Reencontro de ouro

Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

Paulo Favero Do UOL, em Paris CARL DE SOUZA/AFP

Em 2014, com apenas 16 anos, Duda e Ana Patrícia conquistaram a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos da Juventude, em Nanjing, na China. Dez anos depois, elas retornaram como parceiras ao maior palco do esporte para ganhar o ouro no vôlei de praia.

O sucesso da dupla já era visto na base. Duda, com sua inteligência fora do comum em quadra, sempre à frente das adversárias, e Ana Patrícia, com sua garra e bloqueios precisos. Foi assim que foram bicampeãs mundiais sub-21, em 2016, na Suíça, e repetiram a dose em 2017, na China.

Só que o projeto de carreira coletivo delas teve uma interrupção. Duda disputou os Jogos de Tóquio ao lado da experiente Ágatha, prata nas Olimpíadas do Rio, enquanto Ana Patrícia foi para o Japão com Rebecca. Ninguém chegou perto do pódio.

Foi essa a deixa para Duda e Ana Patrícia retomarem a dupla. O sucesso veio rapidamente. Em 2022, elas foram campeãs mundiais em Roma. No ano seguinte, prata no Mundial de Tlaxcala, no México. Assim, chegaram a Paris como líderes do ranking mundial.

O favoritismo não pesou para as brasileiras. Elas fizeram uma campanha impecável para alcançar a maior conquista da carreira. Sete jogos, sete vitórias e apenas dois sets perdidos. Na decisão, 2 a 1 em cima das canadenses Melissa Humana-Paredes e Brandie Wilkerson. A festa pela medalha de ouro repete o feito de dez anos atrás, quando ainda sonhavam em serem profissionais.

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Ela é uma pessoa boa, que luta e quer fazer o melhor. Só quem conhece a Pat sabe quem ela é de verdade. Então ela acreditou no próprio potencial e sabe que é capaz de tudo.

Duda, sobre Ana Patrícia

Ela cresceu com uma responsabilidade muito grande e sem perder a humildade, sem se deslumbrar. Admiro muito isso nela e sou muito grata por tudo que construímos juntas.

Ana Patrícia, sobre Duda

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'Você sabe tudo o que a outra pessoa passou'

Se na areia Duda e Ana Patrícia mostram eficiência, fora dela conseguem manter a amizade e o respeito para lidar com vitórias ou frustrações. A convivência é maior do que com qualquer outra pessoa — até pela quantidade de tempo que passam juntas.

"A gente se dá muito bem. É um dos pontos mais fortes do nosso time. Esse respeito que a gente tem uma pela outra, o entendimento de saber o momento de falar, o momento de ficar um pouquinho mais quieta. A relação fora de quadra é boa porque a gente convive juntas praticamente o tempo", diz Ana Patrícia.

No vôlei de praia, é comum o relacionamento interferir no desempenho das duplas. E algumas foram rompidas muito mais por dificuldades de convivência do que pelos resultados obtidos nos torneios. Duda e Ana Patrícia conseguem ir na contramão disso e construíram esse respeito e amizade desde 2014, quando formaram o time pela primeira vez.

"A gente consegue falar sobre tudo. Sobre os nossos medos, nossas angústias. Ter uma pessoa que você gosta e confia, como a gente tem nessa relação, permite nesses momentos desabafar e comemorar. É você olhar para a cara da pessoa e saber que ela sabe tudo o que você passou. E que você sabe tudo o que a outra pessoa passou. Eu acho que isso é um dos pontos mais fortes do nosso time", reforça Ana Patrícia.

Duda só lamenta que não consegue ter esse mesmo contato com as adversárias, até pela dinâmica do esporte. "É muito difícil ter amizade, a gente sabe quem está lá na quadra quer ganhar de você. Eu tenho carinho pelas adversárias, mas vivemos muito no nosso mundinho."

Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB

Caminho perfeito até a final

Ana Patrícia e Duda fizeram uma campanha espetacular e muito consistente em Paris. Antes da semifinal, as brasileiras enfileiraram cinco vitórias seguidas sem nem sequer perderem um set.

Só tiveram mais dificuldade — e precisaram virar o placar para 2 a 1 — contra as australianas Mariafe e Clancy.

Na primeira fase, começou o festival de 2 sets a 0. Ana Patrícia e Duda deixaram para trás Marwa/Elghobashy, do Egito, Liliana/Paula, da Espanha, e Gottardi/Menegatti, da Itália.

Nas oitavas, superaram Akiko/Ishii, do Japão. Nesse jogo, o sistema defensivo das japonesas não foi suficiente. Ana Patrícia explorou bem a altura e o poderio de ataque.

As quartas de final contra Tina/Anastasija, da Letônia, trouxe um susto. No primeiro set, saíram perdendo por 6 a 0! Depois, a reação apareceu. No quadro geral, uma vitória relativamente tranquila.

Contra as australianas, na semifinal, adversárias duras, que já tinham eliminado a outra dupla brasileira, Carol/Bárbara. Mariafe e Clancy ganharam prata em Tóquio. Mas Ana Patrícia e Duda foram resilientes, mantiveram a concentração e conseguiram a virada que tornou a medalha uma certeza.

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Duda tem vôlei no DNA

Quando Duda tinha 3 anos, começou a rodar com sua mãe em etapas do vôlei de praia. Cida tinha jogado na quadra e feito a transição para a areia. E foi assim que a agora medalhista olímpica se desenvolveu no esporte. Foi convivendo com atletas, técnicos, rotina de treinos e competições.

Junto a isso, sua mãe montou um centro de treinamento em São Cristóvão, na região metropolitana de Aracaju, em Sergipe. Lá desenvolveu praticantes, mas também ofereceu condições para a filha se aprimorar.

Todos percebiam nela um talento acima da média, desses fenômenos do esporte que são raros de aparecer. Além disso, Duda já mostrava uma inteligência de jogo acima da média e conquistou todos os títulos possíveis na base e no adulto. Mesmo com parceiras que não eram as melhores, ela conseguia elevar o nível da dupla.

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Esporte salvou Ana Patrícia do bullying

Mineira de Espinosa (MG), perto da divisa da Bahia, Ana Patrícia sofreu muito bullying na infância e chegou a ter dúvidas de como seria sua vida. "Muita gente me inferiorizava. Mas aí surgiu o esporte na minha vida e isso me salvou, virou o amor da minha vida."

Um dia, Ana participava de uma edição dos Jogos Escolares quando um delegado de competição a ofereceu para fazer um teste e pediu para falar com a mãe da garota. "Eu pensei, vixi, lascou. Agora vai dificultar. Estava em outra cidade, liguei pra minha mãe e falei: 'Mãe, tem um rapaz aqui querendo me levar pra fazer um teste, é a chance da minha vida, eu estou velha' e fiz aquele drama todo", explica.

Ana tinha por volta de 15 anos. A mãe era diretora de uma escola estadual e não conseguia sair de lá no momento. Ana Patrícia quase começou a chorar. Cinco minutos depois, a mãe ligou de volta: "Você pode agradecer porque seu anjo é forte". A mãe teve um problema na escola e teria de ir para a cidade onde a filha estava para resolvê-lo.

Sempre agradeço porque eu estava no lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas.

REUTERS/Esa Alexander REUTERS/Esa Alexander

Fim do jejum de medalhas no vôlei de praia

Após Tóquio, o vôlei de praia ficou desacreditado. Nenhuma dupla do Brasil conseguiu pódio, algo inédito até então na história olímpica. Mas com a medalha de Duda e Ana Patrícia agora, as mulheres voltaram a colocar o vôlei de praia brasileiro no mapa das principais potências.

A modalidade estreou em Atlanta 1996 e logo o Brasil colocou duas duplas na final entre as mulheres. Jacqueline Silva e Sandra Pires ficaram com o ouro após vencer Mônica Rodrigues e Adriana Samuel. No masculino, o país não foi ao pódio.

Quatro anos depois, em Sydney 2000, Shelda e Adriana Behar ficaram com a prata, Sandra Pires e Adriana Samuel foram bronze, e Zé Marco e Ricardo foram prata no masculino. Em Atenas 2004, veio o primeiro ouro entre os homens, com Ricardo e Emanuel. Shelda e Adriana Behar ficaram com a prata, de novo.

Em Pequim 2008, o Brasil ficou fora do pódio no feminino, mas colocou duas duplas no masculino: Márcio e Fábio Luiz (prata) e Ricardo e Emanuel (bronze). Em Londres 2012, Alison e Emanuel ficaram com a prata, enquanto Juliana e Larissa ganharam o bronze.

No Rio, em 2016, Alison e Bruno Schmidt conquistaram o ouro, fazendo a festa da torcida em Copacabana. No feminino, por sua vez, Ágatha e Bárbara ficaram com a prata.

Demorou oito anos, mas a bandeira brasileira voltou ao pódio.

Rodolfo Buhrer/Eurasia Sport Images/Getty Images Rodolfo Buhrer/Eurasia Sport Images/Getty Images

Medalha como inspiração e semente de talentos

A medalha olímpica de Duda e Ana Patrícia no vôlei de praia, transmitida pela TV aberta para todo o Brasil, pode ajudar a atrair mais praticantes para a modalidade que era referência mundial e viu outros países crescerem e morderem parte desse bolo.

Duda entende que uma conquista desse porte pode ajudar a modalidade e também incentivar que mais pessoas procurem locais para conhecer mais de perto o vôlei de praia.

"A medalha deixa um legado para as próximas gerações e eu acho que a gente consegue inspirar essas pessoas, é muito bom conseguir fazer isso. Eu já vi outras pessoas jogando nas Olimpíadas e hoje eu estou aqui. O esporte muda a vida, e muda também a vida das pessoas que estão perto da gente. Então ficamos muito gratas por inspirar outras pessoas."

Ela reforça que isso tem ocorrido com outras modalidades que chegaram ao pódio nos Jogos Olímpicos de Paris. Muitos locais de iniciação esportiva no skate, surfe, ginástica artística e outros têm aproveitado o sucesso de Rayssa Leal, Gabriel Medina e Rebeca Andrade nas Olimpíadas.

"É tão lindo ver a ginástica aumentando as inscrições, o surfe, eu lembro do skate depois de Tóquio. Esporte é tudo", diz.

Os medalhistas brasileiros

  • Larissa Pimenta (bronze)

    A chave é acreditar: Larissa é bronze no judô depois de muita gente (até uma rival) insistir que ela era capaz.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Willian Lima (prata)

    Dom e a medalha de prata: Willian sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Rayssa Leal (bronze)

    Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa: Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem.

    Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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  • Equipe de ginástica (bronze)

    Sangue, suor e olho roxo: Pela primeira vez na história, o Brasil ganha medalha por equipes na ginástica artística. E foi difícil...

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
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  • Caio Bonfim (prata)

    Buzina para o medalhista: Caio conquista prata inédita na marcha atlética, construída com legado familiar e impulso de motoristas.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    'Paro no auge': Rebeca leva 2ª prata, entra no Olimpo ao lado de Biles, Comaneci e Latynina, e se aposenta do individual geral.

    Imagem: Rodolfo Buhrer/Rodolfo Buhrer/AGIF
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  • Beatriz Souza (ouro)

    Netflix e Ouro: Bia conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV.

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  • Rebeca Andrade (prata)

    Ninguém acima dela: Rebeca ganha sua quinta medalha olímpica, a prata no solo, e já é recordista em pódios pelo Brasil.

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  • Equipe de judô (bronze)

    O peso da redenção: Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva.

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  • Bia Ferreira (bronze)

    A décima: Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil.

    Imagem: Richard Pelham/Getty Images
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  • Rebeca Andrade (ouro)

    O mundo aos seus pés: Rebeca Andrade bate Simone Biles no solo, é ouro e se torna maior atleta olímpica brasileira da história.

    Imagem: Elsa/Getty Images
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  • Gabriel Medina (bronze)

    Bronze para um novo Medina: Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico.

    Imagem: Ben Thouard / POOL / AFP
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  • Tatiana Weston-Webb (prata)

    Ela poderia defender os Estados Unidos, mas fez questão de ser brasileira e ganhou a prata de verde e amarelo

    Imagem: William Lucas/COB
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  • Augusto Akio (bronze)

    Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

    Imagem: Luiza Moraes/COB
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  • Edival Pontes (bronze)

    Bronze sub-zero: Edival Pontes, o Netinho, conheceu o taekwondo quando ia jogar videogame; hoje, é bronze na 'categoria ninja'

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  • Isaquias Queiroz (prata)

    Esporte de um homem só - Isaquias Queiroz segue soberano na canoagem e se torna 2º maior medalhista brasileiro da história olímpica.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Alison dos Santos (bronze)

    Piu supera tropeços em Paris, mostra que estava, sim, em forma e conquista seu segundo bronze olímpico.

    Imagem: Michael Kappeler/picture alliance via Getty Images
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  • Duda e Ana Patrícia (ouro)

    Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

    Imagem: CARL DE SOUZA/AFP
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  • Futebol feminino (prata)

    Prata da esperança - Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Vôlei feminino (bronze)

    Evidências - Programada para o ouro, seleção de vôlei conquista um bronze que ficou pequeno para o que o time fez em Paris.

    Imagem: REUTERS/Annegret Hilse
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