Nem tudo é brilho nas décadas de história da indústria do futebol no Paquistão. Em 1996, uma reportagem da revista Life sobre o tema mostrava a foto de um menino de 12 anos identificado como Tariq costurando bolas de futebol. O registro não foi feito em Sialkot, mas em um vilarejo chamado Mahotra; mesmo assim, teve grande impacto internacional.
Dois pontos chamaram especial atenção. Primeiro: a baixa remuneração e a pouca idade de muitos funcionários de pequenas oficinas de costura. Segundo: a abrangência do problema. Era muito comum que as fábricas de Sialkot terceirizassem parte da produção, enviando peças para serem montadas por crianças em oficinas menos visadas pela fiscalização.
"A própria Comissão de Direitos Humanos do Paquistão estima que 11 milhões de crianças menores de 14 anos trabalhem seis dias por semana, nove a dez horas por dia, em insalubres trabalhos de moagem em galpões, fábricas de tijolos e ensolaradas lavouras. Elas representam um quarto da força de trabalho servil do país e seus números continuam aumentando. Há dois anos, a idade média das crianças que ingressavam na força de trabalho era de oito anos. Agora é de sete", dizia a reportagem da revista.
Grandes empresas precisaram se mexer a partir dali. A Nike, cuja marca tinha grande exposição em duas das bolas na fotografia que mostrava o trabalho de Tariq, se tornou protagonista do caso. Desde então, a empresa rompeu com fornecedores locais e levou adiante uma série de medidas alinhadas com a OIT (Organização Internacional do Trabalho, agência da ONU).
"A Nike se dedica a fabricar todos os seus produtos de forma ética, sustentável e a promover a transparência em sua cadeia de suprimentos. Todas as expectativas em relação aos fornecedores estão descritas no Código de Conduta e no Código de Padrões de Liderança da Nike", explicou a marca em contato com o UOL. "Desenvolvemos regularmente o nosso Código para aprimorar nossos padrões, que atendem ou excedem as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho. Nós também rastreamos e auditamos cuidadosamente a conformidade dos fornecedores, compartilhando informações detalhadas sobre seu desempenho no Relatório anual de impacto da Nike."
Desde 2005, a Nike compartilha publicamente sua lista internacional de fornecedores, em um mapa que pode ser pesquisado por país, tipo de produto e nome do fornecedor. Além disso, a Nike é integrante da Fair Labour Association, uma ONG internacional que promove leis trabalhistas, e membro de várias outras organizações da área, como como o Grupo de Liderança para Recrutamento Responsável (LGRR) do Instituto de Direitos Humanos e Negócios e a Iniciativa Trabalhista da Aliança de Negócios Responsáveis (RLI).
Atualmente, a Nike trabalha com seis fabricantes no Paquistão, todas na província do Punjabe. São quatro em Lahore, uma em Faisalabad e apenas uma em Sialkot: a Silver Star Enterprises, empresa que fabrica bolas de futebol, luvas de goleiro, mochilas e roupas esportivas.
Hoje, a OIT avalia de maneira positiva a indústria esportiva local. Segundo Syed Saghir Bukhari, que encabeça o escritório da agência no Paquistão, a SCCI (Câmara de Comércio e Indústria de Sialkot) "alega que não há trabalho infantil ou trabalhos forçados na indústria de artigos esportivos de Sialkot".
"(O escritório da OIT no Paquistão) está trabalhando em estreita colaboração com os constituintes tripartite e está apoiando seus esforços para promover práticas comerciais sustentáveis ??e responsáveis ??na indústria de artigos esportivos de Sialkot", informou Saghir por e-mail. A SCCI, por sua vez, não retornou os contatos.
Em seu site, a OIT lembra o lançamento, em agosto de 2015, de uma iniciativa financiada pelo Japão com o apoio da Federação dos Empregados do Paquistão (EFP) para fomentar práticas de responsabilidade social na indústria do país. Desde 2016, diversos eventos têm reunido indústrias e autoridades locais para assegurar determinados parâmetros trabalhistas e sanitários na produção esportiva local.
"Os esforços em Sialkot serão aprimorados no contexto de um acordo de parceria único entre o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio 2020 e a OIT. A parceria busca promover o trabalho decente, promovendo práticas trabalhistas socialmente responsáveis ??entre os parceiros de entrega dos Jogos, com base nas orientações fornecidas pela Declaração de Empresas Multinacionais da OIT. A parceria incentivará as empresas a desempenhar um papel positivo na promoção do trabalho decente para alcançar o desenvolvimento sustentável até 2020", informa o site da OIT.