A possibilidade de uma mulher trans disputar competições femininas é fenômeno recente, decorrente de duas medidas independentes e paralelas.
Em 1º de março de 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275 e entendeu que a cirurgia de redesignação sexual não é obrigatória para a alteração de nome e gênero no assento de registro civil — em outras palavras, no caso de uma mulher trans, não é preciso modificar o órgão genital para ter o gênero feminino no documento de identidade. Se antes era necessário um processo judiciário longo, custoso e humilhante, que no fim dependia do julgamento subjetivo, e muitas vezes preconceituoso, de um juiz, agora isso pode ser feito em qualquer cartório.
Antes, no início de 2016, o Comitê Olímpico Internacional (COI) divulgou as diretrizes para participação de atletas transgênero em competições esportivas, que passou a valer como regra para a Olimpíada e como recomendação para outros eventos, abrindo mão de qualquer exigência de cirurgia. A mulher trans precisa declarar identidade de gênero feminina e, durante 12 meses, apresentar exames com proporção de testosterona no sangue abaixo de 10 nmol/L, mantendo esse nível ao longo de sua carreira esportiva a partir dali.
Quando Tiffany Abreu, a única mulher trans atuando em uma liga feminina profissional no esporte brasileiro, foi contratada pelo Vôlei Bauru, há três anos, a ex-jogadora Ana Paula Henkel enviou carta ao COI fazendo lobby contra a autorização. Escreveu que "treinadores no Brasil e na Itália já relatam que agentes estão oferecendo atletas trans que já podem competir no vôlei feminino". No começo de 2019, espalhou boato que existiam, naquele momento, nove pedidos à Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) para mulheres trans jogarem a Superliga.
É verdade que a sociedade relega, há anos, as pessoas transexuais à invisibilidade. Mas, na restrita comunidade de mulheres trans que sacam, cortam, levantam e defendem, nunca se soube de nenhuma outra atleta que tenha sido ao menos convidada a se profissionalizar. A CBV também sempre negou que tenha recebido qualquer pedido de registro.