Tradição abandonada

Clube de Regatas Guará, que revelou Lúcio, fechou as portas por dívidas e tem estádio em ruínas

Marinho Saldanha Do UOL, em Brasília (DF) Bruno Domingos/Mowa Press

Um clube tradicional, o mais antigo do Distrito Federal, logo após o título estadual, encarou o Inter na Copa do Brasil em fevereiro de 1997. Até tentou se reforçar com jogadores da região, mas levou um sonoro 7 a 0. Esta é a história breve da última aparição nacional do Clube de Regatas Guará. Por mais curioso que possa parecer, os gaúchos, impiedosos na vitória, se interessaram e contrataram um zagueiro da vazada defesa daquele rival: Lucimar, que logo em seguida viraria Lúcio.

Um dos lados do restante da história é bem conhecido. Lúcio foi Campeão da Copa São Paulo pelo Inter, subiu ao principal ainda jovem, virou capitão do time, brilhou muito até ser vendido ao Bayer Leverkusen, da Alemanha. Seguiu trajetória de sucesso na Europa, passando por Bayern de Munique, Inter de Milão, Juventus, entre outros.

Pela seleção, Lúcio também foi capitão, participou de três Copas do Mundo, conquistando o título em 2002. Jogou quatro Copas das Confederações, conquistando duas, disputou Jogos Olímpicos e Copa América. Pelos clubes, ganhou Liga dos Campeões, três vezes o Campeonato Alemão, Campeonato Italiano, Mundial de Clubes, entre outros títulos relevantes. Esteve na seleção da Fifa dos melhores jogadores do mundo.

Sobre o outro lado, entretanto, pouco se sabe. O Guará, clube que revelou Lúcio, viveu no anonimato. E é esta história que o UOL Esporte conta para você.

Bruno Domingos/Mowa Press

A carreira de Lúcio após o Guará

  • Inter (1997 - 2000)

    Lúcio chegou ao Inter em 1997. No ano seguinte, foi campeão da Copa São Paulo e logo subiu ao elenco principal. Foi capitão do time e grande destaque ano após ano.

    Imagem: Marinho Saldanha/UOL
  • Bayer Leverkusen (2001 - 2004)

    Lúcio disputou sua primeira final de Liga dos Campeões. Perdeu, mas fez um gol. Ainda foi melhor jogador do Campeonato Alemão na temporada 2001/2002.

    Imagem: Pressefoto Ulmer\ullstein bild via Getty Images
  • Bayern de Munich (2004 - 2009)

    Pelo Bayern, Lúcio conquistou três vezes o Campeonato Alemão, três vezes a Copa da Alemanha e mais duas vezes a Copa da Liga Alemã.

    Imagem: Christian Fischer/Bongarts/Getty Images
  • Inter de Milão (2009 - 2012)

    Na Inter, Lúcio conquistou a Tríplice Coroa (Liga dos Campeões, Italiano e Copa da Itália) na temporada 2009/2010. Ainda conquistou o Mundial de Clubes, outra Copa da Itália e uma Supercopa da Itália.

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  • Juventus (2012 - 2013)

    Na Juventus a passagem não foi tão boa. Lúcio conquistou a Supercopa da Itália e negociou transferência para o São Paulo em 2013.

    Imagem: Marco Luzzani/Getty Images
  • São Paulo (2013)

    A passagem pelo São Paulo também não revigorou o zagueiro. Repleto de polêmicas ele chegou a ser afastado do time e foi para o Palmeiras no ano seguinte.

    Imagem: Ricardo Bufolin/LatinContent/Getty Images
  • Palmeiras (2014)

    No Palmeiras o quadro foi semelhante. Sem atuar com regularidade, Lúcio deixou o clube em maio de 2015.

    Imagem: Friedemann Vogel/Getty Images
  • Goa FC (2015 - 2016)

    O futebol da Índia surgiu como oportunidade para Lúcio já no fim de sua carreira. Lá foi treinado por Zico e conheceu uma realidade esportiva diferente.

    Imagem: ISL/Divulgação
  • Gama (2018)

    Depois de um tempo afastado dos gramados, Lúcio voltou a atuar disputando o Estadual de 2018 pelo Gama.

    Imagem: Divulgação
  • Brasiliense (2018 - 2019)

    Lúcio jogou no Brasiliense até 2019, quando deixou o clube. No início de 2020 anunciou a aposentadoria, prestes a completar 42 anos.

    Imagem: Ricardo Ribeiro/UniCEUB
Marinho Saldanha/UOL

Mais antigo do Distrito Federal fechou as portas por dívidas

O Clube de Regatas Guará foi o clube mais antigo do Distrito Federal. Fundado em 9 de janeiro de 1957, a equipe participou do jogo considerado primeira partida oficial depois da inauguração de Brasília, contra o Esporte Clube Ribeiro, em 1960.

O Lobo da Colina, como foi conhecido, foi campeão brasiliense de 1996, e oito vezes vice-campeão. Disputou a segunda divisão do Brasileiro e também a Copa do Brasil, mas viveu duros momentos no fim de sua existência.

A decadência data do início dos anos 2000. Depois de algumas temporadas ruins, o clube foi rebaixado para segunda divisão brasiliense em 2006. Por duas temporadas, não conseguiu subir. Em 2009 e 2010 esteve licenciado, sem atividades. Em 2011 voltou a ativa, arrendado por um grupo de empresários. Sem sucesso, voltou a fechar em 2016. Após três temporadas (2017, 2018 e 2019) sem participar de competições oficiais, o clube fechou as portas oficialmente no fim de 2019.

O motivo do fim do Clube de Regatas Guará está nas dívidas. Impostos, ações trabalhistas, tributos, aluguéis. O acúmulo de problemas impediu a continuidade das atividades. Em 2019 não havia direção empossada ou nem mesmo interessados em assumir. Nem dos empresários vieram ofertas para arrendamento do clube. A melancolia tomou o estádio do CAVE, que hoje sofre ainda mais.

Reprodução/Facebook

Quem responde pelo clube?

O último presidente do Guará foi Márcio Antônio da Silva, o Marcinho. A reportagem do UOL Esporte conseguiu contato com ele que, em rápidas palavras, se esquivou de detalhes sobre o Guará.

"Não é só o Guará, são vários clubes no Brasil endividados. Em Brasília a gente não tem apoio", disse por telefone. Em seguida, Marcinho alegou que estava em viagem e pediu que o contato fosse retomado no dia seguinte. Depois, não atendeu mais as ligações.

"Não estou na presidência do Conselho Deliberativo do Clube de Regatas porque quero, porque se dependesse somente da minha vontade eu já teria entregado tudo a quem quisesse", disse Marcinho ao Jornal do Guará, em 2019.

Presidente do clube entre 1988 e 1991, e gerente de futebol em diversas oportunidades, Wander Abdala entende que o Guará fechou suas portas por falta de capacidade administrativa e interesses pessoais.

"Por falta de capacidade de administração, de interesse coletivo, de interesse do próprio clube, a maioria tinha interesses pessoais, tentava conseguir algum benefício próprio. Vários queriam ser políticos ou outra coisa. Para o futebol, poucas pessoas trabalharam pelo Guará", afirmou.

Por que fechou?

Não posso entregar o clube na situação em que ele está sem que tudo esteja resolvido, porque vai sobrar pra mim, como, aliás, já está sobrando. Existem várias execuções judiciais que repondo por elas e outros não vão ter o mesmo empenho em me defender

Márcio Antônio da Silva, o Marcinho, Último presidente do Guará em entrevista ao Jornal do Guará

O clube fechou por falta de interesse, falta de capacidade, é muito triste. A maioria tinha interesses pessoais, tentava conseguir algum benefício próprio. Vários queriam ser políticos ou outra coisa. Para o futebol, poucas pessoas trabalharam pelo Guará

Wander Abdala, Ex-presidente do Guará

Marinho Saldanha/UOL

Lúcio ficou pouco e não rendeu nada ao Guará

Lúcio disputou poucas partidas pelo Guará. Quando jovem, passou pelos times de base do Gama e do Planaltina. Mas, como o título do Estadual colocou o clube de Brasília na Copa do Brasil, em um confronto que seria importante na história, ele foi contratado por empréstimo em parceria com o empresário que era dono de seu "passe" na época: Wagner Marques.

Contra o Inter, atuou improvisado como lateral direito e viu sua defesa falhar repetidas vezes. O placar de 7 a 0 não impediu, porém, o então técnico colorado, Celso Roth, de observar qualidades no defensor e pedir sua contratação, que ocorreu semanas depois, por R$ 300 mil.

O valor, no entanto, não saiu dos cofres do Inter ou mesmo foi para os do Guará. O comprador também foi um investidor: Waldir Silveira. Ele pagou o valor ao investidor antigo, levou Lúcio para Porto Alegre e cedeu ao Inter 50% dos direitos do atleta pela "vitrine".

Lúcio foi vendido para o Leverkusen em dezembro de 2000 por 9,2 milhões de dólares. O Colorado levou sua fatia, que hoje corresponderia a R$ 23,3 milhões.

Reprodução/Instagram

Fim de parceria impediu lucro com atletas conhecidos

O Clube de Regatas Guará foi abastecido por 31 anos por uma escolinha situada logo em frente ao estádio do CAVE. Hoje a formação responde por Escola de Futebol Guaraense e não tem ligação ao clube desde os anos 1990.

O time foi fundado por Carlos Morales e Wander Abdala. O plano inicial era manter a escolinha com o dinheiro das mensalidades e abastecer o Guará de jogadores. Porém, a direção do clube queria receber 50% dos valores de mensalidade, forçando o rompimento.

Hoje quem comanda o local é Beto Morales, filho de Carlos, que contou ao UOL Esporte que uma série de jogadores importantes passaram por ali como Marcos Júnior e Reinier. Todos eles poderiam ter rendido dinheiro ao Guará, se a parceria ainda existisse, mas nenhum deles chegou a passar de fato pelo Guará.

Quem poderia ter gerado lucro ao Guará com parceria

  • Reinier

    Reinier passou pela Escola de Futebol Guaraense com oito anos de idade, antes de ir para o Flamengo. Hoje ele joga no Borussia Dortmund, da Alemanha.

    Imagem: Marius Becker/AFP
  • Leandro

    Leandro jogou no Guaraense antes de ir para base do Gama. Em seguida foi para o Grêmio, Palmeiras, e atualmente joga no FC Tokyo, do Japão.

    Imagem: Takuya Kaneko/Soccer Digest
  • Marcos Júnior

    Marcos Júnior também passou pela escolinha que tinha parceria com o Guará, antes de ir para o Fluminense.

    Imagem: Lucas Merçon/Fluminense FC
  • Edigar Junio

    Antes de ir para base do Athletico Paranaense, Edigar Junio também passou pela escolinha. Hoje ele atua no V-Varen Nagasaki, do Japão.

    Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF
Marinho Saldanha/UOL

Estádio que poderia ser usado na Copa de 2014 está em ruínas

O Guará mandava seus jogos no Estádio Antônio Otoni Filho, conhecido como Estádio do CAVE (Sigla para Centro Administrativo Vivencial e Esporte). O complexo é responsabilidade da administração da cidade-satélite do Guará e do Governo do Distrito Federal. E está completamente abandonado.

O silêncio nos arredores é interrompido apenas pelos pássaros que cantam nas árvores que rodeiam a mureta deteriorada. Pichações escondem o que já foi bilheteria. A tribuna de imprensa está totalmente destruída. Dentro, só funciona um banheiro acanhado que socorre um único segurança. Na verdade cinco, pois ele é acompanhado por quatro cachorros. "Meu alarme", contou ao UOL Esporte.

O campo ainda está lá, mesmo que sem traves. A qualidade aparente da grama disfarça o desuso. As arquibancadas tomadas de mato e as laterais cobertas por lixo ilustram melhor o abandono. O piso do campo de jogo foi trocado no projeto de reforma para Copa do Mundo de 2014, que não andou.

O estádio era um dos locais selecionados no Distrito Federal para treinamentos de seleções e chegou a passar por um início de reforma, cujos pilares são evidentes atrás do local que seria de uma das traves, hoje substituídas por traves de futebol americano - o local é utilizado para treinamentos de times da região.

Por falta de pagamento, a empresa responsável pela obra parou a reforma antes da conclusão e o caso foi parar na Justiça. Resultado: o estádio está em ruínas, interditado e abandonado até hoje.

Marinho Saldanha/UOL

Novo clube tenta utilizar estádio e mira reforma

Há uma luz no fim do túnel para o gramado que revelou Lúcio. O Capital, clube de Brasília, pretende assumir todo complexo, que além do estádio conta com uma praça e outro espaço esportivo. Para tanto, espera que a Secretaria de Esportes do Governo do Distrito Federal publique os termos de concessão para apresentar uma proposta e assumir o local, fazendo as reformas necessárias para uso.

O prazo para isso era o ano passado, mas foi prorrogado em razão dos reflexos da pandemia de novo coronavírus.

"O Capital foi inicialmente fundado no Guará, hoje nossa sede administrativa está na Asa Sul, mas temos interesse em revitalizar o espaço, sim", disse o presidente do clube, Godofredo Gonçalves. "Quanto mais o tempo passa, mais tudo se deteriora", completou.

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