Segunda bola

Fabinho é unânime e convence até como zagueiro no Liverpool, mas só bate na trave na seleção

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Andrew Powell/Liverpool FC via Getty Images

Fabinho é um dos jogadores mais respeitados do mundo na atualidade. Está em sua terceira temporada de Liverpool, com títulos da Liga dos Campeões e do Campeonato Inglês (como titular) nas anteriores. É até difícil explicar por que um jogador que brilha no mais alto nível do futebol da Europa não é uma peça importante na seleção.

Jurgen Klopp é um dos que estranha isso. E deixa claro ao ironizar Tite: "Ele [Fabinho] pega muitos voos durante a pausa para jogos da seleção, só não joga", disse, em 2019. Nesta semana, por causa da lesão do volante em uma partida da Champions, provocou dizendo que o treinador brasileiro não está preocupado com as notícias médicas porque "nunca o põe para jogar".

Parece uma sina: agora, Fabinho somava quatro convocações seguidas para o time de Tite até que, ontem (28), foi cortado dos últimos dois jogos do ano pelo problema muscular. Aos 26 anos, Fabinho tem apenas 12 jogos com a camisa do Brasil. A explicação começa com a proibição do Mônaco para que ele jogasse as Olimpíadas de 2016. Chega ao auge com a opção de Tite em não convocá-lo para a Copa América, três anos depois. E segue com o corte atual.

Em resumo, ele ainda não aconteceu na seleção. Nesta longa entrevista ao UOL Esporte, Fabinho relembra essas decepções, fala sobre a terceira função que exerce com sucesso na Europa (ele foi deslocado para a zaga com a lesão de Van Dijk) e como pretende, enfim, brilhar com a camisa amarela.

Andrew Powell/Liverpool FC via Getty Images

Assista à entrevista

"Polivalente, graças a Deus"

Denis Doyle/Getty Images

Lateral direita

Fabinho fez base no Paulínia-SP e no Fluminense e foi vendido aos 18 anos ao Rio Ave, de Portugal. Poucos meses depois acabou cedido ao Real Madrid B e em seguida parou no Mônaco. Todo esse percurso, ao longo de vários anos, com diferentes treinadores e passagem pela seleção de base, foi como lateral-direito.

Michael Steele/Getty Images

Meio-campo

Depois de estrear profissionalmente pelo Real Madrid B, foi comprado pelo time principal do Mônaco. Lá, se firmou como lateral titular até fevereiro de 2015 e foi convocado à seleção. Por causa do bom passe e da facilidade para associações no meio, acabou improvisado pelo técnico Leonardo Jardim como volante. Deu certo.

Maurice Van Steen/ANP Sport via Getty Images

Zaga

Em maio de 2018, o Liverpool investiu mais de R$ 200 milhões na contratação do volante brasileiro, que foi titular desde a primeira temporada. Campeão de três torneios em duas temporadas antes de 2020/2021, ele começou a ser improvisado como zagueiro por Klopp e ganhou elogios: "Bom desempenho não surpreende."

Alex Gottschalk/DeFodi Images/Getty Images

Zagueiro sem medo de dar bronca

Essa novidade de jogar como zagueiro no Liverpool começou faz poucos dias. Em um clássico contra o Everton dia 17, o goleiro Pickford deu uma tesoura em Van Dijk, que precisou sair de campo e teve confirmada uma ruptura dos ligamentos do joelho direito, com previsão de volta no meio de 2021.

Van Dijk é uma das peças mais importantes do Liverpool. Lovren, antigo titular, saiu no meio do ano sem reposição e, somando o problema natural gerado pela lesão, as alternativas de Klopp minguaram. Daí veio a ideia de recuar Fabinho para a zaga. A outra alternativa era depender de um garoto como Rhys Williams, de 19 anos.

Fabinho teve atuação brilhante na zaga contra o Ajax, na primeira rodada da fase de grupos da Liga dos Campeões, e emendou partidas ao lado de Joe Gómez antes da substituição aos 30 minutos do primeiro tempo na terça (27), contra o Midtjylland-DIN. "Tem se tornado cada vez mais natural. Eu já tenho alguns jogos nessa posição e algumas movimentações vão ficando mais automáticas. Em questão de posicionamento, vou melhorando cada vez mais", disse, antes da lesão ainda sem previsão de volta.


A principal preocupação do brasileiro agora é melhorar sua comunicação com os companheiros, uma virtude que Van Dijk domina.

"Essa comunicação e liderança você nota principalmente quando ele não está em campo. Temos outros jogadores comunicativos, como Henderson e Milner, mas o treinador falou com a linha de trás que tínhamos que aprender. Talvez não seja meu perfil ou do Joe Gómez, mas não temos que ter medo de dar dura. Às vezes são pequenas coisas como segunda bola, movimento na pressão e na reação, coisas que quando tem alguém de trás que dá essa letra ajuda o pessoal do meio-campo. É algo que sei que tenho que melhorar", diz.

Lucas Figueiredo/CBF Lucas Figueiredo/CBF

Na seleção, reserva de Casemiro

A comissão técnica da seleção brasileira está atenta ao que Fabinho mostra no Liverpool. Em setembro, ele jogou um clássico contra o Chelsea como zagueiro e isso foi assunto de conversas no período das duas primeiras rodadas das Eliminatórias da Copa do Mundo do Qatar. Fabinho ouviu que foi bem, mesmo fora de posição, mas que a disputa na Amarelinha será mesmo no meio-campo.

"O Tite sempre diz que vai colocar o jogador na posição que exerce no clube. A seleção também joga com três meio-campistas, um mais de primeiro volante, que é minha posição no Liverpool. Claro que também posso jogar mais como número 8, mas o Tite vem mostrando que se eu jogar será como primeiro volante e já atuei assim em alguns amistosos", diz Fabinho, que hoje é reserva imediato de Casemiro.

"Minha relação com ele é muito boa, sempre conversamos. Jogamos juntos no ano em que ele chegou no Real Madrid, eu estava lá também. Na seleção, sempre conversamos, inclusive sobre a posição e alguns movimentos. É uma disputa sadia."

Fabinho não saiu do banco contra Bolívia (5 a 0) e Peru (4 a 2), em outubro. Antes disso, havia atuado em três amistosos seguidos de 2019. "Estou aberto para ajudar, sei que a seleção está bem servida, mas, se acontecer alguma situação algum dia, eu tenho a confiança para poder jogar e espero que o treinador tenha confiança para poder me colocar."

A característica dos jogadores ajuda para que a equipe não fique exposta. O Renan Lodi é um jogador que tem muita qualidade ofensiva e o treinador queria aproveitar essa qualidade dele, então ele tinha muita liberdade e participou de muitas jogadas ofensivas

Fabinho, sobre os ajustes táticos da seleção

Mas o lado esquerdo não ficava exposto, porque o Douglas sempre estava atento na cobertura, o Casemiro também protege muito bem, o Danilo ficava mais preso na maioria das situações, mas também tinha liberdade para sair e fez até assistência

Sobre o esquema, que chega a ser um 2-3-5

Tivemos pouco tempo para nos preparar, mas, dos jogadores convocados, só o Douglas era novo, tinha ido uma vez, mas se adaptou muito bem, fez bem a função na construção e na cobertura do Lodi. A equipe já sabe bem o que tem que fazer

DIzendo que o esquema deverá ser mantido por Tite

Paul Ellis/AFP

Klopp x Tite

Fabinho esteve no centro de uma polêmica anteontem (27). Substituído por causa de dores musculares no primeiro tempo da partida pela Liga dos Campeões, o camisa 3 virou preocupação para Jurgen Klopp e também para Tite, pois estava na lista de convocados para as próximas rodadas das Eliminatórias, contra Venezuela (dia 13/11, no Morumbi) e Uruguai (17).

Klopp foi perguntado sobre o nível de preocupação dos dois treinadores sobre o possível desfalque e alfinetou o colega brasileiro em entrevista ao "Esporte Interativo": "Não sei se Tite está tão preocupado, porque ele nunca o põe para jogar, então ele provavelmente só não vai ficar sentado no banco nos próximos três jogos pela seleção". Não foi a primeira vez. Em 2019, o treinador alemão já havia dito que Fabinho "pega muitos voos durante a pausa para jogos da seleção, só não joga".

Tite respondeu às provocações em entrevista à "Jovem Pan" e amenizou a polêmica: "Eu e Klopp temos o mesmo pensamento e a mesma escala de valores. É essencial a saúde dos atletas, ela é humana. A utilização é secundária, assim como o esporte é secundário quando a gente fala de saúde."

Também ontem, Fabinho acabou cortado destes últimos compromissos de 2020 e Allan, do Everton, ganhou uma chance. Tite já trocou Philippe Coutinho por Lucas Paquetá e também pode ter problemas com Neymar e Alex Telles. O corte interrompe uma sequência de convocações de Fabinho que começou no ano passado e deixa a afirmação com a Amarelinha para o futuro.

Pedro Martins / MoWA Press

Sem Olimpíada e Copa América

Seleção é um assunto delicado para Fabinho por causa de duas frustrações mais ou menos recentes. Convocado pela primeira vez em 2015, por Dunga, ele viveu a expectativa de disputar as Olimpíadas do Rio de Janeiro no ano seguinte, mas não foi liberado pelo Mônaco.

O clube disse, na ocasião, que contava com ele nos playoffs da Liga dos Campeões. Fabinho não aceitou o argumento e comprou uma briga interna que quase encerrou sua passagem pelo clube europeu antes da hora. "O presidente ameaçou de me colocar na Justiça se eu não voltasse a treinar e tudo. Mas no fim acabei voltando e fiquei fora das Olimpíadas mesmo", relembra.

As Olimpíadas não estão no calendário oficial de jogos segundo regra da Fifa, que prefere não entrar em conflito com os grandes clubes europeus. Fabinho se deu mal.

Três anos depois, o volante viveu a expectativa de ser convocado para a Copa América de 2019 — mais um grande torneio realizado no Brasil. Ele vivia o auge, titular nos 4 a 0 que tiraram o Barcelona na Liga dos Campeões, e a convocação foi dez dias depois. Fabinho não estava na lista. Uma vez mais, bateu na trave.

Fiquei realmente com um sentimento de injustiça."

"Quando eu fiquei fora da Copa América eu falei com sinceridade o que eu achava, que eu merecia estar na lista de convocados. Era outra oportunidade de disputar uma competição no nosso país com grandes chances de ser campeão. Não fui, mas a gente não pode desanimar por isso, são coisas que acontecem, não sou o único que passou por isso. Aprendemos com as situações. Eu não participei, mas bola para frente, sabia que teria que continuar meu trabalho no clube, dando meu melhor, para voltar à seleção", diz o jogador, que agora mira o futuro.

"Estou de volta, tenho sido chamado com frequência, temos outra Copa América no final dessa temporada europeia e a Copa do Mundo em 2022 e meu objetivo é continuar sendo convocado com frequência, ser importante de alguma maneira na seleção e para isso tenho que continuar bem e jogar no meu clube."

Fabinho em números

  • 109

    Jogos pelo Liverpool, com três gols e sete assistências. Contrato vale até 2022.

  • 251

    Jogos pelo Mônaco, com 34 gols (era cobrador de pênaltis) e 14 assistências.

  • 12

    Jogos pela seleção: quatro com Dunga, oito com Tite, por quem foi convocado dez vezes.

  • 4

    Títulos: dois nacionais (Francês e Inglês) e dois continentais (Champions e Supercopa).

Andrew Powell/Liverpool FC via Getty Images

Rigor no combate à Covid-19 em meio à segunda onda da Europa

O Reino Unido registrou ontem (28) quase 23 mil novos diagnósticos positivos de Covid-19, com 367 mortes. São os maiores números da doença em cinco meses e a situação já é considerada alarmante. É a chamada segunda onda da pandemia, o que levou à adoção de quarentena e novas medidas de distanciamento social — o mesmo acontece em vários países da Europa.

Para Fabinho, pouco mudará. "Num primeiro momento, fiquei só dentro de casa, não saía. O clube nos ajudava até a fazer compra. Sempre de máscara, que é a proteção que devemos ter. Mesmo agora, com as coisas mais avançadas, às vezes o povo esquece que há um vírus no ar. Sempre usamos máscara, temos vontade de sair de casa, ir em restaurante e se tiver cuidado até pode ir, mas temos cuidado para evitar qualquer tipo de risco e não vamos", diz o jogador, casado com Rebeca Tavares.

Durante o período à disposição da seleção no Brasil, Fabinho viveu uma bolha de isolamento rigorosa, que impediu até a visita da família: "Eu sou de Campinas, estivemos em São Paulo e com certeza eles [familiares] iriam ao hotel. Até comentei com a minha família que estávamos tão perto, mas tão longe (risos). Mas nesses tempos de hoje é a maneira que tem que ser."

Andrew Powell/Liverpool FC via Getty Images Andrew Powell/Liverpool FC via Getty Images

São-paulino, não descarta o Brasil

Fabinho nunca jogou profissionalmente no Brasil. Saiu do Fluminense aos 18 anos, estreou pelo Real Madrid Castilla e depois seguiu para Mônaco, Liverpool e seleção. Isso faz com que sua relação com o futebol nacional e também com o torcedor brasileiro seja diferente do normal.

Um exemplo: ele nunca pensou em atuar no país um dia, nem que fosse no fim. Quer dizer...

Antes eu falava que não [queria jogar no Brasil], mas hoje não sei, pode ser. Ainda está no talvez (risos). Eu já falei publicamente que eu torcia para o São Paulo, ainda acompanho os jogos e vejo os resultados, mas não da mesma maneira que antes."

Os horários atrapalham a audiência de Fabinho ao Campeonato Brasileiro, mas ele afirma que sempre vê os gols e melhores momentos das rodadas, especialmente dos primeiros colocados.

"Eu acompanho um pouco o Internacional porque o Boschilia está lá, joguei com ele no Mônaco e gosto muito dele, então sempre vejo os resultados e parece que é um time que está em forma e com confiança. Um dos últimos melhores momentos que vi foi Atlético-MG x Bahia. Só deu Atlético-MG, mas o Bahia acabou ganhando. Já não é a primeira vez que vejo lances do Atlético-MG, é uma equipe que busca o gol, busca dominar a partida, me agradou ver isso. E o Flamengo é o Flamengo desde o ano passado, acho que são essas equipes que me chamaram atenção."

Alguns torcedores do Fluminense às vezes me citam nas redes sociais, mas é um carinho diferente ao de outros jogadores que passaram pelo profissional e tiveram alguns anos, até uma história no clube. Eu nunca liguei para isso, sempre tentei buscar meu espaço dando meu melhor e chegando em grandes equipes como Mônaco e Liverpool, e também na seleção

Fabinho, sobre o distanciamento do torcedor brasileiro

Acho que isso acontece, é normal o torcedor brasileiro ter identificação grande com seu clube. Mas alguma hora você tem o seu reconhecimento e hoje todo mundo sabe quem é o Fabinho, minha maneira de jogar. Isso vem naturalmente, às vezes tarda um pouco ter um pouco mais de atenção, mas nunca foi um problema para mim, sempre fiz o meu trabalho

E sua afirmação na carreira

Carl Recine/Action Images via Reuters

Já ganhou tudo. E agora?

Fabinho diz que, desde a pré-temporada, os jogadores do Liverpool são bombardeados pelo técnico Jurgen Klopp com informações e cobranças para não se acomodarem depois de um ciclo tão grande de títulos. "Estamos na história do clube, mas não podemos parar por aí, seria pouco para a qualidade do nosso grupo. Ele tenta nos empurrar nos treinos, manda esquecer o que as pessoas disseram, que somos os melhores."

Os novos reforços, segundo o volante, adicionam competitividade e ânimo ao grupo. Um deles é Thiago Alcântara, filho do tetracampeão Mazinho, mas que defende a seleção da Espanha.

Mas acima de tudo, é uma cobrança individual. Afinal, como um jogador que atingiu um nível tão alto aos 26 anos planeja a carreira? O primeiro passo é ampliar o contrato válido até 2022: "Tenho esse e mais dois anos de contrato, pretendo cumprir esses três anos e logo ver se tem uma renovação ou não. Mas meu foco hoje é no Liverpool e estou muito feliz aqui."

"Estou em uma liga que é muito boa de jogar, muito competitiva, quando você joga aqui não tem vontade de sair. O Liverpool tem crescido muito nos últimos anos, temos uma equipe forte que tem tudo para seguir assim e o que estamos conquistando com esse grupo tem entrado na história. Podemos entrar cada vez mais e quero fazer parte disso."

Pilar do Liverpool, mas em busca de afirmação na seleção. Como disse Klopp, não dá para parar por aí.

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