A minha Copa foi a Champions

Élber, um dos melhores da história do Bayern de Munique, teve que superar provocação para chegar à seleção

Marcello de Vico e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Martin Rose/Bongarts/Getty Images

"Igual a esse Élber temos 1000 no Brasil"

"Eu estava jogando muito bem pelo Stuttgart. Fui campeão pela Copa da Alemanha, vinha fazendo gols e aí teve a transferência para o Bayern de Munique, que estava em primeiro lugar no Alemão. Então, quando o Zagallo, que era o técnico da seleção brasileira, foi dar uma entrevista para uma TV alemã, é claro que eles perguntaram sobre mim. 'E o Giovane Élber? É um jogador que pode estar na Copa de 98'?'

Ele falou: 'Olha, jogador como esse Élber temos 1000 no Brasil. Na Copa, não vai ter chance nenhuma. Ele pode comprar passagem e ir passar férias em qualquer lugar que a Copa ele não vai jogar'.

Era dezembro de 1997 e o time para a Copa do Mundo de 1998, na França, ainda estava aberto. Eu tinha feito 31 gols na Bundesliga 96/97 pelo Stuttgart e, naquela temporada 97/98, fiz mais 28 gols pelo Bayern. Então, quando os jornalistas vieram repercutir aquela entrevista, eu acabei provocando: 'Pelo que nós pudemos perceber, ele nem sabe quem é o Giovane Élber. Ele não sabe de nada. Deve estar meio louco'.

Passados uns dez dias, ele me convocou para a Copa Ouro nos Estados Unidos."

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Ian Hodgson/Reuters Ian Hodgson/Reuters

Por que Élber nunca teve uma chance real na seleção?

Élber foi artilheiro da seleção brasileira vice-campeã do Mundial sub-20 em 1991 ao lado de estrelas como Roberto Carlos e Paulo Nunes. Foi campeão da Liga dos Campeões de 2000/01, conquistou o Mundial Interclubes de 2001 e é o único brasileiro no hall da fama do Bayern de Munique -pelo qual foi tetracampeão alemão, tricampeão da Copa da Alemanha (além de um título pelo Stuttgart) e artilheiro da Bundesliga.

O currículo deveria falar sozinho, mas Élber nunca conseguiu ter o mesmo brilho com a camisa do Brasil. Mas por quê? A resposta está nesse texto aí em cima, em que o próprio Élber conta como aconteceu sua primeira convocação para a seleção principal.

Ele é o primeiro exemplo de um fenômeno que hoje se tornou mais comum: revelações que saem cedo do Brasil em busca de sucesso. E, quando encontram, são quase desconhecidos no país em que nasceram. É por isso que, para ele, ganhar a Liga dos Campeões valeu como ganhar uma Copa - que ele nunca disputou.

"Nunca esperei ganhar a Champions. O sonho era jogar no Flamengo"

Fabiano Accorsi/Folha de S. Paulo

Para ser convocado, você precisa xingar o técnico?

Alguns fatores explicam a falta de sucesso de Élber com a camisa amarela. A começar pela saída precoce do Brasil. Ele saiu do Londrina antes mesmo de estrear pelo time profissional. Contratado pelo Milan aos 18 anos, passou três temporadas sendo emprestado ao modesto Grasshoper, da Suíça.

Após ser artilheiro por lá, voltou ao Milan e disse que não queria mais empréstimos. Surgiu, então, o interesse pelo Stuttgart. "O Dunga estava lá e fez o convite. Como eu já falava alemão por morar na Suíça, aceitei. Foi a melhor decisão que tomei na minha vida".

Pelo Stuttgart, após ficar seis meses sem jogar por uma lesão séria em sua primeira temporada, seguiu marcando gols e foi campeão da Copa da Alemanha. "Fiz os dois gols na final, foi o meu último jogo pelo Stuttgart".

Chegara o momento da grade transferência: o gigante Bayern de Munique o comprou em 1997 e imprensa alemã fez lobby por sua convocação - foi nessa época o causo contado no início desta reportagem.

"Quando o Zagalo me convocou, os jornalistas alemães me perguntaram: 'Tem que criticar o treinador da sua seleção para ser convocado?'. Para mim foi uma situação muito cômica. Mas, nas poucas oportunidades que tive, fiz alguns gols e assim ele foi me chamando".

Aquele time da Copa Ouro tinha Edmundo e Romário na frente. Ele me colocou no primeiro jogo, contra a Costa Rica, e nem sabia o meu nome. Só olhou e falou: ?Ô garoto, vai lá e faz aquilo que você sabe?. Foi estranho

Élber, sobre seu primeiro jogo

Normalmente, o treinador ou assistente falam ?joga mais pela direita, mais pela esquerda, o Romário vai ficar na frente, o Edmundo mais central?, sei lá... Mas, não: não tinha nada de tática ali. Era só na vontade mesmo

Élber, sobre o que pensou no momento

Eu acho que ele nem viu essa entrevista ou ninguém falou pra ele. Ele nunca veio me perguntar e eu nunca falei. Eu também não vou mexer no vespeiro, não. Às vezes, você cria um alvoroço... Deixa quieto isso aí

Élber, sobre ter chamado Zagallo de louco

REUTERS/Dylan Martinez REUTERS/Dylan Martinez

Técnicos não ajudaram, mas Élber sempre teve craques como rivais

Apesar de jogar muito na Alemanha, Élber foi ausência nas duas Copas do Mundo (1998 e 2002) realizadas no auge de sua carreira. Os técnicos não ajudaram.

Com Zagallo, as convocações foram restritas. Ele chegou a marcar "alguns gols", mas uma lesão no ombro no primeiro semestre de 1998 acabou com o sonho de jogar a Copa da França. Com Felipão, a "Família Scolari" falou mais alto. Não é novidade que o técnico costuma dar preferência aos jogadores que confia e conhece de perto - basta pegar a lista dos convocados para a Copa de 2002.

Não se pode, também, deixar de lado a enorme concorrência no ataque da seleção. Não era fácil ter Romário e Ronaldo, além de Luizão, Evair e Jardel, para citar alguns, como rivais. Élber até teve chances com Felipão e jogou algumas partidas das Eliminatórias. Mas uma contusão em momento chave acabou com suas chances.

Ele chegou a ser lembrado, inclusive, para a reta final das Eliminatórias - quando Ronaldo ainda estava machucado e Felipão se recusava a chamar Romário, então em alta no futebol brasileiro, o técnico procurava centroavantes. Luizão, que voltava de contusão foi o escolhido e acabou como herói da classificação ao marcar duas vezes em um 3 a 0 contra a Venezuela.

"O Felipão ainda me convocou e eu falei: 'Felipão, estou machucado, o Bayern de Munique disse que não tem que me liberar e a gente tem jogos decisivos na Copa dos Campeões'. Aí ele falou: 'Olha, nós não conversamos com o clube. Se você não vier defender a seleção, vai perder a chance. O jogador que entrar e for bem vai ficar'. E aí foi a sorte de o Luizão ter participado desses dois últimos jogos das Eliminatórias, até fazendo gols. E acabou indo para a Copa [de 2002]. Eu falo assim: Não fico magoado com ninguém, não era para ser. Talvez se eu tivesse ido para a seleção, ela não tinha sido campeã em 2002. Então o Luizão foi o sortudo da vez".

"Minha mãe queria que eu trabalhasse no Banco do Brasil"

Christof Stache/AP

Um dos melhores da história do Bayern de Munique

Exceção feita a Belo Horizonte, onde atuou pelo Cruzeiro, e Londrina, onde começou no futebol, Élber talvez andasse normalmente pelas ruas de cidades brasileiras sem ser reconhecido ou parado para uma selfie. Na Alemanha, isso não acontece. Especialmente em Munique e Stuttgart, o atacante brasileiro vive como celebridade. E não é à toa.

Eleito por torcedores do Bayern de Munique como um dos 11 melhores jogadores do primeiro centenário do clube e eleito para o Hall da Fama dos bávaros, Élber defendeu o time por seis anos (entre 1997 e 2003) e, além da Liga dos Campeões, conquistou outros títulos importantes - como quatro Bundesligas, três Copas da Alemanha e o Mundial de Clubes.

A relevância de Élber na história do clube de Munique é tanta que ele atua há três anos como embaixador do Bayern pelo mundo. "Represento o Bayern no mundo todo, faço muitas viagens, e quando dá retorno ao Brasil para ficar uns dias com a família", conta.

A idolatria de Élber na Alemanha, porém, começou no Stuttgart, onde atuou de 1993 a 1997 - foi importantíssimo na conquista da Copa da Alemanha de 1996/97. O começo foi difícil, mas hoje o brasileiro olha para trás sem nenhum arrependimento na carreira. Faria tudo de novo.

Peter Kneffel/AFP Peter Kneffel/AFP
Uwe Lein/AP

A grande conquista: Liga dos Campões de 2001

"Nós jogamos uma semifinal da Copa dos Campeões [2000/01] contra o Real Madrid, em Madrid. Dez dias antes, eu tinha feito uma cirurgia no menisco do joelho esquerdo. Eu falei para o treinador [Ottmar Hitzfeld] que queria jogar este jogo, e ele disse: 'Vamos ver, mas não sei se vai dar para você jogar. Você fez uma cirurgia, talvez outro vá jogar'.

Na hora que chegou no vestiário, eu disse: 'Doutor, pelo amor de Deus, tira esse ponto do meu joelho que eu quero jogar'. Para o treinador, falei: 'Se não der no primeiro tempo, se não for um jogo bom, você me tira, mas deixa eu jogar'. Acabei fazendo o gol da vitória com a perna esquerda, a mesma em que o doutor tinha tirado os pontos.

E, depois, acabei sendo campeão da Copa dos Campeões na casa do Milan, o estádio San Siro, justamente o time que me descobriu, que me abriu as portas para a Europa. Foi contra o Valencia, em 2001. Um momento inesquecível".

Uwe Lein/AP Uwe Lein/AP

O gol mais bonito da carreira

Buda Mendes/Getty Images

Torcida para a Alemanha no 7 a 1

Apesar de ter vivido toda infância no Brasil e ter se arriscado na Europa só aos 18 anos, Élber não esteve entre os milhões de brasileiros que choraram o 7 a 1 para a Alemanha, na semifinal da Copa do Mundo de 2014. Pelo contrário.

"Eu estava torcendo para a Alemanha. O Brasil não merecia ganhar a Copa do Mundo. Eu penso assim: se a gente ganhasse, iria esconder outras coisas que depois apareceram na mídia. Coisas erradas de dirigentes que foram feitas no meio do futebol, no meio da política, no meio de tudo que envolvia a Copa. Acho que, se a gente ganhasse a Copa, muita coisa iria para debaixo do pano. Por isso que eu não estava torcendo para o Brasil ganhar a Copa de 2014".

Foi um cenário bem diferente daquele de 2002, quando ele tinha mais motivos para torcer contra. Afinal, ele foi preterido por Felipão naquele Mundial apesar da boa forma no Bayern e o rival do Brasil na decisão era justamente a Alemanha, cheia de companheiros de equipe. "Claro que tinha amigos, companheiros de clube, jogando pela outra seleção, mas ali o coração foi todo brasileiro. Tanto que eu coloquei uma peruca, uma camisa do Brasil, a bandeira e fui até a Leopoldstrassse comemorar com os brasileiros. Pô, foi demais".

A Alemanha virou a minha casa. Não posso falar se gosto mais do Brasil ou da Alemanha. É aquilo: você chama um lugar de casa quando você está lá e se sente bem. E na Alemanha eu sou muito bem recebido. Quando chego ao aeroporto, os guardas já falam: Giovane, vem aqui, não precisa ficar na fila de passaportes não-comunitários. Para a gente, já é europeu, já é alemão

Élber

Eu sinto vergonha [de ser brasileiro] já na hora que acordo e entro na internet para ver notícias do meu país. É só coisa ruim. Você vê o tanto de pessoas que morrem e que o Governo não dá jeito. Não só este, mas o governo passado também. É uma situação caótica. Infelizmente, a gente ainda tem muitos problemas. Ainda não é um país em que você pode ir e vir sem ter medo

Élber

Richard Heathcote/Getty Images Richard Heathcote/Getty Images

"Antes, seleção tinha 3 ou 4 como Neymar. Hoje, é só ele"

Desde que se aposentou dos gramados, em 2006, Élber acumulou uma série de trabalhos como comentarista. E não poderíamos deixar de aproveitar esse lado do ex-jogador. Brasil, Tite, Neymar... Como será que ele vê o cenário atual da seleção?

"Eu vejo o Tite um grande treinador, que está buscando o melhor para a seleção brasileira. Agora... A gente tem que esperar que os jogadores também possam ajudar o treinador. Sozinho ele não faz milagre. Que jogadores brasileiros são destaques na Europa hoje? O mais claro é o Neymar. Mas você olha no Alemão e já não encontra. Na Inglaterra pode falar num Firmino. Espanha? Está difícil. Então, não está fácil para o treinador", opina.

"Acho que, antes do Tite, ainda tinham uns três, quatro, cinco grandes jogadores que jogavam na Europa e ajudavam muito a seleção. Hoje, fica muito sobrecarregado nas costas do Neymar".

REUTERS/Gonzalo Fuentes

"Neymar errou ao sair do Barcelona"

"Quando o Neymar saiu do Barcelona para o PSG, eu pensei: 'Poxa, ele vai sofrer em Paris. O dia a dia no Francês não é a mesma coisa que no Espanhol. Ficar esperando um jogo da seleção ou da Liga dos Campeões para ser visto é muito pouco. Acho que ele errou muito quando falou que queria ir para Paris ser o melhor do mundo. Não é por aí. Infelizmente, acho que ele deu um passo atrás. Se tivesse ficado em Barcelona, teria sido maior do que ele é hoje. Agora, é esperar para ver a definição do futuro. É mais difícil ganhar uma Champions com o PSG do que com o Barcelona. A camisa ainda tem força e tradição, tem muito peso. A gente viu com o Manchester United: foi lá e eliminou o PSG no último minuto".

Henri Szwarc/Bongarts/Getty Images Henri Szwarc/Bongarts/Getty Images

Fim de carreira no Cruzeiro

Foi somente depois de 16 anos vagando pela Europa - entre Alemanha e França, onde defendeu o Lyon - que Élber finalmente voltou para atuar em seu país de origem, em 2006. O clube escolhido foi o Cruzeiro, em uma passagem que podia ter sido ainda mais produtivo não fossem as lesões que já o acompanhavam há algum tempo. Ainda assim, foram nove gols em 27 jogos e o título do Campeonato Mineiro na conta.

"Eu estava com o tornozelo já meio baqueado de uma contusão que aconteceu na França, mas o Cruzeiro foi maravilhoso. Se eu soubesse, teria vindo um pouco antes para jogar mais tempo. Eu gostei demais de ter jogado em BH. O clube sério e, na época, o Perrella [então presidente Zezé Perrella] falou: 'Élber, sei que você pode ganhar muito mais do que vai ganhar aqui, mas estou falando o que posso pagar, eu vou te pagar'. Isso foi o ponto principal. E ele pagou certinho, não teve um mês de atraso", disse.

Élber também teve contato com um aspecto negativo do futebol brasileiro: a violência das torcidas organizadas. Mas nem isso atrapalhou a boa impressão: "A cidade de Belo Horizonte foi muito boa, a torcida foi maravilhosa mesmo num período ruim em 2006, quando a gente estava em primeiro e começou a cair após a Copa do Mundo. Acabamos ficando em décimo lugar no Brasileiro. A torcida veio na frente da Toca para quebrar tudo", lembra.

"Eu saí e fui conversar com os caras. Falei: 'Não é assim. Não somos bandidos. Os jogadores jovens estão lá morrendo de medo de sair, de ser espancados por vocês. Tem que entender que não está dando certo, mas a gente vai tentar melhorar no próximo jogo'. A torcida entendeu: 'Bacana que você vem e dá a cara a tapa'. Era uma situação que eu nunca tinha vivido, então achei que tinha que dar uma satisfação aos torcedores".

O adeus de Élber

"Encerrei a carreira no fim de 2006. O tornozelo já não vinha aguentando. O Perrella ainda falou: 'Você tem mais um ano de contrato. Fica para ajudar os garotos, como já vem ajudando', mas eu falei: 'Perrella, quem está lá em cima assistindo ao jogo não sabe a dor que estou sentindo ou vou sentir depois do jogo".

"Queria chegar em casa um dia e poder jogar bola com meu filho, correr com ele. E, se eu continuasse, acho que não conseguiria fazer isso. Foi uma decisão difícil, mas faz parte do futebol".

Arquivo

Campeão mundial como o ídolo Zico

Flamenguista de coração, Élber tem o Galinho Zico como grande ídolo. O carinho pelo ex-meia do Flamengo é tanto que até a conquista do Mundial de Clubes em 2001 fez o atacante remeter aos tempos áureos do Rubro-negro carioca na década de 80.

"Na hora que ganhei o Mundial, a primeira coisa que pensei foi: 'Nossa, o Zico, aquele time do Flamengo, ganhou o Mundial aqui no Japão também'. Foi uma lembrança e uma sensação muito boa. Ele é o meu ídolo, sempre foi e sempre será. É uma pessoa espetacular. Encontro ele nessas andanças pelo mundo afora, jogo de Copa dos Campeões, e é muito gostoso poder sentar, estar perto dele, ter uma conversa com ele".

Élber responde: Zico, Messi ou Cristiano Ronaldo?

Uwe Lein/AP Uwe Lein/AP

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