Ciclo milionário

Turbinada pela Globo, Copa do Brasil chega a R$ 350 mi em prêmios. Veja quem investiu bem e como grana evoluiu

Igor Siqueira Do UOL, no Rio de Janeiro Lucas Figueiredo/CBF

A história do volante Waguinho se confunde com a do Juazeirense. A relação entre os dois começou em 2010. Desde então, os jogador de 38 anos e o clube que defendeu pela maior parte da carreira viveram os melhores momentos de suas vidas. Tudo proporcionado pela Copa do Brasil.

Na edição 2021, o time do interior baiano alcançou as oitavas de final do torneio. Após eliminar Sport, Volta Redonda e Cruzeiro e cair diante do Santos, o clube recebeu R$ 5,9 milhões em prêmios. "Alguns jogadores nunca viram tanto dinheiro", admitiu Randerson Leal, diretor da Juazeirense.

O Juazeirense é apenas um entre muitos times pequenos de centros menos desenvolvidos (futebolisticamente falando) que deram um salto graças ao sucesso na competição que melhor paga por vitória no esporte nacional. Desde 2018, a própria Copa do Brasil deu um salto, no caso, um salto vertiginoso em termos de premiações que resultou, em 2022, em um prêmio gigantesco.

Neste ano, termina o primeiro ciclo contratual de direitos de transmissão que catapultou os valores envolvidos. Ao todo, serão R$ 350,4 milhões distribuídos aos clubes.

O impacto desse cenário mexe com a estrutura do futebol brasileiro, já que o dinheiro escoa (e há quem veja que ainda não da maneira ideal). Mas isso permite que clubes vejam de perto alguns sonhos que pareciam inalcançáveis. O Juazeirense, por exemplo, comprou um ônibus e começou a construir seu CT ao passar por três fases.

Os profissionais envolvidos também são beneficiados. Sabe o Waguinho, do início do texto? Com a esposa grávida, usou sua parcela da premiação para melhorar a casa à espera de um bebê. "Ele diz que veio em um momento muito bom", conta o diretor Randerson Leal, que distribuiu R$ 1,6 milhão (dos R$ 5,9 milhões) aos funcionários.

A edição 2022 começa amanhã (22), com Lagarto (SE) x Figueirense, às 16h30, no estádio Barretão, na cidade que tem o mesmo nome do time mandante.

Lucas Figueiredo/CBF

Como a competição chegou a esse valor

Hoje, a Copa do Brasil pode dar ao campeão até R$ 79,57 milhões em premiação —caso esse time entre na disputa desde a primeira fase (é bom lembrar que os clubes que estão na Libertadores só participam a partir da terceira fase).

O ciclo contratual que termina em 2022 afetará, ao todo, cinco edições do torneio. A negociação foi fechada pela CBF com a Globo ao fim de 2016. Até então, a Copa do Brasil pagava ao campeão, no máximo, R$ 11,68 milhões. Em 2018, esse valor saltou para R$ 67,3 milhões, sendo R$ 50 milhões referentes apenas à vitória na final.

O contrato foi fechado com a Globo em um período no qual a Turner queria levar jogos das principais competições do futebol brasileiro para o Esporte Interativo. Posteriormente, até fechou contratos de transmissão em TV fechada com alguns clubes. Na ocasião, houve uma movimentação de interesse nos direitos da Copa do Brasil. "O benefício foi quando trouxemos a Turner e ela fez uma oferta de três vezes mais do que a Globo pagava", conta o presidente do Athletico, Mario Celso Petraglia.

Um dirigente ouvido pelo UOL que participou diretamente da negociação pelo lado da CBF pontua que a proposta não chegou a ser formalizada, mas o interesse colaborou, sim, para que a Globo colocasse mais dinheiro à mesa. Hoje afastado da CBF, Rogério Caboclo era diretor executivo de gestão da entidade na ocasião e pontuou, no anúncio do contrato, que o montante pago ao campeão poderia "equivaler a mais de um terço da receita anual de 14 dos 20 clubes da Série A" na ocasião.

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A trajetória na Copa do Brasil 2021 ficará marcada na história do Fortaleza. Com muito empenho de todos os funcionários, conseguimos chegar entre os quatro melhores da competição, superando equipes com orçamentos superiores ao do clube. Fora do âmbito esportivo, conquistamos um montante que está contribuindo para os investimentos no elenco que disputará a Libertadores.

Marcelo Paz, Presidente do Fortaleza

Julio Cesar Guimaraes/UOL

Aumento do número de participantes e de valor

A Copa do Brasil passa por processo de valorização desde 2013, quando os clubes da Libertadores passaram a participar do torneio -- e não apenas vê-lo como caminho mais curto para retornar à competição continental. Até então, por questões de calendário, quem estivesse na Libertadores não jogava a Copa do Brasil. Alongar a competição ao longo do ano foi a solução para encaixar quem vinha da disputa sul-americana. O ajuste fez saltar o número de participantes (de 64 para 87) e impactou na visibilidade e audiência do torneio, resultado no aumento do valor mercadológico refletido no contrato de 2018.

REUTERS/Paulo Whitaker

Zebras mais escassas e os grupos de receitas

A chegada dos times da Libertadores aumentou o dinheiro, mas também reduziu a probabilidade de zebras, como os campeões Santo André (2004) e Paulista (2005) e o finalista Brasiliense (2002). Por isso, campanhas como a da Juazeirense de 2021 chamam a atenção. Os primos pobres recebem, nas primeiras duas fases, valores menores do que aqueles que compõem o topo da pirâmide. A maior fatia fica com quem está entre os 15 primeiros colocados no Ranking Nacional de Clubes. O Grupo 2 é dos outros participantes da Série A. O Grupo 3 engloba os demais que entram na primeira fase.

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Eu sou mais favorável a uma distribuição igual para aumentar o valor do produto como um todo, não de três ou quatro. Dar o mesmo valor para toda fase. Por que não? Tem que chegar mais à base da pirâmide ou continuamos só criando clubes de elite. É o princípio que me preocupa. Com uma distribuição mais equânime, você fortalece o sistema. Não faz sentido pagar R$ 60 milhões ao campeão só pela final. O clube vai receber em função do avanço. Chegando mais longe, ganha mais. Mas não nessa desproporção absurda."

Mario Celso Petraglia, Presidente do Athletico

Mauro Horita

Cruzeiro deu mau exemplo com bolada

Ganhar a Copa do Brasil nesse ciclo de contrato gordo traz alta dose de euforia. Nem tanto pela relevância do título nacional, mas também pelo dinheiro que ele acarreta. Mas, por si só, o título não assegura sustentabilidade.

O Cruzeiro foi o último campeão da Copa do Brasil "pobre". E o primeiro das cotas robustas de 2018. Só na final vencida diante do Corinthians, recebeu R$ 50 milhões. No entanto, esse foi o sucesso que precedeu a sangria que trouxe, em 2019, a consequência mais dura para o clube: o rebaixamento à Série B. Em 2018, o balanço do clube já apontava que a queda no abismo estava próxima.

O elenco tinha jogadores com salários elevados, mas com pouco valor de transferências por conta da idade. Inicialmente, a prestação de contas trouxe um déficit de R$ 27,2 milhões. Mas só porque a diretoria tentou maquiar o cenário lançando a venda de Arrascaeta ao Flamengo ainda em 2018.

Seguindo a norma contábil, o balanço foi corrigido posteriormente para diretoria que sucedeu o presidente Wagner Pires de Sá. Assim, com os valores de Arrascaeta lançados em 2019, o clube fechou 2018 com déficit de R$ 73,8 milhões. Grave? O pior veio em 2019, com o déficit de R$ 394 milhões.

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Lucas Figueiredo/CBF

No Athletico, título vira mais um passo para consolidação

Em 2019, o Athletico venceu a Copa do Brasil pela primeira vez. Olhando para o resultado financeiro do clube naquele ano e o desempenho desportivo nas temporadas seguintes, dá para constatar que o uso do dinheiro tem sido produtivo para o Furacão. O time também foi vice-campeão da Copa do Brasil em 2021. Internacionalmente, faturou a Sul-Americana em 2018 e 2021.

Com o título da Copa do Brasil, após superar o Internacional na decisão, o Athletico somou R$ 378 milhões em receitas em 2018. Desse montante, R$ 84,4 milhões em cotas de participação em torneios (o valor da Copa do Brasil faz parte disso). Mas o clube buscou reforçar outras linhas de receita: vendeu jogadores e, naquele ano, contabilizou R$ 133 milhões nesse item.

"O nosso retorno é pelo projeto como um todo, de longo prazo. Não adianta ganhar uma Copa do Brasil, colocar um bom dinheiro no bolso e no outro ano não ganhar. Fica desproporcional, não há um crescimento sustentável, fica um io-io", afirma o presidente do CAP, Mario Celso Petraglia.

Ao mesmo tempo que a premiação da Copa do Brasil fez o caminho de entrada no caixa, metade do valor saiu em forma de premiação de jogadores. Por isso, o superávit em 2019 ficou em R$ 63,4 milhões.

"Não fazemos nossos orçamentos considerando que vamos ganhar as competições", explica Petraglia. "Se você fizer pensando que vai entrar, vai estimar que vai sair. Aí, se não entra, quebra".

Campeões da Copa do Brasil na fase 'rica'

  • 2018

    O Cruzeiro levou o título após derrotar o Corinthians na final.

    Imagem: Reprodução
  • 2019

    O Athletico levantou a taça batendo o Internacional na decisão.

    Imagem: Divulgação
  • 2020

    O Palmeiras foi campeão da Copa do Brasil vencendo o Grêmio na final.

    Imagem: Divulgação/Puma
  • 2021

    O Atlético-MG conquistou a Copa do Brasil ao derrotar o Athletico na decisão.

    Imagem: Reprodução
Rafael Vieira/AGIF

Afogados arrendou CT e pagou salários na pandemia

Vejo a quantidade de empresários entrando em contato porque é justamente o Afogados, aquele que tirou o Atlético-MG".

Afogados da Ingazeira é uma cidade de 40 mil habitantes no sertão de Pernambuco que entrou no mapa de zebras da Copa do Brasil. É o nome do time que, em 2020, desbancou o Galo na segunda fase da competição. O depoimento do atual presidente do clube dá o tom sobre o nível de exposição do clube — na ocasião, a zebra gerou a demissão do técnico Dudamel do time mineiro.

"Deu uma visibilidade. Tem a credibilidade de pagar em dia, de estrutura, apesar de ter apenas oito anos. Mas, por outro lado, ainda pensam que o clube tem aquele dinheirão. É o outro lado da moeda. Mas a gente conversa, mostra e explica que queremos ser um clube de referência em Pernambuco", afirmou ao UOL Edygar Santos.

A improvável vitória nos pênaltis trouxe um volume de dinheiro que não era esperado: R$ 2,69 milhões, ao todo, incluindo o pagamento pela terceira fase, em que o Afogados foi eliminado pela Ponte Preta. E o destino desse valor?

Em torno de R$ 610 mil viraram premiação a jogadores e comissão técnica. Depois, R$ 400 mil quitaram impostos e outros R$ 300 mil pagaram dívidas. Além disso, com a chegada da pandemia, foi preciso deslocar a verba para cumprir compromissos salariais durante o período sem futebol e público. A diretoria anterior chegou a pensar na construção de um CT. Há até um terreno doado para isso, mas o orçamento pesou.

"O clube gastou muito na Série D, foi na época da pandemia. Mas arrendaram um campo particular no município. Para o profissional, não atende. Mas atende à base. Por três anos, está pago", conta o presidente do Afogados, que completou: "O arrendamento foi com o dinheiro da Copa do Brasil. Fez um contrato de cinco anos, adiantou três. Melhorou um pouco a estrutura. Mas não temos nada para dizer que é nosso".

O clube hoje tem uma folha salarial mensal na casa dos R$ 60 mil. Edygar Santos diz que consegue aproximadamente o dobro em patrocínios (R$ 120 mil) e consegue manter o time e pagar as despesas, como transporte e hospedagem.

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Como foi a festa do Afogados

Fernanda Luz/AGIF

'Alguns jogadores nunca viram tanto dinheiro'

A campanha nas oitavas de final teve uma vitória por 2 a 0 sobre o Santos. Mas não foi suficiente para levar a Juazeirense mais adiante na Copa do Brasil 2021. De todo modo, o desempenho foi o ápice do time do interior baiano em torneios nacionais.

O clube embolsou R$ 5,9 milhões em cotas de premiação. Uma fatia, de R$ 1,6 milhão, foi repartida entre jogadores e comissão técnica. E trouxe à mão deles montantes que alguns nunca tiveram acesso em uma tacada só. "Alguns jogadores nunca viram tanto dinheiro. Ficou uma média de R$ 30 mil a R$ 40 mil para cada um. Alguns têm que ficar um ano ou até mais para ganhar esse dinheiro", disse Randerson Leal, diretor da Juazeirense, explicando que a divisão teve percentuais diferentes de acordo com a participação em campo.

A faixa salarial dos jogadores da Juazeirense varia, na maioria dos casos, entre R$ 6 mil e R$ 10 mil. Segundo o dirigente, muitos deles, como o volante Waguinho, que reformou sua casa, investiram em melhorias em suas residências e compraram terrenos.

Os depósitos da CBF chegam de forma gradativa, de acordo com o avanço fase a fase. Isso evita que planos megalomaníacos aconteçam de imediato. O dinheiro da primeira fase, único que é certo, foi antecipado para ajudar na montagem daquele elenco de 2021. "A gente já pede antecipação do valor da primeira fase para conseguir montar o time já para o estadual. Aí você consegue montar uma base", conta Randerson, que é filho do presidente, Roberto Carlos Leal, e já viu o pai colocar dinheiro do bolso no clube.

Com a verba da Copa do Brasil, a Juazeirense adquiriu um micro-ônibus e comprou um terreno para construir um CT. "Iniciamos a construção, fazendo terraplanagem. Nosso intuito é chegar até o meio do ano que vem com dois campos de futebol prontos e um alojamento. Hoje, a gente treina no próprio estádio que jogamos, em Juazeiro", comentou Randerson, citando que aposta é conseguir estrutura para transformar a Juazeirense em um polo de formação e venda de jogadores.

Clube pequeno tem que inicialmente agradecer, porque não tem investimento. É muitas vezes feito com paixão do presidente, que muitas vezes tira dinheiro do bolso para colocar no clube. Como a gente vai avançando e vendo lá na frente que a Copa do Brasil é tão milionária, poderia aumentar um pouquinho mais, principalmente na primeira fase. A gente montaria um elenco com mais qualidade, daria mais brilhantismo à competição. Mas a gente tem que agradecer pelo menos, tem que ser realista."

Randerson Leal, diretor e filho do presidente da Juazeirense

Lucas Figueiredo/CBF

O que será do contrato futuro?

Com a conclusão do ciclo atual do contrato de transmissão da Copa do Brasil, a CBF já começou a se movimentar em busca de um novo acordo para os próximos anos da competição. Há uma comissão na entidade formada por diretores de diferentes áreas da entidade que debate as estratégias para os contratos a serem firmados. A Copa do Brasil faz parte disso.

Como já publicou Rodrigo Mattos, colunista do UOL, a entidade calcula que a Copa do Brasil vale pelo menos R$ 600 milhões no próximo ciclo. Não necessariamente todos os jogos serão negociados com a Globo, mas já houve conversas com a emissora sobre o assunto. Um dirigente ouvido pelo UOL contou que a Globo já tinha manifestado desejo de renovação há mais de um ano.

Como tem uma temporada inteira com contrato em vigor, a CBF não precisa tomar uma decisão imediata sobre o tema. No mercado, há também uma concorrência em curso pelos direitos da Libertadores, o que gera uma divisão de atenções entre os principais participantes.

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