João sem medo

Técnico que levou a seleção de 1970 ao México, Saldanha cobriu a Copa e se rendeu ao time que ajudou a montar

Diego Salgado Do UOL, em São Paulo Folhapress

João Saldanha juntou o grupo da seleção brasileira no centro do gramado do Itanhangá, no Rio, na tarde do dia 17 de março de 1970. O treinador seria demitido horas depois, em uma reunião com João Havelange, então presidente da CBD. O técnico desconfiava da decisão e, por isso, dirigiu-se ao grupo em tom de despedida.

"Em 32 anos de futebol, como cronista, como dirigente, como cronista, jamais encontrei um grupo de jogadores como vocês. Amigos, leais, disciplinados", disse o treinador que assumira a seleção do Brasil pouco mais de 13 meses antes.

Bem ao seu estilo, moldado por uma personalidade forte, Saldanha, que comandou o time nas Eliminatórias da Copa de 1970, queria continuar. Disse a pessoas próximas que só sairia demitido. A dispensa veio, a contragosto, dias depois de um insosso empate por 1 a 1 diante do Bangu, em Moça Bonita.

Saldanha, com 52 anos à época, continuaria conectado à equipe que ajudou a montar. De algum modo, ele enxergaria a seleção do tri com olhos de um treinador que fez parte daquilo. Um olhar traduzido ao público por meio do texto apurado de um cronista esportivo. Como convidado do jornal carioca O Globo, Saldanha escreveu sobre a campanha do Brasil naquela Copa do Mundo, disputada há exatos 50 anos. De longe, rendeu-se, em linhas, aos seus ex-comandados, tricampeões do mundo sob o comando de Zagallo, seu sucessor.

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Ídolo dos jornalistas, vetado pela seleção

O amor pelo futebol falou mais alto quando João Saldanha deixou o cargo de treinador da seleção brasileira. Para um cronista que respirava o esporte bretão, como lembra o jornalista José Trajano, cobrir a Copa do Mundo foi algo natural.

"Ele conversava de futebol com a gente com a maior tranquilidade, como se não tivesse sido técnico. Ele ficava ali preocupado com a Copa, com a atuação do Brasil, dos adversários", contou Trajano, que cobriu a Copa de 1970 e conviveu com Saldanha durante a disputa do Mundial.

Além de escrever textos para o jornal O Globo, Saldanha também cobriu a Copa pela BBC, de Londres. Trajano lembra que ele ficou longe da maior parte dos jornalistas brasileiros, pois o hotel escolhido pela rede britânica ficava no centro de Guadalajara. Por isso, era comum Saldanha se deslocar ao local onde os colegas de imprensa estavam. Juntos, falavam sobre a campanha da seleção até mesmo nos momentos livres.

Saldanha, àquela altura, era um ídolo no meio jornalístico, uma das vozes mais ativas do futebol. Por sua postura como cronista, era respeitado como poucos. Apesar disso, de acordo com Trajano, ele não teve acesso às entrevistas com os jogadores na concentração, fato comum nas coberturas mais antigas. O veto deixou o ex-treinador da seleção magoado.

"Ele foi o único que foi impedido de entrar na seleção brasileira, ele não ganhou a credencial para entrar", disse Trajano em entrevista ao UOL Esporte.

No fim, com o título garantido, Saldanha superou o episódio, como mostra os textos escritos ao longo da Copa, sobretudo na reta final. Depois do título, ele admitiu até que estava emocionado.

"Ele se sentiu campeão de alguma forma, porque a Copa do Mundo começou nas Eliminatórias. Ele classificou o Brasil, o time não perdeu nenhum jogo. O Maracanã lotava, ele deu chance para o Tostão se recuperar, colocou Tostão e Pelé para jogar juntos", frisou Trajano.

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Saída teve até invasão armada à concentração do Fla

João Saldanha assumiu a vaga de Aymoré Moreira no início de 1969. A tarefa era árdua: fazer o torcedor brasileiro esquecer a Copa de 1966, marcada por uma eliminação ainda na primeira fase, depois de dois títulos mundiais seguidos. Cronista esportivo, o gaúcho fez justamente isso.

Entre 1969 e 1970, venceu 14 dos 17 jogos em que comandou a seleção, incluindo os seis das Eliminatórias. Dois resultados ruins, porém, em março de 1970, bastaram para a demissão. O Brasil perdeu da Argentina por 2 a 0 no Beira-Rio, em Porto Alegre, e, depois de dar o troco no Maracanã (2 a 1), empatou com o Bangu por 1 a 1. Pessoas ligadas àquela seleção apontam para uma decisão com base na postura extracampo. Saldanha era filiado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) em meio à Ditadura Militar e ainda entrou em rota de colisão com o presidente da república, Emílio Garrastazu Médici, por causa da convocação de Dario, o Dadá Maravilha, defendida pelo político.

Clodoaldo, um dos pilares da seleção de 1970, só virou titular com Zagallo. Sob o comando de João Saldanha, Piazza era escalado na cabeça de área. Mesmo assim, o ex-volante saiu em defesa de Saldanha em entrevista ao UOL Esporte. "Para muitos, foi uma decisão mais política, porque para o grupo de jogadores foi uma surpresa. Quando nós retornamos à concentração, tivemos a notícia de que o Saldanha estaria deixando. Então, foi uma surpresa muito grande. Essa decisão, acredito eu, tenha sido mais por envolvimento político do que propriamente pela qualidade do técnico", disse.

A curta passagem pela seleção brasileira chegou ao fim, segundo o jornalista José Trajano, "pelo conjunto da obra". Saldanha era visceral, não deixava de falar o que pensava e até se meteu em situações complicadas. Uma delas envolvia o técnico Dorival Knipel, o Yustrich.

No começo de setembro de 1969, dias depois de garantir vaga na Copa, a seleção brasileira foi derrotada por 2 a 1 pela seleção mineira. Foi a primeira derrota de Saldanha como técnico do Brasil. E, para piorar, aquele selecionado mineiro era representado pelo Atlético-MG comandado por Yustrich, que mandou seu time dar uma volta olímpica no Mineirão.

O trabalho no Galo levou o desafeto de Saldanha ao Flamengo. E, lá, o polêmico treinador continuou sendo um dos maiores críticos da seleção. Um dia, então, Saldanha invadiu a concentração do time rubro-negro com uma arma para tirar satisfação. O empate da seleção com o Bangu, dessa forma, tornou-se um pretexto ideal para a troca do comando, respaldado por boa parte da imprensa, que também não economizava nas críticas ao time brasileiro.

Saldanha explica sua demissão

Otavio/Folhapress Otavio/Folhapress

Saldanha fez críticas

Demitido pela CBD, Saldanha foi contratado para escrever pelo jornal O Globo. E não poupou críticas. Antes de a Copa começar, questionou a postura da comissão técnica em relação a uma lesão de Gérson, que sentia dores na coxa durante a preparação, já em território mexicano. Em um texto intitulado "Santo é de barro", disse que o problema de Gérson tinha de ser encarado com seriedade.

Vale lembrar que o camisa 8 disputou o primeiro jogo da Copa, diante da Tchecoslováquia, mas ficou fora dos duelos com a Inglaterra e a Romênia, na primeira fase — no primeiro, foi substituído por Paulo Cezar Caju, no segundo, Zagallo escalou Piazza no meio, Fontana na zaga e ainda usou Caju na vaga de Rivellino, machucado.

"Gérson saiu de campo domingo [amistoso contra o Deportivo León, vencido por 5 a 2], pouco antes de terminar o jogo, com visível preocupação. Isso será novidade? Claro que não. Só será para quem quiser bancar o cego. Dizem outra vez que não é problema sério. Como não é problema sério se faltam apenas duas semanas para começar o Mundial? Desde quando lesão de músculo não é séria?

Quando estive responsável pela seleção, sugeri que Gérson fosse poupado. Explico: Gérson é um jogador que se emprega muito em qualquer treino. Até recreativo Gérson disputa como se fosse final de competição importante. Não consegui diminuir o trabalho de Gérson. Os 'experts' deram um milhão de explicações 'técnicas e científicas'.

Ainda ponderei que a fadiga é o ponto crucial do treinamento. Achei que o trabalho com o Pelé também deveria ser diminuído. Foi uma gritaria dos diabos. Dois ou três dias depois saí da seleção. Passados dez dias, Gérson sentiu o músculo. A resposta 'científica' foi que não era nada e ele estava em perfeita forma. Como, se sentiu o músculo e tiveram que suspender o treinamento? Agora repete-se. Evidentemente há fadiga muscular e isso tem que ser levado em conta. O Mundial é disputado em três semanas e Gérson fará muita falta. Não teria sido melhor dosar o seu treinamento, do que obrigá-lo a pará-lo agora?"

Reprodução/Allsport Hulton/Archive/Getty Images

Elogios após vitória sobre a Inglaterra

No dia 8 de junho, o texto de João Saldanha acabou marcado por uma série de elogios, mesmo com o desfalque de Gérson na vitória por 1 a 0 sobre a Inglaterra, que defendia o título mundial na ocasião. O título da crônica foi "O mapa da mina".

"Grande vitória do Brasil. A falta de Gérson criou problemas muito difíceis, que foram resolvidos com muita garra. Jair era o 'mapa da mina'. Já no primeiro tempo proporcionou grande jogada para grande cabeçada de Pelé e também grande defesa de Banks.

O primeiro tempo foi muito agarrado. Muita gente nas defesas. Dois adversários difíceis tinham de se respeitar. Somente uma jogada de craques poderia burlar o verdadeiro muro da defesa inglesa. Foi uma jogada de gênio de Tostão, pela esquerda, a Pelé, que entregou de bandeja a Jair. Desta vez, Banks, o melhor goleiro do mundo, nada pôde fazer.

Os melhores do Brasil foram Jair, Pelé, Brito, Clodoaldo, Rivellino, apesar de contundido. Everaldo em cobertura e Tostão pela sua jogada que proporcionou o 'goal' de Jair.

Creio que o Brasil mereceu a vitória pois jogou melhor. A resposta inglesa limitou-se àquelas bolas altas para 'abafar'. Grande vitória brasileira e carnaval no Brasil e em Guadalajara."

Peter Robinson/Getty Images Peter Robinson/Getty Images

Saldanha pede que Jairzinho e Rivellino marquem

Apesar de o Brasil ter alcançado a semifinal depois de um triunfo por 4 a 2 sobre o Peru nas quartas, Saldanha chamou a atenção para falhas da seleção como equipe. O jornalista isentou os zagueiros e cobrou maior participação dos jogadores ofensivos. Em outras palavras, pediu um time compacto.

"Espero que não culpem a defesa. Carlos Alberto, Brito, Piazza e Marco Antônio jogaram bem. Zagallo armou bem o sistema defensivo principalmente com a magnífica ajuda que Jair está dando a Carlos Alberto, liquidando assim uma falha muito sensível numa parte do campo em que o adversário atacava com facilidade e que não existe mais.

Além do recuo defensivo de Jair e Paulo César (ou Rivelino), Pelé volta bastante e quando isto é impossível Tostão aparece defendendo. Como se verifica, é um número bem suficiente de gente para defender. Perguntariam novamente: pois onde está o defeito? Resposta: o defeito é um defeito muito sério do futebol brasileiro e consiste simplesmente no seguinte: nossos atacantes quando recuam para defender se colocam bem, mas não atuam como defensores.

Quero dizer, não combatem com vigor como se fossem defensores quando, nesta situação de jogo o são precisamente. Desta maneira, fica relativamente fácil ao adversário passar a primeira linha e avançar contra a segunda. Erradamente, a última linha é que é a chamada de defesa quando na circunstância apontada todos são defesa e não apenas os últimos quatro ou cinco."

Já escrevi sobre esse assunto. Vou repetir porque penso que não há mal nenhum em repetir verdades: é um erro acusarem a defesa brasileira de débil. É composta de excelente jogadores

João Saldanha, em sua coluna em O Globo

Gerência de Memória/CBF

Um finalista justo

Depois da vitória por 3 a 1 sobre o Uruguai na semifinal, Saldanha disse que o Brasil chegava à decisão com méritos, apesar do nervosismo mostrado no começo do duelo sul-americano. No texto, cujo título era "Brasil, digno finalista", ele faz elogios ao setor ofensivo da seleção, especialmente a Jairzinho.

"Estou certo que o Brasil mereceu muito bem a vitória outra vez. A partida teve um início muito nervoso, mas o Uruguai se acalmou primeiro que o Brasil. Teve merecimento em marcar antes do que nós, apesar de que foi uma falha dupla de nossos defensores. Falha nervosa visivelmente. Logo em seguida que marcou o seu 'goal', o Uruguai passou a jogar para pura e simplesmente manter o 'um a zero'. Faltava muito tempo para terminar o jogo.

Clodoaldo, Jair e Gérson eram os mais calmos e que arriscavam alguma coisa. Pelé estava severamente vigiado por Monteiro Castillo. Foi uma jogada genial de Tostão e um despregamento audacioso de Clodoaldo que terminariam com a bola na rede. Nesta altura, o Brasil já era mais equipe e muito dificilmente o Uruguai poderia conquistar a vitória. A falta notável de Pedro Rocha se fazia sentir e o ataque uruguaio ficou muito fraco.

Pouco a pouco a pressão [brasileira] aumentava até que Jairzinho, que se constitui numa das maiores atrações do Mundial de 1970, conseguiu vantagem para o Brasil. O Uruguai se desesperou e começou a atirar bolas altas. Nada de positivo. Repito, sem Pedro Rocha fica muito inofensivo o ataque uruguaio. Como ganhar um campeonato com um ataque que não consegue mais de um 'goal'? O Brasil possui esse ataque e, mesmo com suas debilidades conhecidas, quando arranca para frente e com homens de qualidade de Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivelino, ainda mais ajudado por homens de qualidade de Gérson e Clodoaldo, é sempre um quadro perigoso que está a pique de conseguir seus 'goals' e a vitória."

Creio que meus leitores a essa altura devem estar lembrados que acertei mais uma vez os vencedores das semifinais e isto me satisfaz amplamente como observador e comentarista. Nos 14 prognósticos dados, acertei oito vencedores das oitavas de final, três dos quatro vencedores das quartas de final e acertei os dois, Brasil e Itália, como finalistas

João Saldanha, em sua coluna em O Globo

AP

"A arte venceu"

O fim do jogo contra a Itália, com o tri garantido após o 4 a 1, Saldanha se rendeu definitivamente à seleção brasileira. Ele chamou a conquista de "vitória do futebol". Fez ainda um mea-culpa sobre pensamentos que teve e se mostraram errados durante a campanha. Em contrapartida, na reta final do texto, lembrou os números obtidos pelo time a partir das Eliminatórias, quando era o treinador.

"Antes de mais nada, quero dizer que que a vitória extraordinária do Brasil foi a vitória do futebol. Do futebol que o Brasil joga, sem copiar ninguém, fazendo da arte dos seus jogadores a sua força maior e impondo ao mundo futebolístico o seu padrão, que não precisa seguir esquemas dos outros, pois tem sua personalidade, a sua filosofia e jamais deverá sair dela. Foi uma vitória do futebol. O futebol que nós gostamos de ver e aplaudimos e que o mundo ontem teve de se curvar.

Em segundo lugar vou fazer uma série de cobrantinas. Cobrantina de quem disse que o Brito não sabia nem amortecer uma bola. Cobrantina de quem disse que o Brasil não tinha ponta direita, ou que Jair não era ponta direita no Botafogo. Hoje está aí Jairzinho, consagrado como o melhor ponta direita da Taça do Mundo.

E poderia ir por aí afora, fazendo uma série de cobrantinas, mas o dia é de alegria. É de vibração e confesso que estou emocionado. Esta equipe do Brasil , que marca 41 'goals' e sofre apenas nove na sua campanha no Mundial, contando com os jogos das Eliminatórias, é uma seleção. É um timaço de futebol, que adquiriu consistência em suas linhas, sem que lhe roubassem o seu estilo, a sua característica e aí uma das principais razões do sucesso.

É justa a nossa vibração e a minha, em particular, é pela vitória da arte, que continua sendo, dentre as variadas concepções do futebol moderno, a verdadeira razão de se encherem estádios e s identificação mais sólida e decisiva do futebol do Brasil."

Peter Robinson/Getty Images Peter Robinson/Getty Images

O futebol moderno

Dois dias depois de o Brasil conquistar o título no México, Saldanha voltou a falar sobre futebol moderno. O jornalista fez uma crítica às pessoas que tentavam explicar o jogo por meio de esquemas táticos. O "futebol numérico", para ele, era antiquado.

"Uma coisa muito importante para o futebol foi amplamente comprovada nesta Taça do Mundo. Quero me referir aos sistemas de marcação por 'número'. Penso que deve ser considerado ridículo falar sobre futebol moderno tentando enumerar as linhas do campo.

Assim, quem quiser explicar um jogo de futebol moderno dizendo ou escrevendo que está, ou aquela equipe jogou 4-2-4 ou 5-2-3, ou se quiserem ainda 4-4-2 e ainda 4-3-3, está enganando os leitores ou ouvintes.

Estou falando, é claro, sobre futebol moderno. Qualquer futebol numérico, nos dias de hoje, é antiquado. Qualquer equipe que jogar uma partida e no dia seguinte o comentarista puder dizer aritmeticamente ou geograficamente como jogou, isto significa que a tal equipe jogou futebol antigo.

É certo que se pode dizer que um quadro jogou fazendo marcação por 'zona', ou que outro jogou fazendo marcação por 'homem a homem', ou com 'líbero'. Muito bem, isto está certo.

Como jogou o Brasil, por exemplo, contra a Itália? Respondo que o Brasil jogou marcando todo o campo. Onde houvesse perigo tinha um jogador de camisa amarela disputando a bola. Houve ocasiões que Pelé e Tostão estavam perto de Brito e até na cobertura. Mesmo que o esquema geral de jogo previsse que quem deveria ajudar a defesa eram Jair e Rivelino, Pelé e Tostão retornavam porque o perigo estava mais próximo deles. Isto quer dizer que qualquer rigidez de jogo deve ser abandonada por quem queira jogar futebol sério.

Os italianos foram antiquados no seu sistema de jogo. Por exemplo: Jairzinho deslocava-se para o meio de campo, Fachetti o acompanhava e uma 'avenida' maior que o 'Passo de la Reforma' [via da Cidade do México] ficava aberta para Carlos Alberto entrar e se constituir sempre em perigo permanente para a meta de Albertosi.

Mesmo que Carlos Alberto não tivesse condições de atacar, de todos os modos se constituía sempre uma jogada de descanso para a seleção brasileira. Lógico: Carlos Alberto não tinha a quem marcar e andou pelo campo livremente.

Evidentemente isto não estava previsto num esquema rígido, e o quadro brasileiro aceitou tudo o que lhe foi oferecido. A Taça do Mundo de 1970 evidenciou de maneira clara e nítida que os sistemas 'numéricos' e os sistemas rígidos pertencem ao passado."

Acervo UH/Folhapress

Um personagem rico

"Ele era um cara espetacular. Saldanha falava de tudo, tinha uma história muito rica. Era muito interessante. João Saldanha só teve um."

A definição de José Trajano sobre o ex-companheiro de jornalismo mostra bem quem era João Saldanha no fim dos anos 1960, quando foi escolhido para ser técnico da seleção brasileira.

Natural do Rio Grande do Sul, Saldanha conectou-se ao Botafogo logo cedo — ele chegou ao Rio aos 13 anos e até atuou nas divisões de base do clube carioca.

Durante o Estado Novo, já filiado ao PCB, Saldanha deixou o curso de Direito no Rio e passou a morar na Europa, onde estudou economia e jornalismo. De volta ao Brasil, em 1950, voltou a ficar próximo do Botafogo. Tornou-se dirigente e técnico interino do time em 1957, ano em que levou os botafoguenses à conquista do Campeonato Carioca.

Saldanha ficou dois anos no cargo e, só então, passou a se dedicar à cobertura jornalística. Uma década de trabalho e opiniões contundentes, atreladas a um vasto conhecimento do esporte, elevaram o gaúcho ao posto de referência.

Foi neste contexto que Saldanha chegou à seleção brasileira. A escolha até hoje intriga Trajano, pois o colega era filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e não escondia isso. O cenário da época indica, entretanto, que a estratégia de João Havelange era amenizar as críticas da imprensa ao time do Brasil. Um jornalista no comando da equipe poderia tornar a relação um pouco menos conflitante.

Folhapress Folhapress

Morte na Itália, após a Copa

João Saldanha morreu aos 73 anos, na Itália, dias depois da final da Copa do Mundo de 1990, que cobriu pela extinta TV Manchete e pelo Jornal do Brasil. A ida à Itália para mais uma cobertura de Mundial aconteceu em meio a problemas de saúde.

O jornalista passou mal depois de comentar a semifinal entre Itália e Argentina, no dia 3 de julho, quando completou 73 anos. Apesar disso, participou de um programa noturno na Manchete. Depois, foi levado às pressas a um hospital de Roma, onde ficou internado na UTI por oito dias. Ele morreu por causa de um edema pulmonar.

De 1970 a 1990, Saldanha manteve o estilo enérgico, que o marcou durante toda a vida. Em 1985, ano da redemocratização, por exemplo, ele chegou a ser candidato à vice-prefeitura do Rio de Janeiro, na chapa de Marcelo Cerqueira (PSB). A dupla ficou em quarto lugar no pleito.

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