Fora da caixa

Conheça Paulo Pezzolano, o uruguaio eleito por Ronaldo para tentar tirar o Cruzeiro da Série B

Lohanna Lima Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte Thomas Santos/Staff Images

Desde muito jovem, o uruguaio Paulo Pezzolano precisou crer em suas convicções para alcançar os objetivos traçados. Como jogador e treinador teve que remar contra a maré da cultura uruguaia em relação ao futebol, que valorizava muito mais a força e a disputa física do que um modelo de jogo com maior variação.

Quando jovem, foi dispensado da base do Peñarol por não ser nem alto nem forte o suficiente. Em seu início como técnico, ouviu da torcida do Liverpool-URU que o time não era o Barcelona. Na cabeça dos torcedores, ele precisava fazer o simples, mas não fez.

Pezzolano, 39, manteve suas crenças e foram elas que o levaram a ser convidado para treinar o Cruzeiro, na gestão de Ronaldo, em busca do grande objetivo do clube na temporada: o acesso à Série A do Campeonato Brasileiro. Após oito rodadas, a Raposa vai a campo hoje contra o Criciúma, às 21h30, como líder do campeonato, três pontos à frente do Bahia e com seis pontos de folga para o quinto colocado —somente os quatro primeiros garantem a promoção.

O ex-atacante e empresário espera de suas equipes —inclua aqui o Real Valladolid-ESP, a busca pelo domínio do jogo, e é dessa forma que Pezzolano pensa e vive o futebol. Para uma missão em que nomes consagrados como Felipão e Vanderlei Luxemburgo falharam, a aposta do Fenômeno, então, tinha de ser em alguém que se habituou a pensar fora da caixa.

Thomas Santos/Staff Images

Guardiola marcou um antes e um depois. Eu gostava muito da superioridade que ele tinha em cima das equipes. Ele ganhava, perdia ou empatava, mas era superior ao rival, fosse a equipe que fosse. Isso me marcou muito. E sempre falava com meu pai: para ser alguma coisa, você tem que fazer coisas diferentes. Por exemplo a saída com o goleiro. Aqui fazemos com o Cabral. Gosto do que dizem ser correr risco. Fui fazendo e fui ficando cada vez mais convencido de que era o caminho certo para ser um pouco mais diferente.

Paulo Pezzolano, em entrevista exclusiva

Estou convencido e não vou trocar minha maneira de jogar, por considerar essa a maneira mais fácil de chegar à vitória. Quando esse caminho se consolida, você alcança coisas muito mais fortes que simplesmente só ganhar. Obviamente, ganhar é o mais importante. Eu, como treinador, sei disso muito bem e até agora eu tive sorte. Eu sou um treinador novo. Em todas as equipes em que estive, conseguimos os objetivos básicos e reais. Se eu for ver tudo o que pensam, eu fico louco.

Pezzolano, ao UOL Esporte

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Bem-vindo a um gigante (precisando de ajuda)

Pezzolano está em sua sexta temporada como treinador, com apenas 39 anos de idade. Antes de chegar ao Cruzeiro, ele comandou dois clubes em seu país (Torque e Liverpool) e depois assumiu o Pachuca.

Antes dele, o Cruzeiro teve seis técnicos desde a queda à Segundona em 2019, entre eles campeões como Luiz Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo. Com apenas um semestre, Pezzolano conseguiu feitos que nenhum outro antecessor conseguiu: classificou o time para a final do Estadual, para as oitavas da Copa do Brasil, conseguiu entrar no G4 pela primeira vez após 83 rodadas e hoje é o líder da competição.

Ser novo e chegar depois do Luxemburgo é um desafio lindo. Porque a presença de Luxemburgo já marca muito para os jogadores, e você não é ninguém. Ninguém te conhece. Eu não fico olhando muito para o passado, para o que tinha antes de mim no Cruzeiro. Na minha vida, olho para trás para melhorar o que fiz mal ou melhorar ainda mais algo que talvez estivesse bom. O antes faz parte da história."

O que significaria subir com o Cruzeiro?

Seria espetacular como treinador e por toda alegria que traríamos para quem hoje trabalha aqui dentro. O torcedor eu via carente de ver um time aguerrido, de ganhar. Então seria uma alegria imensa. Individualmente, eu cresceria no trabalho. Não penso só na vitória, mas no caminho a que posso chegar com elas. Hoje, eu vou ser um bom treinador se fizer as coisas corretas para que os jogadores cresçam a cada rodada. Não fico pensando lá no final, em sair campeão. Se melhoro o dia a dia, sem dúvidas o Cruzeiro vai chegar à Primeira Divisão. É assim que eu penso.

Pezzolano

Thomas Santos/Staff Images Thomas Santos/Staff Images

'Liverpool não é Barcelona'

Pezzolano começou a estudar para ser treinador quando ainda defendia o Liverpool-URU como jogador. Ele se transferiu para o Montevideo City Torque, onde pendurou as chuteiras e imediatamente se lançou como técnico, sem tempo para uma transição maior.

"Fui treinador e jogador em um momento no Torque. Um jogo apenas. Faltavam cinco jogos para finalizar o campeonato, mas eu fui a um jogo só como treinador e jogador para me aposentar dentro do campo porque eu achava uma falta de respeito com os companheiros treinar e jogar ao mesmo tempo", explicou.

Depois de se destacar como treinador no Torque, vem a chance de treinar o clube por onde jogou e conquistou o carinho do torcedor. No entanto, seu estilo de jogo ofensivo não agradou à torcida do Liverpool de início, que chegou a gritar para Pezzolano que "o time não era o Barcelona".

"Eu fui capitão do Liverppol alguns anos e quando sou treinador, tento mudar a maneira de jogar. Sempre jogavam no 4-4-2, marcando no bloco baixo, bola parada, e nunca havia conseguido algo grande no Campeonato Uruguaio. Começamos a fazer algo diferente, mas não era fácil, porque o time estava na zona de rebaixamento. Pensavam só que tínhamos que somar pontos e jogar fechado, então fomos trocando essa mentalidade."

O Liverpool terminou a competição na quinta colocação.

Dante Fernandez/LatinContent via Getty Images
Pezzolano, nos tempos de jogador do Liverpool-URU, em 2012

Muito baixinho para o Peñarol

Agora vamos voltar um pouco no tempo. Se as ideias de Pezzolano como técnico foram questionadas de primeira, pensem que o início de carreira foi ainda mais peculiar.

Com uma família apaixonada por futebol, Pezzolano, que é natural de Montevidéu, esteve às voltas com o esporte desde criança. Aos domingos era comum que a casa se enchesse para acompanhar partidas de clubes locais e da seleção uruguaia.

Pelos bairros, Pezzolano foi se moldando como jogador junto com outros jovens até que chegou às categorias de base do Peñarol, onde teve a sua primeira frustração ao ser dispensado. Na sequência, começou a jogar pelo modesto Rentistas em uma rápida ascensão que o fez realizar o sonho de se tornar profissional, em 2001.

"Eu jogava na base do Peñarol, e eles me dispensaram porque eu era muito baixo. Na base do Peñarol você tinha que ser forte e muito grande. Fui ao Rentistas, um clube pequeno do Uruguai, e com seis meses já estava na primeira divisão. Aí mudou tudo. Fiz pré-temporada com a primeira divisão e começou o caminho de ser jogador profissional. Foi muito rápido, mas eu sabia que ia chegar e fazia tudo para isso", relembrou.

Para constar, o meio-campista depois daria uma boa espichada, batendo 1,85m de altura. Seis anos depois de se profissionalizar, ele enfim jogaria pelo Peñarol.

Hector Vivas/Getty Images Hector Vivas/Getty Images

Primeira transferência: o Athletico-PR vice-campeão da Libertadores

Antes de jogar por um dos maiores clubes do futebol sul-americano, porém, Pezzolano foi contratado pela primeira vez por um clube brasileiro. Após cinco temporadas no Rentistas, o meia se transferiu para o Athletico-PR. O jogador era empresariado por Juan Figer, um dos agentes mais influentes de sua época, que morreu em 31 de dezembro de 2021.

A verdade é que foi uma mudança brusca para o uruguaio —ele deixou um clube muito pequeno do Uruguai para desembarcar no time que havia acabado de ser vice-campeão da Libertadores de 2005. Ele foi contratado em setembro, mas só foi estrear em janeiro de 2006. Meses depois, ele voltaria para o Uruguai, para jogar pelo Defensor Sporting.

Acabei sendo artilheiro no Rentistas, tinha algumas propostas, e Figer me levou para o Athletico-PR. E eu chego uma semana depois de o time ser vice da Libertadores. Demorei muito a jogar, mas era um sonho sair. Foi difícil porque eu era meia pela esquerda, e os melhores nessa posição eram e seguem sendo os brasileiros. Mas fiz muitos amigos, tive um bom treinador [Antônio Lopes] e bons companheiros, como Paulo André e Dagoberto. Foi uma experiência muito boa."

Stuart MacFarlane/Arsenal FC via Getty Images

Cinco países e uma conclusão: 'Não tinha qualidade para jogar na Europa'

Foram 15 anos no futebol com passagens por cinco países diferentes. Pezzolano atuou pelo Rentistas, Athletico-PR, Defensor Sporting (URU), Liverpool (URU), Mallorca (ESP), Hangzou Nabel (CHI —na foto), Necaxa (MEX) e Torque (URU). Apesar do período que passou no Mallorca, Pezzolano é realista ao dizer que não tinha qualidade o suficiente para jogar em alto nível na Europa.

"Tecnicamente eu não era ruim, mas eu não tinha qualidade para ir à Europa, sendo sincero. Eu até joguei na Europa, estive no Mallorca. Às vezes você tem que deixar mais do que pode. Quando cheguei ao Brasil tinha muita qualidade nos jogadores, tentei muito e com certeza deixei mais do que podia", contou.

Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Relação com Paulo André nos gramados gerou oportunidade

Espere aí: Paulo André? Pois é, o xará, ex-zagueiro, e Pezzolano foram companheiros no Athletico e mal sabiam que teriam seus caminhos cruzados após mais de 15 temporadas. Foram longos anos sem contato, mas o caminho seguido por ambos após a aposentadoria dos gramados fez com que eles voltassem a se falar.

Em 2020 quando ainda era diretor de futebol do Athletico, Paulo André tentou levar Pezzolano para comandar o sub-20 do clube paranaense. No entanto, o treinador preferiu seguir com o projeto que vinha desenvolvendo no Pachuca-MEX, onde trabalhou de 2019 a 2021. Paulo André, então, saiu do clube paranaense e passou a trabalhar como um executivo no grupo empresarial de Ronaldo, supervisionando a operação cruzeirense.

"Éramos bons companheiros. Ficamos muito tempo sem falar. Quando ele se tornou diretor do Athletico, começou a ver jogadores, treinadores, e viu que estava treinando. Depois, já quando estava com o Cruzeiro, foi uma alegria enorme quando me chamaram. 'Ele e Pedro Martins [diretor de futebol] queriam conhecer a metodologia para ver se encaixava com o que eles pensavam para o time", afirmou.

"Começamos a falar de futebol, comissão e como trabalhávamos. Tive o contato do Cruzeiro e de outras equipes, mas gostamos muito quando falamos pois estávamos alinhados, e isso para um treinador é importante."

Thomas Santos/Staff Images Thomas Santos/Staff Images

Uma torcida Pezzolanizada

Se chegou desconhecido à Toca da Raposa, hoje Pezzolano predomina o pensamento dos cruzeirenses, sonhando com a volta à elite, praticando bom futebol, após dois anos na fossa. Recentemente, a torcida do Cruzeiro começou a se autorreferir como "pezzolanizados", para demonstrar apoio e contentamento com o trabalho do treinador. No início, ele não entendia muito bem o termo, mas aos poucos foi conseguindo chegar próximo do significado em espanhol.

"Quer dizer que estão contentes, né? Em espanhol seria 'pezzolaneta'. É como se estivessem todos juntos comigo. Não sei se é isso. Eu fico feliz, o torcedor está carente de resultados. Ainda anão consegui nada para o Cruzeiro, que tem uma história gigante. Deixar tudo dentro do campo é o que podemos fazer. Eu espero que eles continuem conosco até que consigamos o nosso grande objetivo", projetou.

O torcedor entrou tanto no clima, que passou a fazer uma campanha bem-humorada na internet. Sempre que alguém elogia Pezzolano, os torcedores celestes vão às redes falar mal do treinador. O motivo? Evitar que ele chame atenção de outros clubes.

"Hoje trabalhamos aqui no Cruzeiro e também queremos o melhor, então se o melhor é falar mal do treinador, então vamos embora e falar mal do treinador, pois é verdade. Pode falar tranquilamente, não tem problema", divertiu-se.

Staff Images Staff Images

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