Ruínas de uma casa histórica

Estádio Olímpico foi abandonado após Arena e hoje é problema para Porto Alegre

Marinho Saldanha Do UOL, em Porto Alegre Carlos Macedo/UOL

Entre 1954 e 2013, foram mais de 3.500 gols e muita história para contar. O Grêmio viveu suas maiores glórias tendo como endereço o Largo Patrono Fernando Kroeff nº 1, no bairro Azenha. Lá está, até hoje de pé, o estádio Olímpico Monumental. Mas o passado do campo que serviu de berço para tantos craques não é mais suficiente para justificar o seu presente. Olhar para o Olímpico hoje causa tristeza aos gremistas. O local se tornou um problema para Porto Alegre.

O estádio está fechado desde 2014, quando deixou de receber até mesmo treinamentos do time tricolor. A última partida oficial ocorreu em 2013, alguns meses depois da inauguração da Arena, ocorrida em dezembro de 2012. São, praticamente, 10 anos de desuso.

O espaço seria entregue à empresa OAS como parte do negócio para construção do moderno estádio que abriga as partidas da equipe treinada por Renato Gaúcho hoje em dia. Mas o descumprimento de cláusulas presentes no contrato pela construtora, desarticulada na Operação Lava-Jato, bloquearam o plano e criaram um problema não só para gremistas, mas para toda a comunidade.

"O Olímpico está sob a guarda, posse e propriedade do Grêmio. Contratualmente, os direitos de posse e propriedade serão de outros. Porém, no momento, a inadimplência de obrigações do comprador inviabiliza qualquer deslinde sobre a área. O Grêmio deseja a solução o mais rápido possível", informou o Grêmio respondendo questionamentos da reportagem do UOL Esporte.

A população das cercanias sofre com aumento da violência. Com boa parte da estrutura já retirada para demolição — prevista inicialmente para 2013 — o que resta são escombros. Sem a capacidade física de conter avanço de moradores de rua, o local virou alvo de invasões, pequenos furtos, abrigo para desabrigados e espaço para consumo de drogas.

Hoje, o Grêmio mantém segurança e limpeza da entrada principal, mas não consegue conter toda movimentação externa. "O Grêmio é responsável pela guarda patrimonial e limpeza do Olímpico. São cerca de 10 funcionários dedicados a isso, com um gasto mensal de cerca de R$ 100 mil", garantiu o clube.

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Prefeitura busca a demolição até 2023

Em setembro deste ano, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, entregou à Câmara Municipal um projeto de lei que define prazo de um ano para aprovar junto ao Município o cronograma de execução de todas as medidas compensatórias e mitigatórias e contrapartidas urbanísticas envolvendo a construção da Arena do Grêmio e, no âmbito do Olímpico, aprovar o parcelamento do solo da área e iniciar sua demolição.

"Reconhecemos a legitimidade e o interesse público do município em adotar medidas cabíveis para solucionar a questão em caráter definitivo. O clube entende que esta demanda gerou um problema para a cidade e, diante disto, é coerente que a municipalidade se posicione em busca de uma solução para os moradores da cidade", declarou o clube.

"Claro que ver o Olímpico nessa situação não é bom pra nenhum gremista. Vivemos momentos inesquecíveis lá dentro. Mas também precisamos entender que ele ficou na nossa história. Precisamos seguir em frente e seguimos em uma situação muito mais confortável e moderna, que é a Arena. O Olímpico vai fazer parte da nossa história pra sempre", complementa o Grêmio.

Carlos Macedo/UOL Carlos Macedo/UOL

Prefeito explica o que deve ser feito para resolver impasse

Ao UOL Esporte, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, explicou o ponto de vista da prefeitura para a área do Olímpico. Segundo ele, há dois movimentos em andamento para resolver o impasse existente.

"Quando a Copa do Mundo veio para o Brasil [em 2014], os dois times, Grêmio e Inter, se habilitaram para mudanças urbanísticas em suas localizações. No Grêmio, houve um movimento do Olímpico para a Arena, no Humaitá [bairro]. Dentro desta proposta de negócios, foi dado um regime urbanístico, que é definição de altura para prédio, estádio, shopping. Isso gerou contrapartidas que não aconteceram até agora e veio essa pendência toda", contou Melo.

"A área do antigo estádio Olímpico não tinha regime urbanístico, que é a definição de quanto se pode construir, 10 andares, 15 ou 20. Ali foi dado um potencial construtivo que elevou o valor da área. Só que a lei não estabeleceu prazo para começar as obras. Nós estamos há quase dois anos no governo e nunca fomos procurados. Não queremos prejudicar o Grêmio, mas tomamos duas atitudes. A primeira é executar um acordo judicial para resolver as contrapartidas de alagamento no entorno da Arena. A outra é que entramos com o Projeto de Lei dando — se a Câmara acolher — o prazo de um ano para começarem as obras no Olímpico", completou.

Caso o prazo não seja cumprido, o valor do terreno em que hoje está o estádio irá cair. "Para fins de uma desapropriação, lá na frente, a prefeitura não vai pagar o valor mais alto na área. Nesta fase estamos na execução das contrapartidas e a Câmara precisa apreciar o Projeto de Lei. A partir daí, aprovado ou não, vamos ver como será", finalizou Melo.

De acordo com apuração da reportagem, o Projeto de Lei está na Procuradoria da Casa para parecer. Em seguida, precisará passar pelas comissões para só então entrar em pauta e poder ser priorizado para votação.

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Reestruturada após Lava Jato, OAS virou Metha S.A. Veja o que diz a empresa

Em nota, a Karagounis, incorporadora com controle 80% do Fundo de Investimentos da Caixa Desenvolvimento Imobiliário e 20% da OAS Empreendimentos, sem ligação à Metha, disse que está disposta a trabalhar para que a 'questão Olímpico' seja resolvida da melhor forma possível. Confira a nota da empresa:

A Karagounis tem mantido contatos com as partes envolvidas e continua a disposição do Município e demais partes para compor solução para os entraves que ainda impedem a implantação do acordo judicial sobre as obras do entorno, obras estas que são de responsabilidade da Metha S.A. - atual denominação da OAS S.A..

Não comentamos as razões do Município ou das demais partes sobre as suas deliberações e encaminhamentos, mas continuamos convictos que um acordo entre as partes representará na melhor para todos, melhor do que qualquer solução que a justiça por ventura seja demanda a determinar.

Desta maneira a Karagounis continua priorizando e empenhando seus melhores esforços na composição do acordo nas bases já apresentadas e informa que sobre as obrigações que se referiam à Karagounis, estas já foram atendidas, e neste momento aguarda que as demais partes concluam suas deliberações e aprovações para o prosseguimento do acordo judicial das obras do entorno da Arena do Grêmio.

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Rogério Assis/ Folha Imagem
Mauro Galvão quando era jogador do Grêmio

Ídolo questiona: por que Arena não foi construída no mesmo terreno?

Muitos são os jogadores que passaram pelo campo do Olímpico. Um dos mais emblemáticos de um passado não tão distante ainda se questiona sobre as razões de deixar o local. Mauro Galvão morou nas cercanias do estádio, concentrou várias vezes nos alojamentos do Velho Casarão, começou sua trajetória nas escolinhas do Grêmio e usou inúmeras vezes o campo suplementar.

"Não é legal ver o Olímpico assim. Até hoje eu me pergunto por que a Arena não foi erguida no terreno em que está o Olímpico. E queria entender as razões pelas quais fizeram isso. Tu tens um espaço que daria muito bem para fazer até duas arenas se quisessem. É o teu lugar, tua casa, todo gremista conhece. E vai para outro lugar? Claro que pela força do clube também terá torcedores lá, mas não é a mesma coisa. Era mais do que um campo para se jogar, era um lugar de encontro, onde se ia conhecer os jogadores da base, ver os treinamentos, isso tudo acabou. Não sei o que a torcida pensa, e depois do negócio feito, tem que ir e dar força, mas vai se deixar o Olímpico do jeito que está?", questionou o ex-zagueiro ao UOL Esporte.

Galvão ainda acredita na construção de algum empreendimento com viés esportivo no local. "Alguma praça, algo que tivesse conexão com toda lembrança que temos dali", opinou.

Carlos Macedo/UOL Carlos Macedo/UOL

Tristeza e preocupação na vizinhança

É muito ruim passar ali em frente e ver toda história, tudo que está ali em ruínas. Para nós, gremistas e moradores da região, é bem difícil de ver. Tem muito morador de rua ali. Não tem como fazer a segurança de todo complexo, a área é muito grande. Tem uma segurança privada que fica no antigo pórtico, na entrada principal, mas o estádio tem toda a volta. Ficou muito ruim. A vizinhança reclama bastante e percebo que os assaltos aumentaram significativamente. O estádio está, querendo ou não, abandonado

Adriano Martins, Arquiteto e gremista, morou nas redondezas do Olímpico por 28 anos

A família toda é muito gremista. Antes da construção do segundo anel de arquibancadas, subíamos no telhado da minha casa e dava para ver os jogos, quando éramos crianças. Hoje em dia praticamente não vou na sacada, porque só a sensação de olhar aquilo tudo quebrado é horrível. O pessoal que cuida [seguranças] sai à noite. Então quem mora ali, está muito difícil para eles. Não tem mais nada para roubar dentro [do estádio], mas entram para se drogar, se prostituir. Ainda é muito escuro a região, é uma sensação muito ruim passar por ali. Já tive caso de parentes assaltados, à mão armada

Sérgio Lamb, Aposentado, tem 73 anos e acompanhou a construção do Olímpico

Saída do Grêmio esvaziou comércio e desvalorizou região

A saída do Grêmio do bairro Azenha gerou uma desvalorização dos imóveis do local. Se no início da transição gerou expectativa, a frustração pelos escombros e as obras que não ocorreram ampliou o tamanho do tombo de quem esperava lucrar. É o que contou o corretor de imóveis e seguros, e engenheiro civil, João Henrique Ferraz, que trabalha há 12 anos na Innove Imóveis, especializada em espaços na região.

"Até houve uma falsa valorização no primeiro ano. A promessa do investimento criou uma sensação de que os imóveis se valorizariam. Quem pedia, por exemplo, R$ 200 mil num imóvel, passou a pedir R$ 250 mil", contou. "Hoje o mesmo imóvel vale R$ 150 mil. Houve uma ilusão dos proprietários, que o comprador não abraçou porque ficou desconfiado", completou.

A demora para solução ocasionou a fuga de estabelecimentos comerciais e hoje carrega outro problema: a falta de credibilidade. Ainda que exista uma sinalização de que o horizonte é positivo, poucos creem nisso atualmente.

"O principal problema foi para os comércios. O Grêmio 'sustentava' muitos comércios ali, sobretudo no ramo alimentício. Hoje foi tudo por água abaixo", falou.

"Há vários fatores, a saída do Grêmio, o aumento da violência, um espaço vazio e feio. Por mais que se tenha a promessa de uma construção, de algo ali, se perdeu a credibilidade. O comprador não acredita mais que isso vá acontecer em breve", finalizou.

Carlos Macedo/UOL Carlos Macedo/UOL

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