Nunca tive nenhum tipo de vaidade, de fazer unha, cortar cabelo, se maquiar, sabe? Eu me desenvolvi em um meio muito rústico, onde as crianças andavam descalças. Fui ter bolo de parabéns aos 15 anos pela primeira vez.
Então minha chegada a Guarulhos, em 1994, com 17 anos, foi um choque cultural. O pessoal encanava com meu sotaque, minha forma de se comportar, de me vestir. "Edi, passa um batonzinho". Mas eu não gosto, não é da minha essência. Eu me sentia um peixe fora d'água, só que regredir, voltar para casa, não era uma opção.
Com a intensidade do treinamento, as características masculinas ficaram mais escancaradas, fisicamente falando. Eu tinha aquele jeito de andar meio caranguejo das pessoas musculosas, sabe?
Foi aí que começaram a falar. Até então, isso só havia aparecido por uma amiga do meu treinador na Paraíba, que falou para me levar no médico, investigar. Mas eu, moleca de tudo, nunca dei atenção.
[NOTA DO EDITOR: Edinanci é, desde nascença, uma pessoa intersexo. Ela tinha testículos internos e apresentava quantidade anormal de hormônios masculinos. Em abril de 1996, passou por uma orquiectomia, cirurgia para retirada desses testículos. Sem a operação, Edinanci não seria aprovada no chamado "teste de feminilidade", em que as mulheres ficavam nuas diante de um "comitê", exigência para elas disputarem os Jogos Olímpicos. O teste foi banido em 1998]
Os exames, que só fui fazer quando vim para São Paulo, mostraram que eu até me beneficiava da produção de hormônio masculino, mas dali a 15 ou 20 anos isso iria virar um câncer. Quando me falaram isso, eu falei: "O que? Vamos fazer agora".
O procedimento cirúrgico e o tratamento hormonal não foram para participar dos Jogos, foram pela minha saúde. O esporte estava me dando uma oportunidade de descobrir uma questão, que, se eu estivesse na Paraíba, eu jamais teria descoberto. Usei essa oportunidade para cuidar de mim.