Pantera ferida

Donizete fala de superação no título de 95, parceria com Túlio e mágoa com Botafogo: 'Fui barrado duas vezes'

Bruno Braz Do UOL, no Rio de Janeiro Mariana Sá / UOL

Osmar Donizete Cândido, o Donizete Pantera, só se assemelha ao felino na comemoração dos gols. Nada de medo ou intimidação.

Campeão brasileiro pelo Botafogo em 1995 e um dos destaques daquela campanha, ele carrega o Alvinegro no coração e sabe contar como ninguém os causos deste título, "rugindo" bom humor até para relembrar os momentos mais adversos.

O sorriso frouxo e característico só dão lugar às lágrimas quando relembra as dores que a "selva" do futebol proporciona na caminhada, com direito a portas fechadas e decepções. Mas nada que não faça Donizete lamber as feridas e seguir em frente naquilo que mais o caracteriza: o jeito leve de viver a vida.

Mariana Sá / UOL

É difícil você jogar toda a sua vida e, às vezes, não ser lembrado. Isso dói muito, não só em mim. Estou falando por muitos jogadores que gostariam de ter essa chance de se expressar, porque é dolorido. Você vê jogador hoje que não tem nem o que comer, não tem emprego. É uma vida de luxo que acaba em lixo. Essa é a pura verdade

Donizete Pantera, ao UOL

'Fui barrado na porta do Botafogo duas vezes'

Passados 28 anos do título brasileiro, Donizete segue com o amor pelo Botafogo intacto, assim como pelo Vasco, onde conquistou a Libertadores de 1998 — hoje, trabalha como comentarista na TV do clube. No caso do Alvinegro, porém, o Pantera não nega uma mágoa por dirigentes e funcionários pela forma como, segundo ele, foi tratado em duas oportunidades em que quis fazer uma visita e não conseguiu.

"Fui barrado na porta do Botafogo duas vezes. Fui lá para ver um treino, ver uma taça minha que eu dei para eles e falaram: 'não pode entrar'. Pô, a minha foto está ali no muro, sou o Donizete. 'Ah, mas peraí, deixa eu ver. Agora, não'. O Vasco é o clube que hoje está abrindo as portas para mim. Estou trabalhando na Vasco TV, mas, assim, é complicado, é doloroso, porque você ama o clube, né? Você passa ali, você dá o sangue ali", disse.

Segundo o ex-atacante, ele foi barrado por falta de autorização do Botafogo.

"A última vez que eu fui no Botafogo disseram: 'ah, não tem ninguém lá, não pode atender, não posso deixar passar e tal'. Então, falei 'obrigado', dei a volta e fui embora. Isso machuca muito", declarou Pantera, fazendo uma ressalva:

"Os clubes não tratam bem os ídolos. A torcida, sim. Os torcedores são muito gratos. Às vezes, você passa na rua, eles te dão aquele carinho, aquele abraço, agradecem pelo título que você deu e tal, mas os clubes..."

Mariana Sá / UOL

Queijo ou mariola

O título brasileiro de 1995 está na história e ninguém apaga. Mas quem vê fotos e vídeos de Donizete, Túlio Maravilha, Gonçalves e cia. erguendo a taça no Pacaembu — após o empate por 1 a 1 com o Santos — não imagina as poucas e boas que aquele grupo passou até vestir a faixa de campeão.

Foram meses de salários atrasados e até falta de campo para treinar em alguns momentos. Pantera, porém, preferiu olhar para o "copo meio cheio", adotando um lema curioso para incentivar o grupo: queijo ou mariola (também conhecida como bananada).

"Na verdade, a gente olhou para os dois lados da moeda. Eu falava para os caras: ou é queijo ou mariola. Você tem que lutar, tem que vencer. O clube estava passando um momento financeiro muito brabo, mas também, se tivéssemos fracassado dentro de campo, seria pior. A gente teria afundado ainda mais o clube e até mesmo a nossa carreira de jogador de futebol", avalia.

Para Donizete, o amor ao Botafogo e o apoio da torcida ao time foram fundamentais naquela campanha:

"Era um time muito vencedor. Uma galera que não olhava essas circunstâncias porque sabia que a gente estava ali por amor à camisa do Botafogo. Eu amo o Botafogo até hoje, e nós amávamos o clube. Víamos aqueles torcedores tão fantásticos que iam para o estádio nos abraçar, nos honrar em dia de chuva, de sol, não importava. Eles estavam nos glorificando, nos ajudando. Então, nosso combustível eram eles, os torcedores, e o amor ao Botafogo."

O Montenegro (presidente do Botafogo na época) é um cara maravilhoso, nem parecia que ele estava nos devendo (risos). Ele chegava lá, brincava com a gente... Víamos que não era falsidade, porque, para você administrar um clube, não é fácil, é complicado.

Donizete Pantera

'Profissão mais desunida que já vi'

Apesar de ter jogado por muitos clubes de expressão no Brasil, atuado no Japão e em Portugal — além de ser ídolo no futebol mexicano —, Donizete Pantera avalia que não pode se dar ao luxo de levar a vida como aposentado. Além de ser comentarista da Vasco TV, ele abriu uma empresa de agenciamento de jogadores junto com seus filhos.

"Hoje, você ganha muito bem. Graças a Deus, hoje você tem uma condição onde joga um ano, dois anos, e pode parar de jogar bola. Eu joguei 25 anos e até hoje tenho que trabalhar. Então, é uma situação muito difícil, mas era gostoso, prazeroso, porque era meu sonho. Desde os cinco, sete anos, dormia sempre com uma bola abraçada, era apaixonado por futebol, sou até hoje. E foi o que me levantou na minha vida", disse.

Mesmo querido por muitos e tendo a irreverência como uma marca registrada, Donizete tem uma visão dura sobre o ambiente do futebol:

"Jogador de futebol, cada um olha para o seu próprio pé. Ninguém dá moral para ninguém. Essa é a pura verdade. Eu joguei em vários clubes. Para mim, ter duas ou três amizades é muito. Depois, acabou o milho, acabou a pipoca. Ninguém fala mais nada. Não se pergunta como está o fulano, ciclano... É a profissão mais desunida que eu já vi. Por isso que se fala que futebol é individual. E é verdade. Quando você para de jogar, se não tiver uma estrutura familiar boa, o cara fica louco."

Passagens mais marcantes

  • Botafogo

    Donizete foi campeão carioca de 1990 e brasileiro de 1995. Também em 1995, ganhou a tradicional "Bola de Prata", da Revista Placar, entre os melhores da competição.

    Imagem: ArteUOL
  • Vasco

    Pantera foi campeão da Libertadores de 1998 tendo, inclusive, feito dois gols nas finais. Também conquistou o Campeonato Carioca de 1998 e o Torneio Rio-São Paulo de 1999.

    Imagem: Escudo do Vasco
  • Corinthians

    Após defender o Benfica, chegou ao Corinthians com a ajuda de um patrocinador do clube. Por lá, foi campeão paulista de 1997 antes de se transferir para o Vasco.

    Imagem: Reprodução
  • Cruzeiro

    Donizete teve passagem curiosa no Cruzeiro. Ele, juntamente com Bebeto e Gonçalves, foi contratado para atuar apenas na final do Mundial contra o Borussia Dortmund, onde perdeu por 2 a 0.

    Imagem: Reprodução
  • México

    Donizete se tornou ídolo no México atuando 6 anos no Tecos, quando conquistou o único título nacional da história do clube. Por lá, também jogou no Tigres.

    Imagem: Brasil Escola
  • Japão

    Pantera jogou no Verdy Kawasaki, do Japão, em 1996, logo após conquistar o Campeonato Brasileiro pelo Botafogo. Foi campeão da Copa Kirin.

    Imagem: Reprodução
  • Seleção brasileira

    Donizete defendeu a seleção brasileira em nove oportunidades, entre 1995 e 1998, e fez dois gols. Ele disputou a Copa Ouro e chegou a ser cotado para a Copa do Mundo de 1998.

    Imagem: Reprodução
  • Volta Redonda

    O Volta Redonda foi o clube que revelou Donizete. Natural da cidade que leva o mesmo nome, ele deixou o Voltaço em 1988 a caminho do São José, antes de desembarcar no Botafogo.

    Imagem: Reprodução
Site oficial do Botafogo

Parceria com Túlio: 'Meu irmão até hoje'

Donizete formou com Túlio Maravilha uma das duplas de ataque mais emblemáticas da história do Botafogo e do Campeonato Brasileiro. O Pantera se recorda do espanto que teve ao se deparar com a qualidade do artilheiro assim que chegou ao Alvinegro, após cinco anos no México.

"Eu chamo ele de Mara, é um cara incrível. Se eu for falar quem é o Túlio Maravilha, até me emociono, porque faltam palavras. Quando eu cheguei, falei assim: 'caraca, que jogador é esse!?'. Uma classe, uma qualidade, um jogador exemplar, vencedor."

Donizete destaca o espírito positivo do companheiro como outra qualidade a ser exaltada:

"Sempre pensando em positividade. Por mais que a dificuldade estivesse ali, ele falava: 'Pantera, nós vamos ganhar hoje, vamos fazer dois gols, confia em mim'. Estava sempre com o astral lá em cima. Nunca vi o Túlio cair, chorar, sempre muito sábio, sabia tudo que ia acontecer, parece que ele já estudava o espaço ali. É um cara que aprendi muito, meu irmão até hoje e sou muito grato a Deus por ter me dado a chance de ter jogado com o Túlio Maravilha."

Túlio ou Luizão?

Foi uma honra jogar com o Luizão no Vasco. Fiz uma matéria sobre a Libertadores de 1998 e vi o que o Luizão fez no futebol. O que ele fazia quando jogava era impressionante, é um atacante maravilhoso. Chuta bem, cabeceia bem, tem uma força maravilhosa, uma disposição... O cara é perfeito, mas no caso aí eu fico com o Túlio.

Donizete Pantera

Com o Túlio Maravilha, foram muitos jogos, e a gente nunca baixou nosso nível em campo. Acho que eu encaixei mais com o Túlio do que com o Luizão. Até porque eu e Luizão, naquela época de 1998, chegamos em um time muito certinho do Vasco. A gente entrou ali com o time já formado, encaixou e fomos para cima.

Donizete Pantera

Thiago Ribeiro/AGIF

O legado de Túlio em Tiquinho

Donizete está entusiasmado e confiante na campanha do Botafogo no atual Campeonato Brasileiro. O clube lidera de forma isolada e aponta como favorito a sair da fila após 28 anos. Mas, afinal de contas, nesta equipe existem jogadores que lembram Donizete Pantera e Túlio Maravilha?

"Eu acho que existe, sim. Acho que o Tiquinho é muito inteligente, como o Túlio. Acho que o Túlio está na frente do Tiquinho porque o Túlio é mais ágil, mais rápido. O Túlio bate muito bem com a esquerda e ele define muito bem, cabeceia bem. O Túlio era um jogador fantástico. Mas nessa característica que eu vejo do Botafogo, vejo o Tiquinho parecido com o Túlio e o Júnior Santos parecido um pouco comigo, porque é um cara forte, que vai para cima, não tem medo", declarou.

MASAO GOTO FILHO / Agência Estado

Semelhanças entre o Botafogo atual e o de 1995

Donizete Pantera apontou semelhanças entre o elenco atual e o time de 1995. Na avaliação do ex-atacante, a marcação, verticalidade e objetividade da equipe comandada por Bruno Lage são as principais características que se assemelham.

"Tem muita característica com a nossa equipe, porque é um time que marca bem e sai rápido para o ataque. E o nosso time era assim. O poder do Botafogo de 1995 era a marcação. O nosso time era muito fantástico, eu marcava muito. O cara que ficava no stand by um pouquinho era o Túlio, mas os demais jogadores eram aguerridos, a gente marcava muito forte", disse, complementando:

"E a nossa saída era muito rápida. Quando a gente dominava essa bola, saíamos em contra-ataque muito rápido. E outra coisa, o objetivo do Botafogo hoje é igual ao de 1995. Os caras focam o gol. O Botafogo joga para frente, é o objetivo do gol."

Sobre a possibilidade de título após quase três décadas, Donizete não fica em cima do muro:

"Não tenho dúvida que o Botafogo vai ser campeão."

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