguma coisa que tem a ver comigo, fala comigo. Ou pelo menos que eu esteja junto. Se eu tiver que dar uma bronca na minha filha, eu vou dar uma bronca nela para ela, não vou ficar pedindo para a mãe dela falar. Eu sou assim, me considero bem transparente", destacou.

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Os erros que o enjoam

Errar é humano, todo mundo diz isso. Mas quando a falha acontece ao vivo, em uma televisão, com milhares de telespectadores, vira imperdoável na maioria das vezes. Cleber admitiu pequenos equívocos, mas não gosta da cobrança exagerada de torcedores que também estão sujeitos a deslizes. A diferença é que eles podem falar qualquer baboseira, porque estão sentados em frente a uma tela, no sofá de casa.

Cleber também não vê problemas em assumir erros sérios, se desculpar e corrigir quando ainda há tempo. O narrador fica derrubado nos momentos em que transmite uma informação errada ao público.

"Ninguém gosta de errar. Acreditem ou não, tem coisas que eu erro e nem percebi que eu errei. Ah, eu estou certo? Claro que não, é errado. Mas depende do erro, da cobrança. Quando troco o nome de um jogador — que algumas pessoas falam que eu faço muito e é mentira - e percebo, eu digo: 'Porra, eu errei.'", disse.

"Eu fico enjoado mesmo quando erro uma informação ou me equivoco em uma avaliação de algo que está acontecendo, quando não consigo perceber alguma coisa que pode ajudar na transmissão. Ou até uma gafe, quando perguntei ao Péricles Chamusca sobre o 'apelido', mas na verdade Chamusca é sobrenome. Esses são os erros mais chatos", acrescentou.

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Cleber e suas reflexões

Muito se fala que Cleber Machado embarca em reflexões durante as transmissões ou programas, ponderando os lados e chegando (ou não) em uma conclusão. Tal atitude rendeu a alcunha de filósofo, mas o narrador não tem certeza se enxerga dessa maneira.

"Isso é conversa mole", brincou Cleber. "Claro que eu devo fazer, mas são opiniões minhas. Eu acho muito pobre eu estar fazendo um jogo e, de repente, chamo um comentarista simplesmente de forma seca, sem uma espécie de gancho. Pô, eu também estou assistindo à partida", comentou o narrador.

"Mas esse negócio de reflexão é meio folclore, né? De vez em quando eu devo fazer mesmo. Acho que nenhum evento que eu vou transmitir tenha que ficar preso num esqueleto. Quando vou fazer Copa do Mundo, por exemplo, eu tento pesquisar histórias do país. Se é a Holanda, eu vou explicar por que tem muitos moinhos de vento ou de onde veio Países Baixos", explicou Cleber.

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Fora distante, mas dentro cheio de emoções

Alguns familiares devem tachar como distante. Cleber crê nessa ideia, porque não é de fazer muitos telefonemas ou demonstrações extremas de carinho. Mas ele não esconde sua admiração aos seus e enche o peito para falar que é o preferido de uma das tias.

Cleber perdeu o pai — que também era comunicador — aos 9 anos. A mãe ficou viúva aos 29 e fez o possível e o impossível para criar os dois filhos. "Minha mãe trabalhava num salão de beleza, e depois que perdeu o marido ia fazer faculdade? Trabalhar onde? Então ela foi tocando com a pensão, com o aluguel que ganhava, e acho que formou dois caras direitos. Nenhum de nós fez muita bobagem na vida ou deixou ela triste por alguma razão, a não ser por uma resposta feia", comentou Cleber.

Da mesma maneira, Cleber descreve sua relação com a esposa Mônica e a filha Elisa, de 24 anos. O narrador gosta de ter conversas francas com sua menina, e também gosta de ouvir as opiniões dela.

"Eu e Mônica somos super parceiros. De vez em quando a gente não se fala, de vez em quando a gente briga, de vez em quando a gente não se quer, de vez em quando a gente se quer. Eu estou falando de vinte e tantos anos. Acho que dá para falar que eu sou o cara da vida dela e ela é da minha, com os seus tropeços, com as estradas esburacadas e as estradas bem lisinhas", comentou.

O meu time de músicos é João Gilberto, Milton Nascimento, Erasmo Carlos, Tim Maia e Jorge Ben. No meio de campo, Tom Jobim, Caetano e Roberto Carlos. E o ataque, Gil, Chico e Noel. Técnico, Vinícius de Moraes. E tem outros times aí que poderia montar"

Cleber Machado

Cleber quer reencontrar a música no seu futuro

Para Cleber, a música é tudo, é a síntese das sete artes. Seu disco preferido da vida é "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", o oitavo álbum de estúdio da banda britânica The Beatles. Mas foi difícil optar por apenas um, porque o narrador também é muito fã de Chico Buarque, Roberto Carlos, Lulu Santos, Skank... E por aí vai.

Há quem diga que Cleber tem uma sensibilidade diferenciada para a música e foi responsável pelo sucesso de uma canção de Agepê, quando tinha acabado de começar na área artística da Rádio Globo.

"Saiu o disco do Agepê e o Benê — que até hoje é divulgador da Som Livre — falou sobre a necessidade de vender esse disco. Ele mostrou uma música, mas eu falei: 'Essa aí que você mostrou eu não gostei, mas curti outra'. Era Deixa Eu Te Amar. A música fez um puta sucesso", contou.

Após mais de três décadas de carreira, Cleber ainda tem um sonho: trabalhar em um programa que une cultura, esporte e, claro, a música.

"Imaginou uma atração com Rogério Ceni e o Gilberto Gil? E aí, na outra semana, vai ser o Raphael Veiga e o Caetano Veloso, sei lá. Eu adoraria saber o que que o Antônio Fagundes acha da política e o que que o Bruninho, do vôlei, pensa da economia, do mundo. Queria uma coisa mais plural, cruzando um assunto com outro, sem abandonar a óbvia identificação que eu tenho com esporte, mas fazer alguma coisa diferente", confidenciou Cleber.

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