Rival invisível

Com estádios vazios, pais explicam aos filhos por que o novo coronavírus acabou com o futebol

Adriano Wilkson, Bruno Doro e Edson Lopes Jr. Do UOL, em São Paulo Edson Lopes Jr/UOL

A pandemia do novo coronavírus mudou a vida no mundo inteiro e também acabou com o futebol. No entorno dos estádios, não se vê mais o vai e vem de torcedores e vendedores ambulantes, não se ouve o grito das torcidas e nem o estouro de fogos de artifício.

Estádios como o Pacaembu, em São Paulo, e o Presidente Vargas, em Fortaleza, serão transformados em hospitais de campanha para atender pacientes em estado menos grave e desafogar os hospitais. Enquanto isso, a população se esforça para ficar em casa o máximo possível para conter a disseminação do vírus.

Mas, se mesmo para alguns adultos é difícil entender a necessidade de evitar aglomerações para combater um inimigo invisível, o que dizer às crianças? Como dizer a garotos acostumados a ver partidas de futebol que talvez fiquemos sem elas por bastante tempo? Nessa reportagem, ao lado de fotos de estádios de São Paulo vazios, três pais e torcedores dos grandes times da capital explicam como seus filhos estão lidando com a ameaça da pandemia.

As três crianças têm condições que as levam a fazer parte do grupo de risco para a covid-19, a doença causada pelo vírus, o que aumenta a preocupação dos pais e os cuidados para manter seus filhos em segurança. Apesar de a doença ser mais grave em idosos, ela também pode trazer complicações a pessoas mais jovens, principalmente às mais vulneráveis.

As fotos dos estádios de Corinthians, Palmeiras e São Paulo foram tiradas em horários em que normalmente há futebol. As entrevistas foram feitas por telefone.

Edson Lopes Jr./UOL Edson Lopes Jr./UOL

Thaís Bassani

Enfermeira em posto de saúde e torcedora do Corinthians

Sou corintiana desde que nasci, frequento a Arena Corinthians e já desfilei no carnaval da Gaviões da Fiel. Sou enfermeira e trabalho em um posto de saúde de Sumaré (SP). Quando o coronavírus chegou no Brasil, resolvi me isolar das pessoas vulneráveis da minha casa.

Como profissional de saúde, tenho como missão e dever ir pra essa luta, ser a linha de frente nesse combate. Meu esposo é piloto de avião e também não deixou de trabalhar, também está muito exposto. Por sermos potenciais disseminadores do vírus, decidimos que meu filho de dez anos, o André Luis, ficaria afastado de nós.

Ele está isolado na casa dos meus pais. Meus pais são idosos e têm doenças crônicas e meu filho é asmático. Os três estão no grupo de risco dessa doença. Sei que recebemos a orientação de não deixar crianças com os avós, mas não temos com quem deixá-lo e precisamos trabalhar. Eu e meu marido nos preocupamos com a nossa situação econômica e com a situação econômica do país, mas o mais difícil está sendo ficar longe da família e do André Luis.

Faz 14 dias que converso com meu filho apenas por ligações. Nós deixamos comida e suprimentos na casa dos meus pais, seguimos todo o protocolo de higiene, nos vemos rapidamente usando máscaras e não nos tocamos.

Já atendi casos suspeitos do coronavírus, mas nenhum confirmado, até porque o resultado dos exames está demorando pra chegar. A expectativa é que o fluxo de paciente aumente muito a partir da semana que vem.

Vi que estão transformando estádios de futebol, como o Pacaembu, em hospitais pra atender os casos mais leves e desafogar os hospitais. Essa é uma medida muito necessária e providencial. Vamos aos estádios para ter momentos de alegria e confraternização, e eu espero que, com a ajuda desses estádios, nós possamos vencer essa batalha e que eles possam nos encher de alegria novamente.

Edson Lopes Jr./UOL Edson Lopes Jr./UOL

Silvia Grecco

Torcedora do Palmeiras que, junto com o filho Nickollas, foi premiada pela Fifa

Meu filho Nickollas, além de deficiência visual, tem autismo. As crianças com autismo têm que ser sempre preparadas para mudanças. Temos que explicar com calma pra eles entenderem. Do contrário eles sempre insistem que algo vai acontecer, mesmo que não vá. Antes mesmo da suspensão dos jogos no Brasil eu tive que explicar outra mudança na vida do Nickollas.

Nós estaríamos nessa semana na Bulgária porque fomos convidados pra assistir a alguns jogos lá e conversar com mães de crianças com deficiência no país. Ele ficou na expectativa, mas quando começaram os cancelamentos eu tive explicar que não teriam mais jogos na Bulgária por causa do coronavírus e que não podia ter aglomeração de pessoas. Ele insistiu muito que iria viajar sim. Até que acabou se convencendo.

Quando eu expliquei que não haveria mais jogos do Palmeiras, falei pra ele da gravidade da situação e expliquei como seria ruim para os jogadores ficarem doentes, sempre tentando sensibilizá-lo dessa forma. Expliquei que esse momento seria como estar de férias, mas férias diferentes porque além de não irmos ver jogos, temos que ficar em casa.

Quando era menor, meu filho teve convulsões quando ficou com febre, então para ele seria um problema maior desenvolver a doença, já que febre é um dos sintomas esperados. E para uma pessoa com deficiência como ele, é muito mais difícil seguir as recomendações de isolamento e distância social, já que pessoas com deficiência tendem a depender da ajuda dos outros para fazer muitas ações básicas, como tomar banho e se alimentar.

Ele tem acompanhado muito atentamente pela televisão todas as notícias. A todo momento ele lava as mãozinhas por conta própria, usa álcool em gel. E eu tento fazer muitas atividades aqui em casa pra que ele não fique pensando muito, porque se ele ficar pensando muito, sempre vai voltar e dizer que quer ir pro futebol.

Edson Lopes Jr./UOL Edson Lopes Jr./UOL

Severino Bianchi

Torcedor do São Paulo e intérprete do mascote Santo Paulo

Além de ser o mascote, sou funcionário do clube desde 2009. Sempre fui são-paulino de coração e desde 2001, nunca perdi um jogo sequer. Sempre me preparo pra não ficar ausente de nenhum jogo.

Tenho um filho de 17 anos que vai ao Morumbi desde os dois anos e já entrou no colo do Rogério Ceni antes de um clássico contra o Corinthians. Ele sempre vai comigo, mas desde o ano passado não tem mais ido porque não pode ficar perto de aglomerações. Meu filho está em tratamento de leucemia e acabou de fazer a quinta sessão de quimioterapia.

Ele vai ficar bem mais vulnerável a essa nova doença. Estou tentando deixá-lo tranquilo. No hospital, durante o tratamento, ele é atendido na frente de todo mundo e tentamos fazer tudo o mais rápido possível pra ele passar menos tempo lá. Na última vez, ficou oito dias internado. Pedimos a Deus pra esse surto passar o mais rápido possível. Estou trabalhando de home office e minha cabeça fica a milhão, não para.

Minha preocupação é muito grande porque tem muitas pessoas lá fora que não estão tomando cuidado, acham que estão de férias, continuam agindo normalmente na rua. Mas tenho fé que isso tudo vai passar e vou poder realizar ainda esse ano um sonho do meu filho: levar ele para ver o São Paulo na Libertadores.

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