Quem ama o Bragantino?

Investimento da Red Bull aumenta público do melhor time da Série B, mas faz torcedor ouvir: "time vendido".

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Ricardo Matsukawa/UOL

Bragantino é o caralho. Filha da puta, time de empresário.

Coloque-se no lugar de um torcedor do Bragantino: o seu time é tradicional no interior de São Paulo, foi campeão estadual em 1990, vice-campeão brasileiro no ano seguinte, teve Parreira e Luxemburgo como técnicos, revelou um monte de gente boa e, hoje, é o campeão da Série B a duas rodadas do fim do torneio. Aí você vai no estádio vê-lo jogar e não para de ouvir coisas assim de torcidas adversárias.

"Seu time acabou"

"Time vendido!"

Tudo porque em abril a empresa Red Bull assumiu a gestão do Bragantino, demitiu toda a comissão técnica (inclusive o histórico treinador Marcelo Veiga), segurou só quatro jogadores de um elenco de 26, deu roupa nova e repaginou o estádio. Do time que já deu orgulho a Bragança Paulista sobraram o nome, o símbolo e a torcida.

Mas se a torcida é a mesma, o que explica o Bragantino antes da parceria ter média de 2,2 mil torcedores por jogo no Campeonato Paulista e agora, com o touro vermelho no centro da camisa, esse número pular para quase 6 mil na Série B? Quem é o torcedor que tem ido aos jogos depois da entrada da Red Bull? O que o time que investirá R$ 200 milhões no futebol em 2020 fará para conquistar mais torcida?

O UOL Esporte viajou - literalmente - para tentar responder.

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"Não dava para trazer criança"

Antônio José e Vanessa vivem na zona rural de Bragança Paulista. O casal gosta de futebol, acompanha direto pela TV, mas não tinha o hábito de frequentar o estádio Nabi Abi Chedid por uma razão simples: eles não achavam que era um ambiente adequado para levar o filho João Lucas, de 12 anos. Agora, tudo mudou.

"Antes não dava para trazer criança no estádio. Você vinha assistir e o time perdia. Era torcedor xingando jogador o tempo todo, aquele clima ruim e pesado, negativo para as crianças verem. Esse ano o time está ganhando, é só festa, alegria da torcida, então começamos a vir", conta o pai.

João Lucas assistiu ao jogo de acesso à Série A (vitória por 3 a 1 sobre o Guarani, em 5/11) de pé na arquibancada, enquanto ouvia ao jogo no rádio do celular - parecia até torcedor veterano. Os pais levantavam pouco porque ao mesmo tempo cuidavam de Antony, o caçula, de apenas nove meses. O bebê já foi a pelo menos três jogos neste ano, sempre bem coberto por uma manta e amamentado no assento de concreto. É a legítima renovação da torcida.

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"Eu não estava vindo tanto aos jogos, mas neste ano fui até na caravana para Campinas contra a Ponte Preta, como única mulher entre os membros da "Fanáticos do Puleiro" [uma das maiores organizadas do Bragantino]. Está valendo a pena. Como mulher, não tem mais preconceito no estádio. Agora tem até as moças [stewards], que mostram banheiro, ajudam as outras mulheres. Está mais família. É o que acontece quando existe uma tendência mais profissional, isso motiva a juventude a ir. O torcedor vai entender o profissionalismo. Eu não sou uma torcedora do passado, eu sou uma torcedora do presente e do futuro."

Assunção Santos, torcedora do Bragantino

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A reconquista do torcedor

A "nova" torcida do Bragantino, que tem em média 5.976 pessoas por jogo na Série B do Brasileirão, não é formada só pelos novatos de arquibancada que gostaram do time em boa fase e passaram a frequentar o estádio. Há também os que foram resgatados. O eletricista Reginaldo José de Oliveira tem coleção de ingressos do Braga, são mais de 500. Ele até viajava para assistir alguns jogos fora de casa com a desculpa de visitar os irmãos no Paraná ou em Santa Catarina.

Porém as crises dentro e fora de campo o afastaram. No Campeonato Paulista desse ano, o time teve públicos de 503 (contra o Ituano) e 440 pessoas (o recorde negativo, diante do Novorizontino). Na Série C de 2018, em 11 jogos, só três passaram de mil presentes. Era uma torcida que tinha abandonado o seu time. Até que chegou a Red Bull.

Reginaldo conta que a parceria trouxe profissionalismo e disciplina ao clube e aos jogadores. Ele desanimava quando encontrava gente do elenco "caindo de bêbado" em festas na cidade. Agora isso não rola mais, ele fala. De "raiz", só a piada das antigas compartilhada quando pedimos que ele posasse para uma foto de costas, enrolado na bandeira do time: "Bragantino não fica de costas porque aqui é terra da linguiça."

O Bragantino está reconquistando o torcedor, recuperando credibilidade para voltar a ser grande.

Reginaldo José de Oliveira, torcedor do Bragantino de antigamente

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Tão perto e tão longe

Os amigos Guilherme e Rafael, de 9 e 7 anos, praticamente obrigam os pais Heriberto e Fábio a ir ao Nabi Abi Chedid. "O pessoal vem mais porque está ganhando. Mas não dá para reclamar, vai reclamar de quê? O time é forte, e os meninos querem entrar junto com os jogadores", diz Heriberto. O quadro é pior para Fábio e Rafael: eles moram em um apartamento na frente do estádio.

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Red Bull raiz

Márcio, de 20 anos, faz faculdade em São Paulo e tem ficado mais em Bragança neste ano para ver o Bragantino. A companhia mais frequente é do amigo Vinicius, dois anos mais novo, que usa com orgulho uma camisa azul do Red Bull Brasil, time da empresa antes da parceria com o Braga: "Ganhei de presente e gosto de usar. Essa camiseta é bonita, não é? Estamos vindo sempre."

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São-paulintino

É comum ver torcedores dos quatro grandes clubes do Estado nos arredores do estádio - algo normal no interior, mas ampliado com a boa fase. Eles entram ou à paisana ou com camisas de Braga ou Red Bull, pois mantos de outros times e até camisas de seleções que não sejam a do Brasil são vetadas. "O time merece a torcida, é uma diversão", conta o são-paulino Rodrigo Marques.

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Fábrica de ídolos

Cada toque de Claudinho na bola gera apreensão na arquibancada. Ele joga como ponta pela direita, gosta do drible e tem muita ousadia em campo. Então, suas jogadas terminam em chance de gol ou emoção. Com nove gols marcados e dez assistências, é símbolo do melhor ataque da Série B. Tem mais: seu jeito despojado, as brincadeiras no vestiário e a relação com torcedores no alambrado fizeram com que conquistasse o carinho do povo bragantino.

Já fizeram cartaz "Hoje Tem Gol do Claudinho", à la Gabigol, e teve até torcedor mirim com peruca imitando o cabelo afro. Ele é a cara da parceria, tanto que virou personagem de uma provocação ao Cruzeiro, clube que manifestou interesse nele.

O Bragantino publicou um vídeo em que Claudinho senta-se à mesa e recusa quando lhe oferecem comidas típicas de Minas Gerais, como pão de queijo e doce de leite. O jogador depois abre uma lata de energético e assina um papel. "Ir embora do Braga? Nada disso, uai! Claudinho assina esse trem e fica até 2023."

Mais do que um jogador importante em campo, Claudinho é visto como um ídolo, um símbolo deste "novo" Bragantino. O tratamento vem da Red Bull, marca que valoriza garotos-propaganda, a exemplo de Neymar. Você ainda verá muito o rosto de Claudinho.

Joao Vitor Rezende Borba/AGIF Joao Vitor Rezende Borba/AGIF

Na alegria e na tristeza

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Era 1, agora são 12

Fernandinho é torcedor do Bragantino. E só do Bragantino, cujo estádio frequenta não é de hoje. Ele é que apareceu com a peruca do Claudinho na semana passada e entrou em campo ao lado do ídolo como mascotinho. O pai confirma a paixão: "Trazia o Fernandinho ao estádio e só ele entrava com o time. Tinha 200 pessoas na torcida. Esse ano já cheguei a levar 12 amiguinhos dele." Aqui, ele ao lado de Guilherme (o mais alto) e Bryan.

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"O destino era acabar"

Pedro Luis Zanin frequenta jogos do Bragantino desde que tinha 10 anos, em 1958. Aos 72, continua indo às partidas, agora com Leandro, que aparece no estádio Nabi Abi Chedid ostentando uma camiseta estampada do Braga digna dos melhores momentos. "Tem que modernizar, torcedor quer time bom", diz o uniformizado. O mais velho completa: "É melhor ter a parceria, porque o destino era acabar. Agora tem investimento, é só alegria."

As médias de público

  • 5.976

    Do Bragantino (após parceria com a Red Bull) na Série B de 2019

  • 2.234

    Do Bragantino (sem parceria com a Red Bull) no Paulista de 2019

  • 2.875

    Do Red Bull Brasil (antes do Bragantino) no Paulista de 2019

  • 1.513

    Do Bragantino (sem parceria com a Red Bull) na Série C de 2018

Ricardo Matsukawa/UOL Ricardo Matsukawa/UOL
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O que vem pela frente?

A Red Bull patrocina os mais variados atletas (de Neymar a Pedro Scooby, passando por Leticia Bufoni e Caca Bueno), possui duas equipes de Fórmula 1, promove eventos de esportes radicais e investe no futebol há quase 15 anos. Hoje possui quatro times: RB Leipzig, na Alemanha, New York Red Bulls, nos Estados Unidos, Red Bull Salzburg, na Áustria, e o Red Bull Brasil, que foi fundado em 2007, é uma potência nas categorias de base, mas nunca passou da Quarta Divisão.

Foi dessa dificuldade que nasceu a ideia de assumir a gestão de um clube que pudesse chegar mais rápido à elite do Campeonato Brasileiro e, assim, dar exposição à marca e seus investimentos. O Bragantino, que havia acabado de subir para a Série B e não tinha perspectivas financeiras positivas para 2019, aceitou um acordo de R$ 50 milhões. Na prática, a Red Bull "comprou" uma vaga e uma torcida, e logo na primeira temporada conseguiu chegar à Primeira Divisão do país.

O contrato vale por dez anos, e isso significa que o controle do Bragantino passará cada vez mais às mãos da empresa de energéticos. Em 2020, o time se chamará Red Bull Bragantino, na elite do Paulista e do Brasileiro - FPF e CBF não veem irregularidades no negócio, com a condicional de que ele não pode estar na mesma divisão do Red Bull Brasil, de Campinas, que segue com suas operações.

Também há estudos sobre uma nova terceira camisa vermelha (o primeiro uniforme hoje é branco e o segundo, preto), além de intervenções no escudo e discussões sobre o mascote (o do Red Bull é um touro, do Bragantino, o leão). Tudo em fase de design, nada aprovado. Mas são novos desafios para a identidade do clube.

"Não vai mudar o símbolo, não. Vai? Ah, se mudar vai continuar sendo Bragantino", afirma o torcedor Leandro Alfano, 45.

O nome do estádio é o que não se mexe, tem o nome do pai do atual presidente, Marco Antonio Nassif Abi Chedid. O local só passará por reformas. E também há projeto de um novo centro de treinamento na região de Bragança. Investimentos em estrutura partirão do orçamento de R$ 200 milhões previsto para 2020.

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Modernização entre críticas

A chegada ao estádio Nabi Abi Chedid em dia de jogo do Bragantino é um suco de contraste.

Há uma imponente escultura de madeira maciça de um leão rugindo na frente da entrada principal, onde também funciona aquele restaurante que faz o tradicional lanche de linguiça da cidade. Na calçada, um pouco à frente, a Red Bull posiciona um carro com alto-falantes em elevadíssimo volume em que um DJ toca música eletrônica e pop. O velho e o novo no mesmo metro quadrado.

Dentro do estádio com arquitetura arcaica e algumas estruturas combalidas, há outras novidades: mais crianças e mulheres, "stewards" que impedem a proximidade do torcedor com a grade e com a arquibancada visitante, vendedores que anunciam "água, refrigerante e... Red Bull", distribuição de bexigas patrocinada por Marquinho Chedid, ingressos a R$ 5 na descoberta, gatilhos para o torcedor gritar com anúncios no sistema de som e até o coro "senta, senta" para quem torce de pé.

Quando eu soube que ia ter essa parceria foi um sentimento dividido. Fiquei feliz por fazer parte do elenco, mas triste ao mesmo tempo, porque tinha jogadores que gostariam de ter ficado e não ficaram. Mas quem manda é a diretoria, não a gente. É importante que o torcedor esteja apoiando. A gente se motiva mais, isso põe o time para frente. Eu tenho um carinho enorme pela torcida. Hoje o clima é muito bom, em casa somos muito fortes. Que em 2020 seja assim também

Wesley, Atacante do Bragantino, remanescente do elenco do Paulistão

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Na arquibancada, os torcedores respondem aos cantos de "time de empresário" com ideias muito simples: "Segue o líder!", "Primeira Divisão" e "Respeita Nóis".

Durante o jogo do acesso, a troca de ofensas durou os 90 minutos, e sempre com esse teor. Num momento em que o volume das torcidas baixou, algum bugrino mandou na lata. Deu pra ouvir: "Time vendido". O torcedor do Bragantino mais próximo da divisória ouviu e demorou a responder. Parecia pensar. Escolher palavras. Hesitar. Até que veio a inspiração: "Cala a boca, time falido!"

O Bragantino conviverá com ironias enquanto carregar a Red Bull na camisa. Nas arquibancadas e nas rodas de debate, discute-se o suposto ganho para o futebol brasileiro com a entrada de um clube-empresa com investimento forte às hipotéticas acusações de sucesso a todo custo, algo apoiado no fato do Red Bull nunca ter vencido a Série D e aparecer na B. Há quem tema pela perda de identidade do Braga. Mas há quem sorria com o time competitivo como há muito não se via. É um perde e ganha: entender os benefícios e conviver com as mudanças.

O sonho de ser o quinto clube de São Paulo agora tem asas.

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