A grande janela é a minha companheira há dias. Generosa, ela me apresenta dezenas de paisagens que desfilam por Brasil e Peru, do cerrado à Amazônia, da Cordilheira dos Andes ao Deserto de Huacachina. O vidro gelado serve ainda como um refresco no momento em que curvo minha cabeça para o lado direito, como se ali tivesse um travesseiro. Virou hábito.
À esquerda, meus vizinhos são dois flamenguistas. Outro torcedor do time rubro-negro está sentado à minha frente. Atrás da minha poltrona, um cozinheiro peruano carrega a experiência adquirida no Brasil de volta para casa. Fazem parte da cena mais dois torcedores, além de outro cidadão peruano e quatro profissionais de mídia que, assim como eu, estão trabalhando na cobertura do "evento".
Preenchemos, assim, 12 concorridas poltronas do piso inferior de um ônibus que percorre de forma épica o trajeto entre o Rio de Janeiro e Lima, capital do Peru. O acanhado espaço é sala, cozinha, dormitório. É também lugar de conversa, festa, aflição, esperança e divergência. Ali, pessoas desconhecidas convivem 24 horas por dia, um dia atrás do outro. Na parte de cima do veículo, mais 38 pessoas, entre flamenguistas e viajantes, seguem o mesmo roteiro.
Na poltrona 53, forrada por um couro já surrado, durmo pouco, escrevo matérias, faço contas e entrevistas, analiso mapas, planejo o dia, rezo por um "fio" de internet a fim de manter conexão com meus editores. Não é fácil. Engana-se quem pensa que a situação dos torcedores é mais razoável. Não basta vencer o cansaço moldado por refeições apressadas, banho breve em locais precários e falta de posição para dormir.
É preciso conviver com a saudade das pessoas deixadas para trás tão abruptamente e, ainda, lidar com a ansiedade de um jogo histórico. A final da Libertadores entre Flamengo e River Plate é a responsável pela saga. E eu, Diego Salgado, repórter do UOL Esporte, conto nesta espécie de diário como o veículo com 19 torcedores do Flamengo atravessou a América do Sul, do Atlântico ao Pacífico, até o palco da decisão, em 145 horas na estrada, em uma das viagens de ônibus mais longas do mundo.