O Encantador de Urubus

Técnico muda a cara do Flamengo e título carioca indica o início de uma nova era no clube

Alexandre Araújo e Luiza Sá Do UOL, no Rio de Janeiro Thiago Ribeiro/AGIF

O Flamengo volta ao topo do pódio do Campeonato Carioca em uma incontestável campanha que contou dos "externos desequilibrantes" à ótima fase do "homem terminal".

As expressões, atípicas para o dia a dia do futebol, são apenas exemplos que ilustram um título de um time que teve a cara, o jeito e o vocabulário do mentor Tite.

As vitórias sobre o Nova Iguaçu nas finais — 3 a 0 e 1 a 0 — confirmaram o favoritismo e fizeram o Rio de Janeiro se pintar, novamente, de vermelho e preto após dois anos de derrotas dolorosas na decisão.

A conquista concretizada hoje (7), depois de um golaço de Bruno Henrique, começou a ser construída ainda em outubro do ano passado, quando Tite disse "sim" ao Rubro-Negro e deu fim ao ano que tinha indicado que seria sabático.

Questionado sobre as motivações para aceitar o convite e mudar o planejamento pessoal, o ex-treinador da seleção brasileira foi enfático: "o projeto de 2024".

Ajustes, contratações, despedidas e uma reformulação no departamento depois, o Flamengo grita "É campeão" em um torneio que desde o início teve um peso ressaltado interna e externamente. O próprio comandante o classificou como o Estadual "mais forte do Brasil".

O título abre uma espécie de primeiro capítulo da Era Tite na Gávea, e enche a torcida de esperança para que essa história tenha ainda mais heróis e novas trajetórias com finais felizes.

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Thiago Ribeiro/AGIF

É uma equipe equilibrada. É a que mais venceu, tem melhor ataque, melhor defesa, que tem o melhor saldo de gols. Com tempo para exercitar o trabalho fica mais fácil. O ano passado nos deu o primeiro passo para essa construção. Existe uma palavra mágica que é confiança.

Tite, técnico do Flamengo

O golaço que confirmou o título

Feliz pelo título, pelo gol. O mais importante é o coletivo. Desde a apresentação, o Tite falou para a gente focar no que viria pela frente. O primeiro título é o Carioca. Chegamos com grande espetáculo, vencendo vários jogos, não perdemos. O grupo está de parabéns. Que seja só o primeiro deste ano.

Bruno Henrique, atacante do Flamengo

Lucas Emanuel/AGIF

'O mais forte do Brasil'

Tite sempre deixou claro, desde os primeiros dias de trabalho no Flamengo, que os frutos do trabalho seriam colhidos em 2024. Neste vácuo, começou a temporada enaltecendo uma competição que, até então, era vista como "brinde" por parte da torcida, diante dos últimos anos de favoritismo e conquistas de competições "mais pesadas".

Antes esnobado, o Carioca ganhou peso do muro do Ninho para dentro, e também publicamente.

"O Campeonato Carioca atual, em minha opinião, é o mais forte do Brasil. Hoje. Antes era São Paulo, agora é o Rio. Ele é muito difícil. E a busca nossa é de classificação, a busca é do título carioca. Então esse processo de evolução visa esse objetivo", disse, após a goleada sobre o Audax, ainda em janeiro.

O 2023 recheado de decepções teve no Estadual um episódio importante, após a virada do rival Fluminense, e ainda ecoava. Tite mostrou ao elenco a responsabilidade de colocar a faixa de campeão já no primeiro torneio que ele disputaria desde o início no Flamengo. E o elenco entendeu o recado.

"Talvez, seja pouco para a história do Flamengo, mas ele é grande para uma comissão técnica que está chegando. E é uma fonte geradora de confiança para uma sequência de trabalho também", completou.

Tite valorizou a conquista e reconheceu quem foi o adversário na decisão. Por isso, entregou sua medalha de campeão ao técnico Carlos Vitor, do Nova Iguaçu.

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Mauro Cezar analisa título do Flamengo

Gilvan de Souza/Flamengo

Argentino recordista

Rossi não tem nem um ano que desembarcou no Flamengo, mas já entrou para a história do clube. Na caminhada para o título do Carioca, o argentino se tornou o goleiro com mais tempo sem levar gol pelo Rubro-Negro. E o único gol que o Fla concedeu ao longo da campanha não foi sofrido por ele.

Após a semifinal do Estadual, contra o Fluminense, Rossi alcançou 960 minutos consecutivos sem ser vazado, e ultrapassou Cantareli, que ficou 959 minutos sem buscar a bola no fundo da rede entre entre novembro de 1978 e fevereiro de 1979.

"Muito feliz pelo recorde que eu alcancei, mas sempre vou falar a mesma coisa, o mérito não é só meu, é do time todo que fez um grande trabalho dentro do campo. E como uma meta pessoal é muito gratificante, eu cheguei aqui há pouco tempo e hoje já estou alcançando um recorde importante na História do Flamengo", disse, à época.

A marca de Rossi foi ampliada posteriormente, e chegou a 1.134 minutos — foi vazado contra o Millonarios, na estreia da Libertadores.

Arrascaeta levanta taça do Flamengo, campeão carioca

O capitão Arrascaeta

O perfil comedido de Arrascaeta no dia a dia foi visto por Tite como fundamental para o Flamengo versão 2024. Com um lado mais participativo em evidência, o uruguaio surpreendeu internamente e incorporou a faixa de capitão para liderar o elenco após a saída de outras figuras importantes.

Arrasca tornou-se capitão após uma sequência de acontecimentos. Everton Ribeiro se transferiu para o Bahia e já vinha sendo reserva no ano passado. Gerson, o substituto na sequência, passou por cirurgia e está afastado dos gramados. Gabigol, que em algumas oportunidades assumiu a braçadeira, foi suspenso por tentativa de fraude em exame de doping.

Em 2023, o Fla teve uma rotatividade na faixa. Sem Diego Ribas, Diego Alves e com Ribeiro no banco, Bruno Henrique também foi capitão em alguns momentos. Na contramão do que fez na seleção brasileira, Tite definiu Arrasca como nome fixo.

Arrascaeta é voz ativa no vestiário. Com discursos antes de todos os jogos, ele motiva os companheiros, pede que trabalhem juntos e ressalta a importância das partidas. Tite se mostra satisfeito com o escolhido. O treinador avalia que o uruguaio é respeitado e fala de modo preciso quando pede a palavra.

A liderança de Arrascaeta também tem sido aplicada para ambientar os estrangeiros. Remanescente do elenco de 2019, o meia é uma espécie de anfitrião no grupo. Ele lidera o "bonde dos gringos", que cresce cada dia mais, e ajuda na adaptação.

"É um dos exemplos de liderança e de capitania, porque seus comportamentos são assim. Em algum momento, a adversidade acontece e tem alguém para ajudar", disse Tite.

A gente veio de um ano atípico. Começamos bem o ano, mostrando que somos a melhor equipe do Rio e temos que mostrar que somos a melhor do país. Temos que continuar com pés nos chão. O caminho é muito difícil, mas temos grandes jogadores para conquistar coisas importantes.

Arrascaeta, meia e capitão do Flamengo

Jorge Rodrigues/AGIF

Preferido de Tite, Pedro deixa Gabigol na sombra

Tite chegou ao Flamengo e ouviu a rotineira pergunta sobre Pedro e Gabigol juntos, e apostou no camisa 9 como o centroavante titular. Convocado pelo treinador para a Copa de 2022, o camisa 9 passou por um 2023 de altos e baixos, e foi até mesmo vítima de agressão por parte do então preparador físico da comissão do ex-técnico Sampaoli.

A chegada do treinador virou a chave do atacante, que logo passou a respirar novos ares mesmo permanecendo no Rubro-Negro. Ele virou titular ainda na reta final da temporada passada, mas voltou a desabrochar de fato neste ano. Tite mudou a formação do Fla e passou a contar com Everton Cebolinha e Luiz Araújo na frente para auxiliar no ataque. Antes intocável, Bruno Henrique virou opção no banco de reservas — embora tenha feito o golaço que selou o título sobre o Nova Iguaçu.

Para Pedro, foram 11 gols, em 12 jogos do estadual, e com direito à marca história. Ele foi o autor do gol 13 mil do Flamengo, ao balançar pela segunda vez no primeiro jogo da final.

Feliz pelo título deste ano. A pressão sempre tive, quando comecei a jogar futebol. Já sabia da grandeza do Flamengo, da qualidade do elenco. Sempre lidei bem com a pressão, amadureci muito. Mais um ano fazendo gols, agora com título. Agradecer ao grupo e à comissão técnica. Pedro

A boa fase do "9 bolado", queira ou não, dá segurança à comissão técnica e diretoria em meio às incertezas que envolvem Gabigol, que trabalha no recurso após ser punido por tentativa de fraude no exame de doping, e na aposta na chegada de Carlinhos, um dos destaques da campanha do Nova Iguaçu.

Outros antigos coadjuvantes também se firmaram de vez sob o comando do gaúcho. Um dos maiores ídolos da História do clube, Bruno Henrique se viu preterido por Everton Cebolinha e Luiz Araújo, em mais um indício que o Rubro-negro vive uma nova era.

Thiago Ribeiro/AGIF Thiago Ribeiro/AGIF

Melhor defesa da história do Campeonato Carioca. Nunca um time só levou um gol durante toda a competição. É um time equilibrado. A gente fica muito feliz com o desempenho que a equipe está tendo até agora. Ficamos com boas expectativas em relação ao que vai vir durante o ano. A gente está muito confiante de que o grupo é muito bom, capacitado. A chegada do Tite foi muito importante. Eu não estou feliz. Estou aliviado.

Rodolfo Landim, presidente do Flamengo

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