Torcidas que jogam junto

Vaquinha, doações e governo ajudam Remo e Paysandu em briga pelo acesso à Série B

Adriano Wilkson Do UOL, em São Paulo Fernando Torres/Paysandu

A cidade de Belém, no Pará, respira entre o nervosismo e a ansiedade, na expectativa de um jogo que pode significar o acesso à Série B do Brasileiro para Remo e Paysandu. Os rivais se enfrentam amanhã (10), em mais uma edição de um dos clássicos mais disputados do mundo (será a 759ª). A situação é mais favorável ao Paysandu, que só precisa de uma vitória neste domingo para garantir vaga na segunda divisão. O Remo, por sua vez, estará mais perto do acesso caso vença o rival.

A depender do resultado das duas últimas rodadas da Série C, há grandes chances de os dois maiores times da região Norte conseguirem subir na mesma edição. E a cidade já se pergunta qual será o protocolo para as comemorações caso o acontecimento, inédito na história centenária da rivalidade, se concretize.

"Se os dois subirem, provavelmente, as torcidas vão respeitar os protocolos da pandemia e vão todos comemorar em casa, de máscara e distanciamento", afirma o humorista Murilo Couto, torcedor do Paysandu. "Mas tem uma pequena chance de decidirem sair para comemorar, tomar todo o álcool em gel e sair na porrada no meio da rua."

A euforia e as provocações, alimentadas pelo bom momento das equipes, só foram possíveis graças a uma rede de solidariedade que envolveu as torcidas em um ano em que elas não puderam ir aos estádios, por causa da pandemia de covid-19. A torcida do Remo levantou mais de R$ 90 mil para o bicho dos jogadores, em caso de acesso. A do Paysandu gerou lucro líquido de R$ 600 mil ao clube, ao comprar uma camiseta comemorativa. A seguir, o UOL Esporte lista algumas iniciativas de marketing dos clubes e das torcidas paraenses que ajudam a explicar o caminho até a fase decisiva da Série C.

Fernando Torres/Paysandu
Fernando Torres/AGIF Fernando Torres/AGIF
Divulgação

Doação da torcida repõe arrecadação perdida na pandemia

Diferentemente do que acontece com as primeiras divisões do Brasileiro, os direitos de transmissão da Série C pertencem à Dazn, um serviço de streaming online por assinatura. Sem contrato com grandes emissoras de TV, Remo e Paysandu são tradicionalmente dependentes da renda feita com bilheteria de jogo. O preço cobrado, em média, para assistir a um clássico nos estádios antes da pandemia era de R$ 50.

Com o fechamento dos estádios por causa do coronavírus, os clubes seguiram vendendo "ingressos virtuais", uma forma da torcida ajudar a financiar o departamento de futebol.

O Paysandu cobra R$ 10 pelo ingresso virtual de seus jogos, o que garante ao torcedor nada mais do que a sensação de ajudar o clube. "É uma doação, uma demonstração de amor, porque não fazemos nenhuma entrega", afirma Marcone Barbosa, diretor-executivo de marketing do Paysandu, que diz ter vendido mais de 27 mil ingressos desde o início da Série C, em agosto do ano passado.

O marketing do Remo, que oferece ingressos virtuais em diferentes faixas de preço, afirma ter vendido mais de 17 mil bilhetes até aqui. A faixa mais alta, de R$ 50, dá direito a uma camiseta da campanha.

Divulgação

Torcedores fazem vaquinha para pagar bicho por acesso

O empenho da torcida do Remo chegou a outro patamar quando torcedores, reunidos em grupos de Whatsapp e do Facebook, criaram uma vaquinha para pagar o "bicho", a premiação aos jogadores e funcionários em caso de acesso. Uma conta com chave PIX foi aberta para concentrar as transferências, e os comprovantes de depósito foram compartilhados nos grupos.

"É uma ação voluntária de torcedores, uma forma que eles encontraram de participar", afirmou Renan Bezerra, diretor de marketing do Remo. "Já temos R$ 90 mil arrecadados."

Ação semelhante foi organizada no lado do Paysandu, embora a diretoria do clube afirme que, no caso deles, a vaquinha acontece apenas entre conselheiros e membros da diretoria, sem participação de torcedores comuns.

Arquivo pessoal

Torcedor doou parte do auxílio emergencial ao Paysandu

O estudante de biologia Matheus Cosme, de 22 anos, dava aulas de reforço quando a pandemia o impediu de trabalhar. O auxílio emergencial de R$ 600, concedido pelo governo federal no ano passado o ajudou a deixar as contas em dia. E uma parte dele foi usada também para colaborar com seu time do coração.

"O auxílio eu usei pra alimentação, pra cuidar de mim, e também contribui com o clube comprando ingressos virtuais e o manto sagrado pela loja do clube. O pouco que eu tenho eu faço questão de dar pra ajudar o Paysandu", afirma o estudante da Universidade Estadual do Pará.

O Estado foi um dos que mais dependeram do auxílio durante a pandemia, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em novembro de 2020, 61% das famílias paraenses receberam o benefício, deixando o Pará na segunda posição dos Estados com mais domicílios dependentes da ajuda, atrás apenas do Amapá (70%).

Não recordo de nenhum Re x Pa tão importante quanto esse, exceto o de 2000 pela Copa João Havelange. Não teremos público no estádio, mas por onde você andar na cidade tem carro com bandeira do Remo. Uma minoria com a bandeira do Paysandu".

Renan Bezerra, diretor de marketing do Remo

A cidade está respirando esse jogo, as pessoas não falam de outra coisa. No prédio em que eu moro, até os porteiros ficam me cobrando, como se eu fosse jogar domingo. O amor da torcida é diferente do que eu já vivi onde passei, aqui tem algo especial".

Marcone Barbosa, diretor-executivo de marketing do Paysandu

Thiago Gomes/AGIF

Governo compra naming rights e faz clubes fecharem no azul

Remo e Paysandu tiveram uma ajuda providencial do governo do Estado para fechar as contas de 2020. Patrocinador master dos dois clubes, o banco estadual Banpará aumentou a cota de patrocínio no auge da crise causada pelo coronavírus. O governo, que também é dono dos direitos de transmissão do campeonato local, fez um adiantamento de repasses.

Em outubro, o governador Helder Barbalho (MDB) fechou a compra dos naming rights (direito aplicado à concessão da propriedade nominal de um determinado local a uma marca) dos estádios, que passaram se chamar Banpará Curuzu (Paysandu) e Banpará Baenão (Remo). Pelo contrato, cada um recebeu R$ 1,5 milhão. "Sem esse patrocínio o clube não chegaria até o fim do ano com as contas em dia", admitiu Marcone Barbosa, do Paysandu.

"Tomamos essa decisão de colaborar com os clubes por compreender que eles fazem parte da cultura e das tradições do nosso Estado", afirmou o governador (veja entrevista completa ao final do texto).

O governo do Estado tem sido um parceiro muito firme para que os clubes possam ter saúde financeira no desafio de construir um plantel qualificado. Não posso deixar de registrar minha torcida pelo Remo, mas entendo que a perspectiva dos dois subirem é o que deve unir a todos. A minha esposa é Paysandu [risos]".

Helder Barbalho (MDB), governador do Pará e torcedor do Remo

Acompanho os jogos, amando e vibrando com o meu clube. Mas celebro o futebol e a alegria que os times proporcionam ao povo de Belém, tanto que recebi, durante minha campanha a prefeito, o apoio das torcidas organizadas dos clubes. E que os times do Pará continuem levando o nome da nossa cidade cabana a todos os campos do país."

Edmilson Rodrigues (PSOL), prefeito de Belém e torcedor do Paysandu

Novas cores aumentam renda

Jorge Luiz/Paysandu

Para tentar repor o desfalque pela ausência física da torcida e aumentar o faturamento, o Paysandu lançou edições especiais de seu uniforme. Em um deles, apostou no preto, em homenagem ao clube "Team Negra" que, em 1914, deu origem ao Paysandu. De acordo com a diretoria, a venda desse uniforme já rendeu um lucro líquido de R$ 600 mil e ajudou a pagar salários do elenco.

Samara Miranda/Remo

O Remo também adotou uma cor diferente do tradicional azul marinho e lançou um uniforme vermelho, homenagem ao "sangue derramado" na Revolta da Cabanagem, acontecimento importante da história paraense. Além das camisas, os rivais diversificaram seu portfólio de licenciamento de produtos. No caso do Paysandu, um dos itens mais vendidos durante a pandemia foram máscaras oficiais.

Reprodução

Juiz virou "ídolo" do Remo ao tirar acesso do Paysandu

O ano de 2006 marcou a última vez em que Remo e Paysandu disputaram a Série B juntos. Na última década e meia, a rivalidade ficou confinada ao campeonato local, à Copa Verde (que reúne equipes das regiões Norte e Centro-Oeste e do Espírito Santo) e às divisões mais inferiores do Brasileiro. Nesse período, o Paysandu conseguiu dois acessos à Série B, e o Remo chegou ao fundo do poço em três temporadas, quando ficou sem divisão e sem jogar por metade do ano.

Seu estádio foi interditado por falta de manutenção, e os refletores pararam de funcionar. A crise remista virou munição na rivalidade. "Os maiores ressentimentos do remista são o fato de ter ficado sem divisão, não ter estádio e agora não ter luz", afirma o torcedor do Remo Marco Antonio, conhecido como "Loro da Doca". "E só de te falar isso eu já fico com raiva."

Mas houve o momento de ir à forra. Na Série C de 2019, o Paysandu vencia uma partida decisiva contra o Náutico quando o árbitro gaúcho Leandro Vuaden marcou um pênalti inexistente para os pernambucanos. O Náutico empatou e, na decisão por pênaltis, garantiu o acesso, deixando o Paysandu mais um ano na terceira divisão. Nos jogos do campeonato local, a torcida do Remo passou a levar um totem em homenagem ao árbitro Vuaden, considerado o carrasco dos rivais.

Prefiro que os dois subam juntos! Esse Re x Pa, valendo acesso para a Série B, promete fortes emoções ao coração do paraense. Haja açaí! Daqui dos EUA vou dar meu jeitinho de acompanhar e torcer."

Lyoto Machida, ex-campeão do UFC e torcedor do Paysandu

A torcida do Paysandu vai muito no embalo. A do Remo tem o coro mais grosso. Comprou ingresso virtual e consumiu muito material do clube. Eu mesmo comprei esse ano cinco camisas pra mim, fora duas de presente."

Marco Antonio, o "Loro da Doca", professor e torcedor do Remo

Divulgação

Remo elege o próprio goleiro como vereador de Belém

Não são poucas as personalidades do esporte que se aventuram na política, mas o caso do goleiro Vinicius é diferente. Além de ser titular da meta remista durante toda a temporada, ele se tornou um dos destaques do time e se consolidou como ídolo da torcida.

Candidato nas eleições municipais do ano passado, fez uma campanha quase totalmente virtual, recebeu 7.079 votos e acabou como o 11º mais votado da cidade, entre os 35 eleitos.

Ele já tomou posse e avisa que não pretende se aposentar do campo, conciliando o trabalho como goleiro com o de parlamento municipal. Vinicius (Republicanos) afirma que contará com a ajuda da esposa para as atividades na Câmara.

Santa Cruz também briga pelo acesso à Série B

A fase decisiva da Série C termina no próximo fim de semana, quando as oito equipes divididas em dois grupos, se enfrentam na última rodada para definir os quatro que subirão para a segunda divisão.

O Remo lidera o Grupo D, com sete pontos, seguido por Paysandu, com o mesmo número de pontos, mas menos gols de saldo. O grupo é completado com Londrina e Ypiranga-RS, que têm cinco e três pontos, respectivamente, e também se enfrentam neste domingo.

No grupo C, Brusque-SC, Ituano, Santa Cruz e Vila Nova-GO disputam duas vagas. Ao final da competição, os líderes dos dois grupos se enfrentam para definir o campeão.

Bruno Cruz/Futura Press/Estadão Conteúdo

Governador do Pará pede responsabilidade em festas

UOL Esporte - O que vai acontecer no Pará se Remo e Paysandu subirem juntos para a Série B?

Helder Barbalho - Estamos num momento muito especial dos nossos clubes, o que nos traz essa expectativa positiva de podermos, depois de tanto tempo, ter os dois clubes na Série B. Remo e Paysandu seguramente estariam em uma posição de protagonismo no futebol brasileiro, o que condiz com a tradição e com a força da torcida. Torcemos para que isto ocorra. O governo do Estado tem sido um parceiro muito firme para ajudar os clubes, para que possam ter saúde financeira no desafio de construir um plantel qualificado e manter estes plantéis num ano em que houve queda drástica de receita, face às limitações de presença de público nos estádios. Tomamos essa decisão de colaborar com os clubes por compreender que eles fazem parte da cultura e das tradições do nosso Estado.

O [banco estadual] Banpará já patrocina há muito tempo os clubes do Pará, mas em 2020, por causa da perda da receita de bilheteria, houve aumento do patrocínio, inclusive com a compra dos naming rights dos estádios...

Além do incremento no patrocínio, com o uso da marca nos estádios, nós antecipamos receita, colaborando com a necessidade dos clubes nesse momento, de ter saúde financeira.

Como vai ser para o senhor, torcedor remista, acompanhar esse jogo?

A minha esposa é Paysandu [risos]. É claro que sou torcedor do Remo, mas confesso que estou muito envolvido na possibilidade dos dois subirem. Não posso deixar de registrar minha torcida pelo Remo, mas entendo que a perspectiva dos dois subirem é o que deve unir a todos. Como torcedor, e não mais como governador, no jogo Remo x Paysandu, torcerei pro Remo, mas tenho muita expectativa e trabalharemos muito para que os dois possam subir.

Falando do contexto da pandemia e do aumento de casos de covid inclusive em Belém, há uma preocupação de possíveis festejos em caso de classificação causarem mais contágios na cidade?

Nós temos orientado a população a ter consciência de que a pandemia continua e que é preciso ter responsabilidade de cada um consigo e com as pessoas que ama. Não adianta desconhecermos que a eventual classificação dos clubesa depois de tanto tempo... O Remo há 15 anos não sobre para Série B, o Paysandu também passou alguns anos fora... É inevitável que alguns vão extrapolar sua alegria e fazer festejos. O que esperamos — e pedimos — é que a população não perca a consciência da importância de compatibilizar qualquer desejo de contato social com uso de máscara e higienização das mãos. E se proteger para que evitemos mais contágios e as consequências que esta pandemia tem trazido a tantos.

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