"Vejo um ódio absurdo"

Um ano depois de assumir publicamente que é homossexual, Diego Hypolito ainda aprende a lidar com as emoções

Demétrio Vecchioli Colaboração para o UOL, em São Paulo Zanone Fraissat/Folhapress

Pouco mais de um ano depois de ter assumido publicamente que é homossexual, em relato ao projeto Minha História, do UOL, Diego Hypolito ainda aprende a lidar com o turbilhão de emoções vividos desde então. Não só porque anunciou aposentadoria como ginasta, estreou como comentarista esportivo, viu renascer e morrer o sonho de mais uma Olimpíada e lançou um livro.

Nesses 13 meses, conheceu o carinho daqueles que se solidarizaram com sua história, serviu de conselheiro para tantos que se inspiraram em sua coragem, mas também precisou lidar com ódio. Não só da parcela da população brasileira que insiste em não aceitar os homossexuais, mas também de parte da própria comunidade LBGTI+, que se voltou contra ele após uma foto com o presidente Jair Bolsonaro.

"Existe um ódio nas pessoas, que faz elas estarem sempre preparadas para te atacar. Eu vejo um ódio muito absurdo contra o gay, contra muitos tipos de pessoas. A gente deveria viver muito em harmonia. Eu olho essas coisas e fico pensando: o que leva a gente a ter um lado que sempre quer criticar sem ser construtivamente? Quando a pessoa vomita a crítica, ela não tem noção de como isso reflete", diz.

Criticado pelo encontro com o presidente da República, Diego lamenta a forma como foi atacado nas redes sociais, mas afirma que não vai mudar a política de responder sempre gentilmente, com amor. Nesta entrevista ao UOL Esporte, o agora ex-ginasta pede desculpas aqueles que se ofenderam com o gesto.

Zanone Fraissat/Folhapress
Lucas Lima/UOL

Minha História: Diego Hypolito

"Queria falar uma coisa para você". Eu tinha 19 anos quando mandei essa mensagem para o celular do Michel Conceição, no quarto que a gente dividia no alojamento da seleção brasileira em Curitiba. Eu estava na cama de cima do nosso beliche, Michel estava embaixo. "Eu já sei o que é", ele mandou. Meu coração gelou. Mas segui em frente. "Eu acho que sou gay..." Lembrando assim soa engraçado. Eu acho?! Mas foi nessa época que comecei a ter certeza do que eu era...

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O encontro com Bolsonaro

Diego Hypolito acordou na manhã do dia 21 de novembro sendo, nas suas palavras, "bombardeado" nas redes sociais. No dia anterior, havia estado em Brasília para um encontro com a primeira-dama Michelle Bolsonaro e, segundo conta, foi convidado a se reunir também com o presidente.

O encontro foi tornado público por Bolsonaro, que publicou foto abraçado com Diego, os dois posando para a câmera. Logo o ginasta foi criticado como um apoiador do presidente, o que ele diz não ser.

"Eu não concordo com as ideias que ele propaga, de falar da maneira como fala, mas ele é presidente da República. Ele me convidou para uma reunião que eu acreditava que seria em benefício ao esporte e acho que esse é meu dever. Se você me perguntar se concordo com os pronunciamentos dele, é obvio que não concordo com absolutamente nada que vem acontecendo, mas não tenho como apagar uma foto que foi tirada", justifica.

Segundo Diego, o encontro seria com a primeira-dama, com quem o ex-ginasta compartilha a fé cristã. "Envolve a minha religião, envolve a minha crença. A Michelle é uma cristã, ela segue coisas muito similares às que eu sigo", explica.

Ele lembra, ressaltando que "não justifica" a foto com Bolsonaro, que também já posou com Lula, Dilma, Temer e FHC. "Eu não tenho como torcer contra o país. Quando ele foi eleito, óbvio que eu torci pelo governo dele. Ele não foi eleito pelo Diego, foi pela urna. Eu não tenho nada a ver com isso. As pessoas passaram a me atacar como se eu fosse o presidente da República."

Reprodução/Instagram Reprodução/Instagram

Agressão em festa

Os dias seguintes foram dos mais duros da vida de Diego. Apenas cinco dias depois de posar com o presidente, ele foi a uma balada gay de São Paulo ligada ao meio artístico da cidade. Foi duramente vaiado pelos frequentadores, que gritavam "Fora Bolsonaro".

Agora, o ex-ginasta diz que entende por que foi criticado. "Sei que, indiretamente, ofendi pessoas sem saber que estava ofendendo. Jamais vou fazer com intuito de magoar uma pessoa. Nunca saí de casa para ir para a Olimpíada pensando que vou cair de bunda, que vou cair de cara. A gente sai de casa pensando em acertar", explica.

"A qualquer pessoa que eu tenha magoado indiretamente, quero que essa pessoa entenda que jamais quero ofender alguém. Se alguém se sentiu ofendido, peço desculpas", diz.

Após o episódio, Diego se apegou à igreja. "Eu foquei em tentar ficar bem comigo mesmo, ir para igreja. Foi ótimo que comecei a ir para igreja sempre, todas as quintas e domingos, ler a bíblia, e acho que me tornei um pouco mais calmo. aprendi com isso tudo a colocar minha cabeça no lugar. Se você não coloca a cabeça no lugar, você enlouquece".

Greg Salibian/Folhapress

"Não sabia como reagir"

Diego admite que ficou perdido em meio às críticas. "Eu não sabia como reagir, porque não sou de me defender. Fiquei perdido. O que eu vou fazer numa situação como essa? Fiquei com medo porque eu não sou dono de verdade e a gente não pode simplesmente ser pela espada porque a pessoa não pensa como a gente. Minha reputação foi definida pelas pessoas, mas ninguém conhece meu caráter. Então, eu falei: 'vou me ausentar e esperar'."

A espera deu resultado. O ex-ginasta diz que nunca mais voltou à festa onde foi vaiado, mas que não teria problemas em retornar. "Sei que tem pessoas que ainda pensam da mesma maneira, mas estou fazendo o que me faz feliz. Não tô com medo mais. As pessoas voltaram a ser gentis comigo. O tempo era uma resposta."

Não só o tempo. Apesar das críticas recebidas, muitas delas ofensivas, cheias de ódio, Diego não mudou sua forma de se comportar. "Sempre que eu comento uma foto no Instagram, vai formar um grupo de pessoas me xingando embaixo. Eu sou super educado, com qualquer situação. Eu faço parte do movimento do amor. Eu acho que eu expus o que eu sou. Se tem pessoas que não me aceitaram, não tenho o que fazer. Eu só tenho como ser eu."

Diego Hypolito (Foto: Reprodução/Instagram)

"Se a gente amar o próximo, a gente vai respeitar"

O medalhista olímpico diz que jamais imaginou a dimensão que tomaria a publicação de um texto em primeira pessoa no UOL Esporte, em maio do ano passado, assumindo ser gay e contando o processo de descoberta e de aceitação de sua orientação sexual.

No entender dele, sexualidade, etnia e gênero não seriam pauta de discussão se a sociedade fosse mais "humanitária". Ele não se arrepende "nem um pouco" de ter contado publicamente sua história. Foi isso que permitiu que ele passasse a ajudar outras pessoas que estão na mesma situação na qual ele já esteve e que desde então o procuram por conselhos.

"Muitas pessoas que precisavam de um conselho me mandam mensagens. Eu tento aconselhar. Muitas pessoas entram em depressão porque não são aceitas. Muitas das pessoas que me procuram é porque a família rejeita, o amigo não entende, e acho que as pessoas não têm que entender absolutamente nada, só tem que respeitar. Nem a gente mesmo entende", afirma.

"Você vê que o mundo tá se acabando e as pessoas tão preocupadas com sexualidade. Acho muito feio. Se a pessoa se preocupasse com a vida dela, ela não estaria preocupada com a vida do outro. O que é certo e errado? Como quem sabe o que é errado? Se a gente amar o próximo, a gente vai respeitar."

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