"Não sei se você conhece uma UTI. Uma UTI é um quartinho que não tem nem janela. Você está preso num buraquinho assim, cheio de tubo. Você olha só o coraçãozinho atrás fazendo "pi, pi, pi", batendo irregular. Eu tive uma arritmia muito forte porque abusei. Era minha segunda vez na UTI. Isso é perigosíssimo.
Naquele momento, fiquei muito sozinho. E quando você está sozinho, reflete sobre tudo. Repensa a sua vida, ainda mais cheio de tubo: 'Meu, o que eu estou fazendo aqui? Já trabalhei muito no futebol, ganho um puta dinheiro e não posso desfrutar de nada. Não posso ir pra praia e pro sítio, coisas que eu gosto. Não posso ver minha família, não tenho mais amigos'.
Era estresse porque eu sou muito pilhado. É a única maneira de o cara chegar num nível alto como o que eu cheguei. O futebol é uma bolha. Quando você entra nessa bolha, não sai. É uma coisa absurda. É 24 horas por dia. Você sai do jogo e já pega o campinho e vai ver o teipe do jogo. Não conversa com a mulher, com os filhos, não quer saber de nada. Você não tem mais vida, não pensa em mais nada. Isso é coisa de maluco, meu.
As coisas estavam meio complicadas. A arritmia não estava revertendo. Eu prometi para mim mesmo: 'Se sair dessa, não trabalho mais como técnico. Se o homem lá em cima me tirar dessa, não quero mais'. E foi o que aconteceu.
No começo, foi muito duro porque era a coisa que eu mais gostava. Foi muito triste. Cheguei a chorar sozinho porque é a minha vida. Eu sabia que ia sentir falta. Eu estava saindo da bolha: 'Caramba, o que eu estou fazendo aqui fora?'. Eu ia voltar à vida comum no dia a dia, com a família, com os amigos, com fim de semana. Eu achava estranho isso. Me sentia muito raro. Acordava e falava: 'O que é isso, meu? O que eu vou fazer?'. Não pensava em nada.