Bate-bola com Luis Ludmer, curador do acervo e coordenador da pesquisa.
É possível afirmar que "Subterrâneos do Futebol" é a única produção do Herzog que teve o futebol como pano de fundo ou há mais material?
"De fato, esta é a única produção em vídeo sobre futebol que Vlado fez. Talvez exista alguma matéria jornalística feita por ele tendo o futebol como tema ainda não localizada. Vale lembrar que, como jornalista, Vlado cobriu a Copa do Mundo de 1966. Contudo tratava-se de cobertura radiofônica gravada e editada, não era ao vivo. O próprio título "Subterrâneos do Futebol" já indica por onde se dá o interesse do Vlado pelo tema. São as questões sociais subjacentes ao esporte e pouco debatidas à época. Vlado tinha este interesse específico por temáticas sociais e qualquer pauta que lhe era incumbida, (como o futebol, no caso) muitas vezes, ganhava estes contornos críticos e analíticos das questões sociais brasileiras."
Quais são as outras pérolas de que dispõe o arquivo? O que há de mais curioso na vasta produção do Herzog recentemente disponibilizada?
"Usando a ferramenta de busca do Acervo Vladimir Herzog com a palavra "futebol" surgiram duas cartas enviadas por Vlado para o cineasta Jean-Claude Bernardet e uma para o Alex Viany nas quais comenta sobre o filme "Subterrâneos do Futebol". Nós, que fizemos a pesquisa, gostamos muito das cartas escritas pelo Vlado, porque é nelas que encontramos sua voz em primeira pessoa. Para os jornalistas de gerações mais velhas, o que chama bastante a atenção são os exemplares digitalizados da revista "Visão", um periódico bastante importante no panorama político e cultural da primeira metade da década de 1970, quando Vlado foi seu editor de cultura. Para os amantes do cinema, os filmes, as resenhas e matérias de cobertura de festivais são de grande interesse. Tanto a correspondência quanto a Coleção Amigos do Vlado, com uma série de 12 entrevistas com pessoas que conviveram com ele em diferentes períodos de sua vida são os pontos de contato mais humanos que há do acervo em um esforço de mostrarmos não só o que foi produzido em vida por ele, mas também quem ele era. Uma pérola do acervo são os documentos que mostram que Vlado participou, quando adolescente, de um grupo de teatro amador junto com a Lélia Abramo. Isso nem a família dele sabia. Outra peculiaridade é que encontramos a carta original escrita por Zigmund Herzog para seu filho Vlado, em 1968, narrando os horrores vividos pela família Herzog durante a Segunda Guerra Mundial para que ele nunca esquecesse das origens de sua família na ex-Iuguslávia."
Quanto tempo durou a pesquisa para criação do acervo digital?
A pesquisa para a construção do acervo digital durou dois anos e contou com mais de dez pesquisadores, se somados os que também participaram da exposição "Ocupação Vladimir Herzog", no Itaú Cultural, em 2019. Como o texto de apresentação do projeto já avisa, este é um acervo que toma emprestado de muitos outros acervos diversos documentos, posto que pouco havia sido guardado pela família e a produção jornalística não era patrimônio do Instituto Vladimir Herzog.
O que é possível dizer sobre a relação do Herzog com esporte, com futebol? Ele tinha time do coração? Sabe-se se acompanhava?
Vlado não tinha apreço específico por esportes. Quem conviveu com ele nos conta que era um tipo sério, franzino, com um humor inteligente e muito leal a seus amigos. Ivo Herzog, seu filho, é um corintiano fervoroso. Lucas Herzog, filho de Ivo, neto de Vlado, também é corintiano. O que sei é que o gosto por esportes dos filhos e neto não foi hereditário. Os interesses de Vlado eram mais ligados às artes e à cultura em geral, nacional e estrangeira. Ele gostava muito de óperas, de teatro e de cinema, sendo o último o tema mais tratado em suas matérias jornalísticas. A profissão de cineasta foi um sonho nunca realizado. Segundo Clarice Herzog, quando Vlado estava pronto para começar a fazer seus primeiros documentários, ao deixar a editoria de cultura da revista Visão, ele morreu."