Mais Pelé que Maradona

No final de sua carreira, trajetória de Messi se aproxima mais do Rei brasileiro que do Díos argentino

Thiago Arantes Colunista do UOL, em Barcelona (Espanha) Divulgação/x/Ballon D'Or

Quando Lionel Messi recebeu o troféu da Bola de Ouro pela oitava vez na carreira, na segunda-feira (30), em Paris, havia algo de diferente no ar. Ao contrário das sete vezes anteriores em que o argentino levou o prêmio, havia uma pergunta nos olhos de quem assistia à cerimônia no Théâtre du Châtelet, em Paris: será que foi a última?

O número 8 girando em 90 graus e se transformando em um símbolo com a frase "Messi é infinito" deu o tom de uma celebração que foi, mais do que um prêmio anual, o reconhecimento da vida e obra de Messi. Uma homenagem ao legado do maior vencedor da Bola de Ouro, o único a superar Pelé no prêmio.

Aos 36 anos, campeão do mundo pela Argentina, recordista de títulos da história do esporte e considerado por cada vez mais gente o melhor de todos os tempos, Messi já deu o primeiro passo: em junho deste ano, decidiu se desconectar do altíssimo nível de competitividade do futebol europeu, onde desfilou talento durante quase duas décadas.

O Leo de 2023 é um jogador fora de série que optou por diminuir o ritmo da própria vida em nome da família e de um projeto de vida nos Estados Unidos. No processo, brindou o Inter Miami com o título da Leagues Cup, encheu estádios, mudou comercialmente a MLS e colocou a liga norte-americana no mapa dos vencedores da Bola de Ouro, algo que nenhum clube brasileiro, argentino ou de qualquer país não-europeu havia conseguido.

Mas a pergunta que fica é: até quando o futebol terá Messi para chamar de seu? Nem mesmo ele sabe a resposta.

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"Já não tenho muito mais tempo. O que tenho que fazer agora é aproveitar o futebol. Não posso falar um número, porque o futebol muda muito. Espero ainda ter muito tempo, porque é o que sei fazer e o que mais gosto de fazer", disse Messi, com seu oitavo troféu da Bola de Ouro nas mãos."

Messi, ao lado dos filhos Thiago, Mateo e Ciro. Quando o argentino ganhou o prêmio pela primeira vez, em 2009, nenhum deles havia nascido.

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Nos passos de Pelé

A maior referência futebolística de Messi sempre foi Diego Maradona, e isso ficou claro — mais uma vez — no discurso após a conquista da oitava Bola de Ouro. "Quero fazer uma menção especial a Diego. Hoje é seu aniversário e acho que não há lugar melhor para dar os parabéns para ele".

Só que, pela forma como vai desenhando a reta final de sua carreira, Messi aproxima-se mais de Pelé. Assim como o ídolo brasileiro, ele conquistou os Estados Unidos com uma bola nos pés e começou a investir, ainda durante a carreira, na construção de uma marca para quando parar de jogar.

Um exemplo é a "Messi Experience. A Dream Come True" (em português: "Experiência Messi: Um sonho que virou realidade), um espaço interativo multimídia sobre a vida do jogador, desde a infância em Rosário. A "Messi Experience" fará uma turnê mundial, com início em Miami, em abril de 2024.

Desde 2019, o premiado Cirque du Soleil tem um espetáculo temático sobre o jogador, Messi10, inspirado na vida do argentino. Desde sua criação, o evento já passou por Barcelona, Doha, Riad e Buenos Aires.

Messi ainda não sabe quando vai sair dos campos para descansar apenas no imaginário dos fãs, nas imagens, e na cultura pop. Mas a transição de um jogador para um personagem de sua própria arte já começou.

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Próxima parada: Copa América

Em um cenário inédito desde que ganhou o prêmio pela primeira vez, Messi terá tempo para saborear a conquista sem pensar em jogar nos dias seguintes. Como o Inter Miami ficou fora dos playoffs da MLS, o argentino teoricamente está de férias - a volta dos jogos oficiais do clube é só em 2024.

Só que nem Messi, nem David Beckham, um dos sócios Inter Miami, querem isso. O time fará amistosos em uma espécie de turnê mundial para aproveitar o apelo comercial do craque argentino nos próximos meses. A excursão começa nesta semana na China, com dois amistosos.

Além das partidas pelo Inter Miami, há os compromissos com a seleção da Argentina. Messi ainda está nos planos do técnico Lionel Scaloni, e tem participado do início das Eliminatórias da Copa de 2026. Ele participou de três dos quatro primeiros jogos, dois deles como titular, e marcou três gols.

Pessoas próximas ao jogador afirmam que ele ainda não sabe se participará da Copa do Mundo de 2026, e que só deve tomar uma decisão quando o torneio estiver mais próximo. Antes, há um objetivo mais claro: a Copa América de 2024, que será disputada nos Estados Unidos.

Embora ainda não diga oficialmente, Messi tem a intenção de disputar o torneio. Esse é um dos motivos pelos quais ele sente a necessidade de estar em ritmo de jogo, e ficou incomodado com a perspectiva de estar meses sem jogar após o fim da temporada regular da MLS.

Outro motivo, além do esportivo, é comercial: Messi agora é uma estrela nos Estados Unidos, e será o principal rosto da competição, que acontecerá entre 20 de junho e 14 de julho.

ALEJANDRO PAGNI / AFP ALEJANDRO PAGNI / AFP

A dúvida sobre a Copa do Mundo

A cena de Messi nos braços da torcida, com a Copa do Mundo nas mãos, parecia o desfecho ideal para a carreira do jogador mais vitorioso do futebol moderno. Nas primeiras entrevistas após o título, o camisa 10 dizia que aquele era o fim da linha, e que sua história no maior torneio do esporte havia se encerrado.

Quase um ano depois, o cenário apresenta novas nuances, que podem mudar o destino do único atleta a conquistar oito vezes a Bola de Ouro.

"Eu vejo Messi com chances e com um possível desejo de jogar a Copa do Mundo de 2026. Ele nunca teve lesões graves e está bem fisicamente. Seria um grande negócio para a organização do torneio, para a Fifa e para Messi", afirma Sebastian Fest, autor de dois livros sobre o camisa 10 — o último deles, "Messiânico", publicado depois da Copa-22.

"Eu sempre pensei que Messi iria para os Estados Unidos um ano antes da Copa de 2026. Mas ele foi três anos antes. Então, na época da Copa, ele vai estar muito envolvido no mercado norte-americano. É difícil que, com todo esse envolvimento, ele opte por não jogar", acrescenta Fest.

Outro argumento constante em favor da participação de Messi em uma sexta Copa do Mundo é técnico. Apesar das críticas ao nível técnico da MLS, o desempenho dele pela seleção não se alterou. Em todos os jogos de Eliminatórias que disputou até agora, o camisa 10 foi decisivo, e a Argentina é a única seleção com 100% de aproveitamento após quatro rodadas na América do Sul.

Ernesto Benavides/AFP Messi marca contra o Peru, pelas Eliminatórias

Messi marca contra o Peru, pelas Eliminatórias

Marcelo Endelli/Getty ImagesMarcelo Endelli/Getty Images

Uma vida sem Messi

O futuro de Messi tem um impacto direto e imediato no futuro da seleção campeã do mundo. Como a Argentina se prepara para dar adeus a seu principal jogador deste século? Existe uma forma de fazer uma transição menos traumática para o pós-Messi? Com a palavra, Bruno Gonzalez, jornalista e apresentador do podcast "Selección Argentina".

"Há uma parte humana e uma parte futebolística no adeus de Messi. Há sinais lógicos de que ele começa a se despedir: depois do primeiro jogo das Eliminatórias, contra o Equador, ele falou que agora veremos mais partidas em que ele não jogará os 90 minutos.

Pensar nisso ainda é difícil para os argentinos, porque não estamos vendo indícios de que ele tenha que parar. Só que ele mesmo parece estar começando a pensar nisso. De um ponto de vista humano, vemos que Messi considera essa geração da seleção argentina como a que verá a sua despedida.

É verdade que os amigos de Messi são os jogadores da geração anterior: Mascherano, Gago, Aguero, Higuain. Mas também vemos que ele adotou os mais jovens como uma parte de sua vida: hoje ele vai para a seleção para ser feliz, principalmente depois do título mundial. Agora, ele joga para poder viver essa sensação de ser campeão do mundo.

Em termos futebolísticos, não há um treinador melhor que Scaloni para fazer essa transição. Por quê? Porque nenhuma seleção jogou tão bem sem Messi como a atual. Mesmo quando ele não joga, o time está bem, e isso outros treinadores, como Coco Basile ou Tata Martino, jamais conseguiram.

Imagino que a Argentina sem Messi mudará a forma de jogar: deixará de ter um "enganche" como ele. A vaga ficaria com Julián Álvarez, que jogaria por trás do atacante, que poderia ser Lautaro Martínez.

Acho que estamos mais preparados desde um ponto de vista futebolístico que no lado humano. Porque o time tem jogado bem sem ele. Só que ainda não consigo imaginar o dia que sair uma convocação da seleção argentina e não vermos o nome de Lionel Messi. A sensação será de vazio."

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O astro que eclipsou craques

O provável fim do ciclo de Messi nas premiações da Bola de Ouro convida a uma reflexão: quantos jogadores históricos e importantes terminaram suas carreiras sem o prêmio da France Football por causa da qualidade excepcional do argentino e de Cristiano Ronaldo?

Juntos, os dois conquistaram o prêmio 13 vezes entre 2008 e 2023 (não houve a edição de 2020, por causa da pandemia de covid-19). No período, apenas Luka Modric (2018) e Karim Benzema (2021) conseguiram "furar a bolha" e vencer a dupla.

A "Era Messi x Cristiano", que pode ter se encerrado na segunda-feira, impediu que Xavi Hernández e Andrés Iniesta conquistassem um prêmio individual no momento mais vitorioso da seleção da Espanha, campeã da Eurocopa em 2008 e 2012 e da Copa do Mundo em 2010. Xavi foi o terceiro colocado em 2009, 2010 e 2011; Iniesta foi o segundo em 2010 e o terceiro em 2012.

A dupla também eclipsou as melhores temporadas de jogadores como Mohamed Salah, Sadio Mané, Kevin de Bruyne, Eden Hazard, Virgil van Dijk, Gareth Bale, Antoine Griezmann, Arjen Robben ou Franck Ribery.

Entre a primeira e a oitava conquista de Messi, o único brasileiro que figurou entre os três primeiros colocados foi Neymar, terceiro colocado em 2015 e 2017. O camisa 10 da seleção tentou lutar pelo prêmio longe do argentino, trocando o Barcelona pelo PSG, mas nunca conseguiu superar o amigo.

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Vini Jr, que ganhou o prêmio Sócrates, dado para jogadores que se destacam pela ação social

E agora, quem leva?

O clima na Bola de Ouro de 2023 era de transição entre gerações. Enquanto Messi era homenageado como "infinito", uma nova geração observava a consagração do argentino a poucos metros de distância.

Em seu discurso mais sólido e longo nas oito vezes em que conquistou o prêmio, o vencedor elencou alguns de seus possíveis sucessores, com destaque para o segundo e o terceiro colocados. "Haaland e Mbappé são dois animais futebolísticos. Não tenho dúvidas de que veremos uma briga muito bonita entre eles e entre outros jogadores que estão aqui hoje".

"Haaland também merecia esse prêmio, ele teve um ano incrível ganhando a Premier League, a Champions e a Copa da Inglaterra, sendo artilheiro de tudo. Espero que nos próximos anos você consiga vencer, porque merece", afirmou.

Além de Messi e Haaland, outros dois premiados da noite despontam como possíveis candidatos à premiação no futuro: Jude Bellingham, que levou o prêmio Kopa, dado ao melhor jogador jovem, e Vini Jr, que ficou com o Prêmio Sócrates, em reconhecimento a projetos sociais e à luta contra o racismo.

A dupla já entrou na classificação final da Bola de Ouro deste ano: Vini foi o sexto colocado, e Bellingham ficou em 18º pelo que fizeram na temporada passada, quando o inglês ainda jogava no Borussia Dortmund. Na atual temporada, o britânico desponta com um início histórico no clube do Real Madrid, com 13 gols em 13 partidas oficiais.

Anne-Christine POUJOULAT / AFP Anne-Christine POUJOULAT / AFP
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