Percalços da vida

Depois de lesões graves e passagens breves por grandes, Ytalo se acha como "homem-gol" da sensação Bragantino

Eder Traskini Do UOL, em Santos (SP) Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. E no meio do outro caminho também, mais do que uma, na verdade. Substitua o obstáculo citado nos clássicos versos de Drummond por "lesão" e você vai ter um bom resumo do que foi a carreira do centroavante Ytalo, do Red Bull Bragantino.

Aos 15 anos, o atacante já experimentava um grande susto: uma vértebra que saiu do lugar, tirando provisoriamente o movimento das pernas. Era só a primeira provação do atacante. Anos mais tarde veio uma grave lesão no ligamento do joelho.

A carreira enfim engrenou no Audax em 2016, em experimento ousado do técnico Fernando Diniz, e o atleta em seguida assinou com o São Paulo. No entanto, no Morumbi, não demorou a ver repetida o mesmo grave problema de joelho. Como se não bastasse, dois anos mais tarde ainda quebraria o pé atuando pelo Linense.

"Fomos passando pelos percalços da vida. Sempre fui assim: caí e levantei", disse Ytalo em entrevista ao UOL Esporte, ao olhar em retrospectiva para sua trajetória.

Pois é, o centroavante aprendeu meio na marra como se levantar e hoje, com sua coleção de cicatrizes, é o artilheiro de uma das equipes de maior destaque da temporada, com 9 gols marcados no Brasileirão. Com o Red Bull Bragantino, entre os primeiros colocados da Série A e na decisão da Copa Sul-Americana, Ytalo quer fazer valer a pena seu caminho de tantas pedras.

Ari Ferreira/Red Bull Bragantino
Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

O ranzinza de Bragança Paulista

Hoje com 33 anos, Ytalo é um dos "tiozões" do jovem elenco do Bragantino, num grupo em que só ele e outros três atletas têm mais de 27 anos. No vestiário, o apelido dado pelos garotos é autoexplicativo: ranzinza.

"Os meninos brincam, chamam de ranzinza porque eu sou muito chato dentro de campo, estou sempre cobrando muito taticamente para o time estar bem certinho, defender baixo, marcar pressão. Mas é pro bem deles e pro meu também, o time tem que estar certinho para correr certo e ter fôlego para poder atacar" contou.

Não é só a experiência que confere ao atacante moral para cobrar os demais. Ytalo é titular e um dos artilheiros, com 16 gols no ano, de uma das sensações do futebol brasileiro na temporada. Um time que conta com poderio financeiro para buscar jovens de qualidade, mas que confia a função de "fazedor de gols" ao "tiozão".

"Tento passar para eles (jovens) que nada é fácil, apesar de eles estarem em um clube excelente, que está se consolidando como um dos maiores do país. É conversando e tentando fazer com que o time jogue. E dentro de campo é fazer o nosso também, correr bastante para ter espaço em um elenco tão jovem."

Ari Ferreira/Red Bull Bragantino Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

O chamado do touro

O telefonema veio direto de Thiago Scuro, homem forte da operação do Red Bull no Brasil. Ytalo ainda tentava se levantar da última pedra em seu caminho: o pé quebrado enquanto atuava pelo Linense, no Paulista.

"O Thiago (Scuro) me ligou para terminar o tratamento aqui - estava fazendo particular em São Paulo. Consegui recuperar meu futebol, venho fazendo muitos gols e ajudando minha equipe."

A trajetória começou no Red Bull Brasil passou pelo Bragantino e, agora, pelo Red Bull Bragantino. Se os nomes, sedes e estádios mudaram, uma coisa se manteve constante: o faro de gol de Ytalo. Desde que chegou ao projeto Red Bull, e passou a levar o "touro" no peito, foram 157 jogos e 53 gols.

"Eu sei do meu potencial desde quando era menino, sempre fui artilheiro dos campeonatos que jogava, mas não esperava que fosse viver esse melhor momento depois dos 30 anos."

O maior feito, porém, ainda pode estar por vir: o título da Copa Sul-Americana em final contra o Athletico-PR, marcada para 20 de novembro no Uruguai.

Cada fase que passávamos tirava um peso porque era a primeira vez disputando a Sul-Americana. Quando o peso sai, a gente consegue desenvolver nosso futebol dentro de campo e conseguimos surpreender qualquer um.

Ytalo, centroavante, sobre a campanha do Bragantino no torneio da Conmebol

Eduardo Knapp/Folhapress

Da Série C para a Libertadores... com uma mãozinha de Diniz

A carreira de Ytalo começou a engrenar de fato em 2014, quando o centroavante se sagrou artilheiro da Série C atuando pelo Guaratinguetá. Depois, com a parceria entre o clube do interior e o Audax de Osasco, o atacante seguiu para a disputa do Paulistão com o time então dirigido por Fernando Diniz.

O desempenho na elite estadual chamou atenção do Athletico-PR, e Ytalo disputou o Brasileirão de 2015 pelo clube do Paraná. O sucesso, no entanto, estava reservado para o ano seguinte.

"Fizemos um grande campeonato que podíamos ter saído campeões", recorda sobre a campanha do vice paulista em 2016, com derrota na final contra o Santos.

"Fui para o São Paulo e foi uma passagem boa pra mim. Apesar de jogar poucos jogos, disputei Libertadores. Joguei muitas vezes fora de posição, porque o Calleri estava fazendo um grande ano. Quando consegui jogar na minha posição, machuquei o joelho. Acho que deixei boa impressão no São Paulo em termos de dedicação e essas coisas que a torcida cobra muito. Quem lembra de mim tem um carinho grande, recebo algumas mensagens."

A lesão no joelho foi séria, e o Tricolor não renovou com o centroavante. Ytalo foi parar no CRB para disputar a Série B antes de tentar a sorte em um mercado inusitado na Europa.

Julia Chequer/Folhapress

"Quando eu cheguei, estava em um momento muito importante. Semifinal de Libertadores (2016), que fazia um tempo que não chegava. O ambiente era normal, conversava e me dava bem com todo mundo. Mas acho que é como todo mundo fala, acho que o São Paulo parou um pouco no tempo em termos de organização ali dentro. Espero que um dia eles possam voltar para brigar por títulos, junto com a gente agora, mas que a gente seja campeão. Que possa voltar a ser o São Paulo que era antes, brigando por título. Acho que, quanto mais adversários fortes no Campeonato Brasileiro, é melhor para todo mundo."

Mike Kireev/NurPhoto via Getty Images

Expedição Macedônia

Depois de estrear numa Libertadores, Ytalo recebeu convite para jogar pelo Vardar, da Macedônia. "Falei: vamos aventurar, é experiência para carreira, vai que dá certo? Era um dinheiro bom também. Mas não fiquei muito tempo, só cinco meses. Tinham combinado pagar a cada seis meses, mas o dinheiro não caía. Dois meses depois eu tinha uma audiência com meus filhos em São Paulo e acabei ficando", contou. Foram só 12 jogos, sendo cinco na Liga Europa, contra Real Sociedad, Zenit e Rosenborg - quando marcou o gol do 1 a 1. Demorou, mas três meses depois recebeu o dinheiro prometido.

Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

Duas calças e dois casacos

A Macedônia não foi a única experiência frustrada de Ytalo no exterior. Aos 18 anos, ele foi negociado pelo Corinthians-AL com o Marítimo, de Portugal. Mas o sonho de deixar um clube humilde para jogar na Europa virou pesadelo já no começo. "Me disseram que era empréstimo de dois anos e, se eu fosse bem, renovaria por mais três, mas nunca falaram em dar dinheiro ou algo assim. Lembro que quando saí do Corinthians, me deram duas calças jeans e dois casacos para viajar, entrei no avião e fui sozinho. Quando cheguei, o salário era mais baixo do que tinham falado. E tive que continuar, já estava lá", lembrou.

Perdi um pouco o foco de ser jogador por esses problemas. Depois de quatro anos e meio vim para o Inter, tive um ano bom no Inter B, renovei empréstimo, e o Inter queria comprar, mas o clube de Portugal não quis vender pelo valor que ofereceram. E aí fomos passando pelos percalços da vida. Sempre fui assim: caí e levantei, e vai ser sempre assim, tanto na vida quanto no futebol.

Ytalo, centroavante do Red Bull Bragantino

Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

O susto grande aos 15 anos: "a perna não funcionava"

A carreira do centroavante do Red Bull só começou de fato por insistência do dono do Corinthians-AL. Mas, aos 15 anos, Ytalo deslocou uma vértebra e chegou a perder o movimento das pernas. Foram seis meses de recuperação intensiva, mas o jogador já queria desistir do futebol no primeiro mês.

"A vértebra saiu do lugar. Dizem que foi excesso de treinamento. Na época eu era infantil, mas treinava com eles, depois com o juvenil, outro dia pelo júnior, depois com profissional, e assim ia... Nunca tinha férias, acabei até saindo da escola porque não tinha tempo para estudar. Foi estresse, cansaço mesmo."

"Deu uma dor na coluna do nada, cheguei em casa, tirei o chinelo e a perna não funcionava. Fiquei um dia sem mexer as pernas. Fiquei seis meses em tratamento: manhã, tarde e piscina de noite. Falei que ia desistir do futebol depois de um mês, mas o dono do Corinthians foi me buscar em casa e voltei. Até hoje sinto um pouco as costas, mas por esse problema, não pela idade! (risos)."

Ytalo não desistiu do futebol, e o futebol, por mais percalços que tenha colocado em sua vida, tem oferecido recompensas ao goleador.

Hoje, carregando nas costas todas as pedras que encontrou no caminho, o centroavante está a um jogo de escrever seu nome da história do Red Bull Bragantino, com a proximidade do título na Copa Sul-Americana. Uma taça para arrancar um sorriso até do mais ranzinza do time de Bragança Paulista.

Ari Ferreira/Red Bull Bragantino Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

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