O legado Fittipaldi

Estreia de Emerson há 50 anos colocou o Brasil no mapa da Fórmula 1. Seus títulos levariam o país ao topo

Julianne Cerasolli Colaboração para o UOL Bernard Cahier/Getty Images

Circuito de Brands Hatch, GP da Grã-Bretanha, 18 de julho de 1970. Há exatos 50 anos, Emerson Fittipaldi nem imaginava, mas estava iniciando ali uma trajetória que mudaria a relação de todo um país com um esporte até então pouco conhecido no Brasil.

O paulistano de 23 anos fora correr na Europa no ano anterior, e pouco depois já estava tendo a chance de disputar sua primeira corrida na Fórmula 1, com o terceiro carro da poderosa Lotus, estreando no meio da temporada.

Mas a corrida da estreia em si não foi das mais memoráveis. O líder do campeonato e campeão póstumo daquela temporada, Jochen Rindt, dominou, fazendo a pole position e vencendo de ponta a ponta. Emerson se classificou em 21º, no fundo do pelotão, e chegou em oitavo, duas voltas atrás do líder.

Naquela mesma temporada, no entanto, a vida dele mudou com o chamado para ser o primeiro piloto do Team Lotus depois da morte de Rindt, em Monza. Em sua primeira corrida no novo posto, Fittipaldi colocou o Brasil no lugar mais alto do pódio da F1 pela primeira vez na história. Mais do que isso, a partir da história que começou com ele, entre 1971 e 2017 o Brasil jamais deixaria de ter pilotos no grid, foi elevado a outro nível na modalidade e somaria oito títulos mundiais, 101 vitórias, 126 poles positions e 293 pódios.

Bernard Cahier/Getty Images

Ascensão meteórica

Voltando a 1970, estar ali no grid da Fórmula 1 naquele GP da Grã-Bretanha já era um sinal de que o chefe da Lotus, Colin Chapman, acreditava no jovem brasileiro: o terceiro carro da Lotus era usado para avaliar jovens pilotos, e isso costumava acontecer em eventos que não valiam para o campeonato, ao contrário daquele GP. Não era por acaso: Emerson começou na Fórmula Ford na Inglaterra, e logo pulou para a F3, em que venceu nove corridas. Rapidamente foi para eventos da F2 até chegar à F1. Tudo isso em uma questão de meses.

Quem lembra bem desse início de carreira, ainda que acompanhando os passos de Emerson do Brasil e apenas sonhando em se tornar jornalista de Fórmula 1, é Reginaldo Leme. Na época, ele trabalhava no Estado de S. Paulo e recebia as informações por telefonemas do próprio Emerson e de Chico Rosa, engenheiro que o acompanhou na aventura europeia.

A primeira vitória de Fittipaldi, em Watkins Glen, nos Estados Unidos, pouco menos de três meses depois da estreia, foi a que ficou mais marcada na memória do jornalista. "Eu estava saindo de uma sessão de cinema na rua Augusta (em São Paulo) com o pessoal dos Mutantes, já que meu irmão, o Dinho Leme, era baterista. Eu não trabalhava no domingo porque não tinha jornal na segunda. Depois do cinema, fomos comer um cachorro quente e ouvi no rádio: 'Emerson Fittipaldi ganhou o GP dos Estados Unidos.' Lembro de ter ficado impressionado com o que o cara estava fazendo!"

Grand Prix Photo/Getty Images Grand Prix Photo/Getty Images

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As coincidências de Brands Hatch

O palco da estreia de Emerson na Fórmula 1 tinha sido o mesmo da primeira vitória do brasileiro na Europa. E quem lembra bem disso é o neto Pietro Fittipaldi, hoje piloto reserva da Haas na F1.

"Lembro do meu avô contando que ele não começou andando de kart, como a maioria dos pilotos, mas sim de moto e depois ele e o meu tio-avô Wilsinho foram correr de hidrofólio, que eram uns barcos super perigosos. O Wilsinho sofreu um acidente muito grave e eles resolveram parar. Foram para a Fórmula Vê. Eles montaram uma fábrica de volantes e, com esse dinheiro, ele conseguiu conquistar o sonho dele de ir para a Europa. Ele foi sozinho, e começou a correr na Fórmula Ford. E teve a primeira vitória na Europa em Brands Hatch, onde eu também ganhei minha primeira corrida de monoposto."

Brands Hatch também foi a corrida de estreia de Reginaldo Leme cobrindo o que seria o final da campanha do primeiro título de Emerson em 1972. "Em um dia 1º de maio, o Emerson ganhou uma corrida em Jarama derrotando a Ferrari do Jacky Ickx, que era o grande favorito do ano. Ali já tinha transmissão de rádio e ouvi pelo Wilsão. Terminou a corrida, eu sentei na máquina e escrevi meu projeto para o Estadão apostando que o Emerson seria campeão naquele ano. Naquela época, jornalista só saía do país para cobrir Copa do Mundo, Olimpíada e olhe lá. Fui para Brands Hatch, em uma corrida que ele ganhou, de lá fomos para a Suíça, onde eu fiz várias matérias com ele. E de lá fomos para Monza, na corrida em que ele conquistou o primeiro título."

Miroslav Zajic/Corbis via Getty Images Miroslav Zajic/Corbis via Getty Images

Narrado pelo pai

Quando Reginaldo fala sobre "Wilsão", ele se refere ao pai de Emerson, Wilson Fittipaldi, o Barão, que faleceu em 2013. Em uma história única na Fórmula 1, era ele quem narrava as primeiras corridas do filho, pela Rádio Jovem Pan em uma época na qual nenhuma TV dava tanta importância à modalidade. Foi exatamente na década de 70 que isso começou a mudar. É a parte da história dos primórdios da carreira de Emerson que mais marcou seu neto, Enzo, hoje piloto da F3 e membro da Academia da Ferrari.

"Isso é incrível! Até uns 10 anos de idade, eu não sabia que meu bisavô tinha narrado as corridas do meu avô quando ele ganhou o campeonato. E lembro também do meu bisavô contando que minha bisavó não gostava nada deles dois correrem, então eles corriam escondido. E corriam de moto, que era mais perigoso ainda!"

Divulgação

O futuro dos Fittipaldi. E do Brasil na F1

A história iniciada há 50 anos ainda poderá ter um novo capítulo também nas mãos dos Fittipaldi, com os netos de Emerson, Pietro e Enzo, e o filho Emmo. Todos já com relação com times de Fórmula 1.

Os irmãos Enzo e Pietro foram descobrindo a história da família aos poucos. E mais pelo YouTube e pelos comentários dos outros pilotos de kart. "É claro que, na família, a gente sempre está falando de automobilismo. Mas, não sei como explicar direito, para mim ele era meu avô, era normal para mim", diz Pietro.

Enzo também nunca entendeu direito por que as outras crianças queriam tirar fotos com seu avô. "Eu sabia que ele tinha ganhado muitas coisas, mas foi só quando eu tinha uns 8 anos que comecei a entender que ele era uma lenda. Eu ia para a pista de kart e as outras crianças perguntavam onde ele estava. E eu não entendia muito por quê. Quero fazer a minha própria história, minha própria carreira, mas é uma honra carregar esse sobrenome."

Quem sempre entendeu muito bem quem era Emerson Fittipaldi foi seu filho, Emmo, que mesmo tendo apenas 12 anos, ainda estando no kart, acaba de assinar um contrato para fazer parte do programa de jovens pilotos da Sauber. Com isso, ele e a família se mudaram para a Itália para que ele comece a competir no Velho Continente. "Gosto muito da minha família porque quase todo mundo correu. Sou o mais novo da família que está correndo agora —quer dizer, minha irmã de oito anos está decidindo se vai correr de kart na Europa. Quando a família se reúne, não tem outro assunto!"

Quando eu comecei a correr de kart, aos 4 anos, eu sabia que ele [o avô Emerson] tinha corrido, que meus tios (Christian Fittipaldi e Max Papis) corriam em categorias grandes nos EUA, mas foi só quando eu comecei a competir de kart, com sete anos, e ouvia as outras crianças comentarem, que eu fui entendendo mais. Foi aí que comecei a ir atrás dos vídeos no YouTube e pude ver tudo o que tinha feito

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