Chorem, haters

Fred conta como venceu fama de 'flop' para embalar no Manchester United. Agora ele quer títulos e seleção

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Peter Powell/Pool/Getty Images

"Flop" é a palavra em inglês para definir fracasso. No futebol, é usada quando um jogador vive cercado de expectativas, muitas vezes graças a investimentos milionários, mas não dá certo. Fred já foi considerado um flop no Manchester United.

Ex-jogador do Internacional, em junho de 2018, quando jogava no Shakhtar Donetsk-UCR, ele foi comprado pelo Manchester United por 55 milhões de euros (R$ 240 milhões, na cotação da época) — uma das 15 maiores transferências da história do futebol inglês.

A primeira temporada foi bem aquém do esperado, em uma reta final melancólica do trabalho do técnico José Mourinho. Em 2019/2020, as coisas melhoraram com Ole Solskjaer, o novo treinador. Mas é agora que Fred acha que tudo entrou nos eixos de vez: foi titular em quase 80% dos jogos do Campeonato Inglês, deu assistência na Liga Europa, briga pelo título da Copa da Inglaterra, empilhou boas atuações e se diz pronto para voltar à seleção brasileira após dois anos afastado.

Em entrevista ao UOL Esporte, o "ex-flop" conta como venceu a desconfiança até embalar no United, no qual agora vive a obsessão por um título que coroe essa volta por cima. Fred também explica a polêmica de seu casamento em meio à pré-temporada do time, se posiciona sobre racismo e fala sobre a relação com futebol brasileiro. Para azar dos seus "haters" (quem o odeia, em tradução livre).

Peter Powell/Pool/Getty Images

A melhor fase de Fred

Casamento polêmico? O quê?!

Fred estava no grupo que foi à Copa do Mundo da Rússia em 2018. No radar do técnico Tite, ele esperava ser convocado para a Copa América disputada no Brasil, entre junho e julho de 2019. Por isso, marcou a festa do seu casamento com a engenheira Monique Salum depois dessa data. O United iniciou a pré-temporada durante o torneio da Conmebol, liberando os convocados. O que Fred não esperava era ficar de fora da lista da seleção...

Por ter perdido alguns treinos para casar, ele ficou fora dos primeiros jogos da temporada como punição. O jornal "The Times" chegou a publicar na época que o casamento de Fred virou motivo de gozação entre os jogadores do Manchester United.

"O time [United] voltava [a treinar] uma semana antes [da data do casamento], então eu tive que conversar com o pessoal e todos aceitaram na boa, tanto que eu fui para o meu casamento tranquilo. Eu me apresentei normal no Manchester, depois o time viajou para a Austrália. Eu fiquei, treinei no outro dia e então viajei para o Brasil. Fiquei dois dias, casei e voltei novamente para a pré-temporada. Hoje, todo mundo fala, 'ah, o Fred é uma piada, perdeu a pré-temporada'. Mas as pessoas realmente não sabem o que aconteceu", desabafa. O que ficam são as lembranças do dia especial — que teve até show do Thiaguinho — e as lições que carrega.

Agora é história, faz parte. Nossa vida é muito corrida, né? Para marcar datas com a família é muito difícil. Mas as pessoas não querem saber, só querem saber de dentro de campo. Está dando resultado, está bom. Não está dando resultado, está uma merda. Desculpa o palavreado, mas é assim. Então você tem que tentar conciliar a vida profissional com pessoal e manter na balança."

Stefano Guidi/Getty Images

Obsessão por títulos

O Manchester United inicia a caminhada nas oitavas de final da Liga Europa hoje à tarde, às 17h00, contra o Milan, em Old Trafford. Um dos favoritos ao título continental, o United é vice-líder do exigente Campeonato Inglês, com 14 pontos a menos que o Manchester City e uma vitória no confronto direto. E Fred é um dos motores do meio-campo desse time, no que considera sua melhor temporada.

Está muito diferente do primeiro ano, que foi um choque. Fui chamado de flop quando vim para cá, não cheguei tão bem e tive poucas oportunidades, também. Na temporada passada já fui bem e essa terceira está sendo a melhor em termos de disputar muitas partidas, fazer grandes jogos, ter me adaptado totalmente ao futebol inglês. Estou fazendo meu melhor para que [a temporada] possa ser coroada com algum título e entrar na história do Manchester United."

A obsessão por títulos também fica clara nas declarações de Fred a respeito do amigo Bruno Fernandes, principal jogador do United no momento. O português de 26 anos tem 23 gols e 13 assistências na temporada 2020/2021. "Ele chegou aqui fazendo a diferença e continua voando, está jogando muito. É importante para a equipe ele continuar com a confiança lá no alto. Espero que fique aqui por muito tempo e a gente possa ganhar títulos juntos."

Acho que me adaptei muito bem ao futebol inglês agora. E é totalmente diferente pegar um time como o United aqui e o Shakhtar no Campeonato Ucraniano. Lá tínhamos a bola o jogo todo, na maioria dos jogos. Só atacávamos, quase não tinha perigo para a defesa. Então eu jogava no último terço do campo, mesmo sendo segundo volante. E aqui é totalmente diferente, você pega às vezes o último colocado e sofre para defender, tem que defender bem e tentar fazer um gol ali. É totalmente diferente, é complicado. Mas eu já me adaptei."

Fred, sobre a mudança do Shakhtar para o United

Os números mudaram um pouco, não estou fazendo tantos gols e dando tantas assistências, mas pode ver que estou sendo uma das peças importantes e fico muito feliz com isso. Estou ajudando de outras maneiras, defendendo bem, fazendo a saída de bola para o ataque, isso é importante. O futebol não se resume só em gols. Muita gente me questiona, 'ah, você precisa fazer mais gols'. Cara, quero também fazer mais gols, mas não se resume só a isso. Estou vivendo uma das melhores temporadas da minha vida e sem fazer nenhum gol ainda."

Fred, sobre a seca de gols em 2020/2021

Lucas Figueiredo/CBF

Volta à seleção está nos planos

O último jogo de Fred pela seleção foi em outubro de 2018. Ele tinha acabado de chegar ao United e sumiu das convocações seguintes por causa do mau início no futebol inglês. Antes, esteve com o grupo na Copa do Mundo, mas se machucou no início do torneio e não entrou em campo. Em um bom momento agora, Fred espera voltar a ser lembrado por Tite.

"Tem uma disputa de grandes jogadores ali no meio-campo, em todas as posições, mas eu venho fazendo muito bem meu trabalho, preciso continuar independentemente de estar sendo convocado ou não. Mas se o Tite olhar com um carinho grande para cá, e eu puder estar na seleção novamente, estarei feliz e honrado", diz, antes de brincar: "Acho que hoje eu estou mais próximo que em 2018, né (risos)?".

Fred diz que poderia jogar em qualquer posição do meio-campo da seleção, que em 2019 apostou no ofensivo esquema tático 2-3-5, com Casemiro (Allan ou Arthur) de primeiro volante, Douglas Luiz e Philippe Coutinho (ou Everton Ribeiro) mais à frente. Ele também adoraria ser convocado ao lado do lateral-esquerdo Alex Telles, seu companheiro de time há cinco meses.

"Torço muito para isso. Ainda mais agora que fizemos uma amizade legal. Se formos juntos para a seleção será maravilhoso. Espero que eu possa voltar e ele possa continuar indo por muito tempo, porque é um grande jogador e vem fazendo um grande trabalho aqui. Ele e o Luke Shaw têm uma disputa muito boa."

Peter Powell/AFP

Vítima de racismo, Fred quer punições mais severas

Os casos de racismo se empilham no futebol, e não é de hoje. Em dezembro de 2019, Fred foi vítima de ofensas por parte de torcedores do Manchester City durante um clássico contra o United. Ele se preparava para cobrar um escanteio quando foi atingido por vários objetos. Câmeras de TV ainda flagraram um homem, que chegou a ser preso depois, imitando um macaco.

"Estamos enfrentando esse assunto mais do que antigamente porque muitas pessoas têm voz na internet e se escondem atrás do celular para falar o que pensam, inclusive agredir com as palavras. Cresceu o número de racistas por isso. Óbvio que o combate também cresceu, mas precisamos usar mais nossa voz. Conseguimos alcançar um público muito alto. É importante falar disso, combater o racismo e outros tipos de discriminação", explica o brasileiro que também cobra mais rigor das autoridades.

"Aqui na Inglaterra houve casos de racismo dentro de campo, inclusive comigo. É uma coisa muito chata, as pessoas tentam fazer alguma coisa, mas acaba que a punição ainda não é tão severa quanto deveria ser. Se a punição fosse mais severa, não teria tanto racismo como tem, as pessoas iam parar para pensar um pouco mais e entender o próximo."

Ian Wolton/Pool/AFP Ian Wolton/Pool/AFP

O desafio de ficar no topo

No último fim de semana, o Manchester United venceu o City Campeonato Inglês por 2 a 0, com gols de Bruno Fernandes e Luke Shaw. Fred foi titular o jogo inteiro, formando o meio-campo com McTominay e o próprio português. A vantagem do rival, 14 pontos, parece não assustar o brasileiro.

"Estamos alguns pontos atrás do City e sabemos a dificuldade que é para tirá-los. Mas sabemos também que não é impossível, então foi uma mensagem não só para a torcida, como para o elenco e para mim também", disse o jogador ao explicar a motivação para ter publicado, antes do jogo, uma foto com a legenda: "Ainda é tempo de alcançar grandes coisas".

De ex-"flop" a um dos líderes e referência no milionário clube inglês, Fred tem agora o desafio de ser manter em alto nível. Sabe que a tarefa não é fácil, mas tem a receita na ponta da língua.

"Tem que ter uma concentração muito boa, sabe? E se privar de algumas coisas. Hoje, por exemplo, estou concentrado. Poderia estar com meus amigos, fazendo outra coisa, mas é o que eu escolhi, o que gosto de fazer. Procuro sempre ter isso comigo: foi difícil chegar aqui onde eu cheguei para deixar tudo ir por água abaixo."

Quando cheguei ao clube minha esposa estava grávida e foi um turbilhão, muitas coisas acontecendo. Eu tinha acabado de jogar a Copa e voltei lesionado, estava num clube gigantesco. A vida pessoal não estava balanceada, e isso dentro de campo afeta um pouco. Aí meu filho nasceu, começamos a nos acertar em casa e a vida profissional também melhorou. Uma coisa levou à outra."

Fred, sobre sua situação pessoal quando chegou ao United

Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images

No Brasil, coração dividido

Uma pergunta tradicionalmente feita para jogadores brasileiros que atuam no exterior é se eles têm vontade de voltar um dia ao país. A resposta, igualmente repetida, é 'sim'. Mas no caso de Fred existe uma particularidade: ele não sabe para onde.

Nascido em Minas Gerais, ele começou a jogar nas categorias de base do Atlético-MG — o time que torce. Antes de se profissionalizar foi para o Internacional e lá estourou para o futebol brasileiro, com dois títulos do Campeonato Gaúcho. Hoje, ama os dois times.

"Estava torcendo para um dos dois ser campeão e acabou que nenhum foi (risos). Mas faz parte, é dar parabéns ao Flamengo, tenho muitos amigos lá, até parabenizei o Filipe Luís e o Gabigol, eles fizeram um grande campeonato."

Fred diz, entre risos, que segue "até mais do que deveria" o futebol brasileiro. "Minha mulher xinga um pouco. Eu estou assistindo ao jogo e ela: 'vem ficar comigo'. 'Pô, estou assistindo ao jogo agora, não dá'. Mas eu gosto de acompanhar bastante o Brasileirão."

Por enquanto, o futebol brasileiro que espere. Fred está ocupado provando que de "flop" não tem nada.

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