A mágoa está viva

Perto dos 100 anos, Dualib cita tristeza com ingratidão e explica polêmicas de quando comandava o Corinthians

Diego Salgado e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Edson Lopes Jr./UOL

As recordações estão por todas as partes. A maior delas se apresenta como um quadro imponente pendurado na parede. Ele fica em evidência no acanhado apartamento localizado na zona oeste de São Paulo. A pintura remete a tempos áureos: Alberto Dualib segura a taça do Mundial 2000, munido de uma faixa de campeão, à frente do escudo do Corinthians.

Outras faixas se fazem presente na casa do ex-presidente do clube paulista. Numa foto, Dualib aparece sentado com os braços abertos. Ele "afaga" os 14 títulos que o Corinthians conquistou na sua gestão de 14 anos.

As conquistas o fazem sorrir. Satisfeito, Dualib não esconde o orgulho em ter empilhado taças entre 1993 a 2007 e se autointitula o maior presidente da história do clube. O sentimento se dissipa quando passagens mais recentes são recordadas. Para o ex-presidente, parte da torcida corintiana mostra ingratidão ao não dar méritos a ele pelos feitos alcançados.

Prestes a completar 100 anos - o centenário vai virar realidade no dia 14 de dezembro -, Dualib recebeu a reportagem do UOL Esporte na residência em que vive sozinho, com a ajuda de três cuidadoras. A rotina atual contrasta com os tempos de poder no Corinthians, quando ainda comandava cinco empresas.

Lúcido, o ex-dirigente explicou temas espinhosos, como as parcerias assinadas nas décadas de 1990 e 2000, incluindo a MSI, que lhe rendeu um processo criminal nos anos seguintes. Além disso, falou sobre a atual política corintiana e como perdeu milhões ao comandar o Corinthians em quatro mandatos seguidos, recorde absoluto no clube de Parque São Jorge.

Edson Lopes Jr./UOL
César Rodrigues/Folhapress

R$ 12 milhões perdidos

Dualib foi presidente do Corinthians de 1993 a 2007. Durante esse período, marcado por quatro mandatos no cargo mais importante do clube, o dirigente afastou-se das suas empresas a fim de cuidar dos assuntos corintianos. Além disso, segundo relato do ex-mandatário, recursos próprios foram colocados no Corinthians em momentos de crise financeira. As cifras atingem R$ 12 milhões. O cenário contribuiu para o fechamento de suas cinco empresas.

Dualib, porém, não mostra arrependimento e diz que os valores repassados foram considerados como uma doação, por isso nunca quis receber a quantia de volta.

O ex-presidente relembra ainda um caso emblemático aconteceu no fim de 1993, logo no seu primeiro ano como presidente. O passe de Marcelinho Carioca foi comprado depois de uma contribuição do dirigente. "Eu paguei do meu bolso", ressaltou.

No tempo que eu estive lá, se o clube precisava, eu pagava. Precisava, eu pagava. Nunca conseguia retorno. Você pagar é fácil, retornar é difícil

Alberto Dualib, sobre empréstimos ao clube

Quem foi o melhor jogador da história do Corinthians?

Edson Lopes Jr./UOL

A vida noutro ritmo

É numa poltrona branca colocada de forma estratégica à frente de uma televisão que Dualib passa a maior parte do tempo. O aparelho ajuda a distrair. É por meio dele que o ex-dirigente acompanha o Corinthians, único time que ainda gosta de ver.

Dualib, que é viúvo há oito anos e pai de três filhos vivos, mora sozinho desde que a esposa, Elvira, morreu. No apartamento, ele é assistido por três cuidadoras, que se revezam na função e não o deixam só em nenhum instante.

A rotina parece agradar ao corintiano. Não existem preocupações financeiras, apesar das perdas da época em que era o mandatário do clube. As empresas faliram, mas os prédios onde elas estavam instaladas ficaram. Seguem sendo suas propriedades. E isso basta.

"Com 99 anos, eu vou querer o quê? Nem quero. Nem quero ter mais nada. Eu tendo 99 anos preciso todo dia ajoelhar e agradecer por cada momento", disse Dualib, que cumpre o ritual ao acordar: "Eu levanto, lava o rosto, reza uma Ave Maria, um Padre Nosso, agradeço pela noite e peço mais um dia. Eu tenho que pedir dia a dia, agora. Para Deus lembrar que eu estou aqui."

Fora de casa, Dualib se resguarda em um sítio localizado em Itapecerica da Serra, na região metropolitana de São Paulo. Na capital, dá as caras para ir a uma loja de doces e outra de salgados. A única restrição é o uísque.

Quase centenário, o ex-presidente corintiano credita ao filho médico a condição clínica. "Não tenho diabetes. Tudo funciona. Se eu estou vivo, é por causa dele. Ele é o culpado", brincou.

Edson Lopes Jr./UOL

14 títulos e a ingratidão

Durante os 14 anos no comando do Corinthians, Dualib apoiou-se na conquista de títulos para justificar o longo período sem alternância no poder do clube. E é assim até hoje. "[Fico] Muito orgulhoso. Fui campeão 14 vezes", disse o ex-presidente, com um ar de satisfação e sorriso no rosto.

A rica história de títulos, porém, opõe-se à percepção de Dualib nas ruas e até na Arena Corinthians, onde esteve algumas vezes. Ele considera a relação com os torcedores "horrível" e crê que a falta de reconhecimento é uma injustiça.

Para ele, nem a Libertadores fez falta para a sua gestão ser completa. "Disputar é mais importante que ganhar. Ganhar é importante que fica na história, mas era mais para satisfação dos amigos que me acompanhavam. Eu achava que se ganhasse ou se perdesse fazia parte do jogo", frisou.

Dualib assinou três parcerias enquanto mandatário do Corinthians: com Banco Excel (1997 e 1998), Hicks Muse (1999-2002) e MSI (2004-2007). Segundo o ex-dirigente, elas foram firmadas porque "estava na moda". Diz que sempre arrumou solução para os problemas. "Eu sempre dei jeito. Sabe qual é? O antigo, o jeitinho do antigo. Escapava de qualquer dificuldade."

Sem as parceiras, caminhando com as próprias pernas e sem aporte financeiro, o Corinthians conquistou os títulos da Copa do Brasil e do Paulistão, em 1995. Em 2003, voltou a erguer a taça do Estadual - o time também se sagrou campeão da Copa Bandeirante, em 1994, e do Torneio Ramón de Carranza, em 1996. Todos os outros títulos da era Dualib tiveram uma parceira no enredo.

Dinheiro da MSI era limpo?

Victor R. Caivano/AP

Ciúmes ajudou a ruir parceria

Kia Joorabchian e Alberto Dualib dividiram os holofotes desde o início da parceria Corinthians e MSI, firmada em dezembro de 2004. O acordo, previsto para acabar apenas em 2014, chegou ao fim em julho de 2007, pouco antes da saída do presidente corintiano.

No período em que estiveram lado a lado, uma rixa pessoal entre Dualib e Kia se instalou no Parque São Jorge. Logo na segunda temporada, o descontentamento do ex-presidente era nítido, materializado em ameaças de rompimento. O clube, na ocasião, considerava que a MSI, fundo de investimento britânico, deixou de cumprir cláusulas do acordo.

"Eu acho que ninguém pode ser mais do que um presidente. Não era nem porque eu merecia. Respeito ao cargo. Você é o presidente. Por que o cara quer mandar mais que você? Você é o presidente. Se der tudo errado, você é o culpado. Se der tudo certo, você também é o culpado", disse Dualib.

Ele era muito mandão. Ele achava que mandava mais do que todos porque o dinheiro vinha deles. Eu dizia: 'Não é o dinheiro, está falando do Corinthians. Não está falando do dinheiro

Dualib sobre Kia Joorabchian

Reuters

Quem merecia o título de 2005?

O único título da era MSI foi repleto de polêmicas. O Corinthians se sagrou campeão brasileiro em um campeonato marcado pela anulação de 11 jogos, todos apitados por Edilson Pereira de Carvalho, que fazia parte de um esquema de manipulação de resultados.

Todo o imbróglio faz Dualib pensar que o Inter é quem deveria ter dado a volta olímpica. "Merecia. Falei para ele [o ex-presidente do Inter, Fernando Carvalho]. Falei para o presidente. 'Eu ganhei errado, você devia ser campeão'. É difícil falar isso, mas eu falei. Falei para ele."

De forma involuntária, o Corinthians foi beneficiado pela medida do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), pois o time fora derrotado nas duas partidas anuladas em que esteve presente, diante de São Paulo e Santos.

Quando as partidas foram remarcadas, o líder Corinthians somava 53 pontos, contra 52 do Inter, que também teve um jogo anulado - uma vitória sobre o Coritiba. Assim, o time paulista manteve a mesma pontuação, e o gaúcho foi a 49, com um duelo a mais. Os corintianos somaram quatro pontos nos novos confrontos. O Inter bateu o Coritiba novamente.

Ao fim do campeonato, o Corinthians somou 81 pontos - na rodada derradeira, perdeu para o Goiás por 3 a 2. O Inter ficou com 78 pontos. Dessa forma, os jogos anulados influíram diretamente nas colocações, uma vez que a equipe corintiana ficaria com 77 caso não tivesse nova chance nos dois clássicos.

Diego Padgurschi /Folha Imagem

"Eu não merecia o impeachment"

Mergulhado na crise provocada pela parceria com a MSI, Dualib passou a enfrentar um processo de impeachment no clube. O pedido de saída do presidente foi feito em setembro de 2007. Encurralado, Dualib nem esperou o desfecho: renunciou ao cargo em uma manhã do mesmo mês.

Ele trata o episódio como o mais triste da vida profissional. "Eu não merecia isso depois de tudo o que fiz pelo clube", lembrando que ele respondia pelos crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha na ocasião.

Mais de uma década depois, Dualib não se arrepende da atitude. "Eu sou homem de decisão, até hoje. Tomei uma decisão e fiz. Alguma coisa no íntimo diz que você está certo. Até hoje, eu sou igual. Eu não mudei."

Existe ainda outro ponto que faz o ex-presidente fechar a cara. O fato de deixar de fazer parte do quadro de sócios do Corinthians. Hoje, o clube analisa o retorno após um pedido. O desejo de Dualib é receber uma nova carteirinha de sócio, e não frequentar o clube. "Não me faz falta. Eu como a mesma coisa, almoço a mesma coisa, janto a mesma coisa, durmo a mesma coisa, pago as minhas contas. A mesma coisa."

Antecessores e sucessor

Eu fui cumprimentar ele e falei: "Não vamos falar em resultado de eleição, nem em clube. Vamos falar da nossa amizade". Ele chorou. Ele era meu amigo. Ele aceitou a derrota e mesmo assim continuou meu amigo.

Dualib, sobre Vicente Matheus

A Marlene guardou mágoa depois das eleições de 1993 no Corinthians, porque eu tirei o marido dela e ela não perdoou isso. Ela não me liga, nem visita. Espanhol é um negócio sério, viu?

Dualib, sobre Marlene Matheus

A minha relação com ele é muito boa. O Andrés me procura. Eu nunca fui procurar ele. Ele me procura. Eu falo para ele: "É remorso?". Ele aproveitou a chance de me substituir. Chegou até a substituir.

Dualib, sobre Andrés Sanchez

LUIS MOURA/WPP/ESTADÃO CONTEÚDO

Andrés "pode ser um presidente memorável como eu"

Andrés Sanchez fez parte da reta final da gestão Dualib. O atual presidente do Corinthians ocupava o cargo de vice-presidente de futebol em 2005 e foi favorável à parceria com a MSI. Em fevereiro de 2006, a relação entre os dois estremeceu, e Andrés deixou o cargo. Pouco mais de um ano, semanas depois da renúncia de Dualib, foi eleito presidente do Corinthians.

Para Dualib, as incompatibilidades ficaram no passado. Hoje, eles se veem esporadicamente, sempre com Andrés tomando a iniciativa. Em uma delas, o mandatário convidou o ex-chefe para um almoço no Parque São Jorge.

Dualib entende que Andrés adota tal postura pelo "respeito à sua história". E o considera um legítimo sucessor. "Ele gostaria de ser um presidente memorável como eu. Pode ser. Como um bom espanhol, pode ser. Porque ele gosta do clube. É diferente dos outros."

"Eu não faria a Arena Corinthians"

Fernando Santos/Folha Imagem

Demitir Tite em 2005 foi um erro

Um dos fatos marcantes da parceria entre MSI e Corinthians foi a contratação do técnico Daniel Passarella, no começo da temporada 2005. O argentino chegou ao Parque São Jorge para ocupar a vaga de Tite, demitido depois de uma derrota para o São Paulo no Paulistão daquele ano, marcada por um pênalti perdido por Coelho.

A situação fez Kia cobrar explicações do atual técnico da seleção brasileira. O homem-forte da MSI queria que a principal estrela do time, Tevez, recém-contratado, cobrasse a penalidade máxima. Tite não gostou da situação e acabou demitido, com o aval de Dualib.

O ex-presidente acredita que errou ao acatar uma sugestão, que, segundo ele, veio do departamento de futebol. "Foi um erro. Um erro não tem como explicar."

Dualib garante que Kia não forçou a situação já pensando em Passarella. "O pessoal do futebol não queria ele de jeito nenhum. O pessoal que fica dentro do futebol manda mais do que o presidente. O presidente assume a culpa, mas quem manda são eles".

Ciete Silvério/Folhapress

Ele não soube parar

Dualib ocupou a presidência do Corinthians por 14 anos, mas admite que devia ter ficado metade desse período. Há dois argumentos para o pensamento. O primeiro: segundo ele, não havia mais nada para ganhar depois do título mundial de 2000, retratado com orgulho no quadro ao lado da televisão.

Além disso, na visão de Dualib, o tempo no poder "pode até ser bom, mas desgasta e envelhece". Mas, à época, o dirigente, que venceu a segunda eleição em 1998, voltou a concorrer nas eleições de 2003.

E, em seguida, ainda participou da corrida presidencial de 2006, em meio ao furacão dos desdobramentos da parceria com a MSI. Doze anos depois de deixar o clube pela "porta dos fundos", Dualib ressalta que se manteve no cargo para que os amigos continuassem no clube.

"Eu saindo, eles saíam também. Estavam tudo fora. Você faz muita coisa induzido pelas ligações que você tem de amizade. Gente que te cerca, que depende de você. Até empregado."

Edson Lopes Jr./UOL

Dualib fez mulher virar corintiana

Dualib virou sócio do Corinthians alguns anos depois de chegar à cidade de São Paulo. O ex-dirigente nasceu em Glicério e mudou para a capital aos dez anos, no começo de 1930. Na cidade natal, aprendeu a gostar do time que fora tricampeão paulista duas vezes na década de 1920.

"Eu gostava do Corinthians também porque tinha um jogador chamado Zuza. Eu era fã dele. Tinha outro chamado Hércules, ponta-esquerda [ambos da década de 1940]", disse Dualib, que passou a conhecer os detalhes da equipe por meio do jornal, ainda na cidade natal. "Eu pegava no trem. O jornaleiro do trem levava e eu comprava a Gazeta Eu tinha oito anos."

Depois de virar sócio, Dualib colocou na cabeça que se tornaria um dia presidente do Corinthians. Obstinado, ele conseguiu realizar o sonho dali a 53 anos. Durante o período, fez sua mulher, que era são-paulina virar corintiana. Eles foram casados por 73 anos.

O fanatismo era tão grande que Dualib deixou de visitar um bisneto recém-nascido porque o pai do bebê colocara um símbolo do São Paulo na porta. Hoje, ele garante que não teria tais atitudes. "Você tem a liberdade de escolher o que você gosta. Para casar, para viver junto não é clube que influi,"

A mudança de postura talvez seja influenciada pelo sentimento que guarda após a morte da mulher. "O Corinthians perder é jogo. Ganha e perde, mas perder meu amor não ganha e perde. Não ressuscita. Dói até hoje. Dói."

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