Quando Bruno virou Fred

Garoto-propaganda do Desimpedidos, que sempre quis ser jogador, mudou de vida após sucesso no YouTube

Leandro Miranda e Thiago Tassi Do UOL, em São Paulo Divulgação/NWB

Jornalista, boleiro ou youtuber? Um pouco de cada

Provavelmente você já conhece o Fred, principal nome do canal Desimpedidos, do YouTube. Ele já entrevistou o Cristiano Ronaldo, bateu bola com o português e Marta juntos, entrou em campo em jogo de Copa do Mundo, é amigo de craques como Falcão e Neymar e tem uma legião de cinco milhões de seguidores no Instagram.

Mas o jornalista Bruno Carneiro Nunes, 31, veio antes do apelido recebido no canal e que ganhou fama. Cresceu na Vila Santa Catarina (Jabaquara, São Paulo) e só conseguiu realizar o maior sonho da vida —jogar profissionalmente— quando as mídias sociais já o haviam apresentado para o mundo, com sucesso. No começo do ano, Fred trocou o dia a dia do Desimpedidos para se aventurar no Magnus Futsal, da principal liga nacional da modalidade. Virou série no YouTube.

Ela [a série] é a junção de tudo. É o sonho do Bruno, que sempre quis ser jogador de futebol e que acabou indo para esse caminho, quando eu virei Fred. Se eu não tivesse virado Fred, esse sonho não seria possível. Então foi a soma das duas coisas. A ebulição do Fred e do Bruno.

De jornalista a youtuber, de moço de família a famoso no Instagram, de adversário de boleiros em desafios de habilidade e apresentador de programas humorados na internet a jogador profissional. Uma mistura entre Bruno e Fred. Quem é ele, afinal?

Divulgação/NWB

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Acervo pessoal

Primeiro, o Bruno. E ai dos amigos se errarem

Fred tem um jeito simples de saber se a pessoa tem proximidade com ele: se chamar pelo nome verdadeiro, é porque é íntimo. Familiares e amigos de infância, por exemplo, o chamam apenas de Bruno. Mas o apelido já "pegou" tanto que às vezes até esses mais chegados acabam trocando as bolas —o que invariavelmente acaba causando uma bronca.

"A única coisa que me incomoda é se são aqueles amigos das antigas, que me conhecem antes de ser Fred, e me chamam de Fred. Eu falo: 'E aí, tá me tirando? Que besteira é essa [risos]?'".

O apelido, claro, veio por causa da semelhança com o centroavante Fred, ex-seleção brasileira. Quem o batizou assim foi Bolívia, outro integrante famoso do Desimpedidos. O detalhe disso tudo é que o próprio Fred se acha mais parecido com outro jogador...

Fred ou Diogo Barbosa?

Eu, particularmente, acho que eu me pareço muito mais com o Diogo Barbosa [lateral do Palmeiras]. Fred é um traço ou outro. Diogo Barbosa a gente tem umas fotos, eu acho muito mais parecido. Se o Diogo Barbosa estourasse um pouco antes, talvez meu apelido fosse Diogo, e não Fred. Agora é tarde, e eu estou feliz com Fred.

Fred, pensando como o apelido poderia ter sido outro...

Parece ou não?

Twitter/Reprodução Twitter/Reprodução

Causos da bola

Acervo pessoal

Perrengue argentino

A cobertura que Fred considera a mais marcante na carreira é meio inusitada: a Libertadores de 2017, vencida pelo Grêmio em cima do Lanús. "Libertadores é perrengue, você toma pedrada, copo de cerveja no carro, você fica em alguns lugares, principalmente na Argentina, que é um ambiente bem hostil, em que você não pode falar, porque se as pessoas se ligarem que você é brasileiro, você pode apanhar na rua. Quando eu viajo para a Europa e falo espanhol, o pessoal acha que eu sou argentino, porque eu aprendi o sotaque para não morrer [risos]."

Reprodução

Felipão por um dia

Fred viu ao vivo o título brasileiro do Palmeiras, seu time do coração, em 2018, e viveu uma situação surreal ao voltar do Rio de Janeiro para São Paulo: se passou pelo técnico Felipão para embarcar com o elenco alviverde. "A gente comprou uma passagem do nosso bolso. Chegou lá, o Moisés [meia do Palmeiras] me viu no aeroporto e falou: 'vocês vão dentro do avião com a gente'. Entrei com a passagem do Felipão no voo. O Felipão ia para outro lugar do Brasil. Violamos todas as normas de segurança da Infraero [risos], foi um dia muito especial".

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Frustrado pela Bélgica

A derrota do Brasil para a Bélgica na Copa do Mundo de 2018, por 2 a 1, é apontada por Fred como um dos dias mais tristes de sua vida. Ele estava na Rússia, cobrindo o Mundial para o Desimpedidos. "Eu tive que lidar com uma frustração muito grande, que não dependia de mim. Eu fiz todas as superstições possíveis, me dediquei, me doei para a seleção [risos]. Fui expulso do estádio porque eu ficava chorando e não queria ir embora, não acreditava. Já estava planejando tatuagem com a taça, autógrafo dos caras. E aí veio a Bélgica e falou 'não'".

Divulgação/NWB Divulgação/NWB

Auge da carreira não foi conhecer CR7, acredite

A vida mudou quando Fred conheceu Cristiano Ronaldo. Gravar com o principal ídolo, em 2018, fez a popularidade do youtuber aumentar. Afinal, quem é que consegue uma entrevista exclusiva com o astro da Juventus hoje em dia? Mas este não foi o ápice para ele, acredite se quiser.

Jogar profissionalmente futsal deixou o apresentador ainda mais realizado. E a jornada, exibida durante oito domingos no YouTube, de forma gratuita desde 19 de abril, sacudiu sua rotina. Ele precisou gravar quadros do Desimpedidos em ritmo bem intenso no fim do ano passado para ficar cerca de três meses —de janeiro até pouco antes do início da quarentena no Brasil, em março— imerso no desafio em Sorocaba, com o Magnus.

Com conteúdo pré-gravado para o Desimpedidos até 22 de março deste ano, mudou-se para o interior paulista. Deu um tempo na vida de festas e baladas, fez dieta, teve de ser pontual. Tudo para viver o projeto da forma mais verdadeira possível. É o que mais o encantou no final. "Tudo ali aconteceu à vera mesmo. Se eu fiz gol, é porque fiz gol mesmo. Se eu tomei um drible, é porque eu tomei um drible. Até porque os times que a gente jogou contra não tinham nada a ver com isso."

Como eu me mudei para Sorocaba e estava vivendo o futsal, o futebol o tempo todo, jogando no mínimo duas vezes por dia, eu não estou com saudade de jogar bola, não [risos]. Vou ser bem sincero. Até queimei minha língua, porque, quando eu voltei de lá, eu peguei e falei: 'Nossa, eu quero encostar numa bola agora só em setembro'. E se bobear vai ser meio que isso mesmo [risos]. Sem querer, dei uma 'zicada' aí.

Fred, sobre se a quarentena o deixava com saudade de jogar futebol

Divulgação/NWB

"Eu é que acalmei a Marta"

Depois da primeira experiência de entrevistar o ídolo, Fred teve outra oportunidade de contracenar com Cristiano Ronaldo. Foi em um desafio de habilidades que também contou com a participação de ninguém menos que Marta, a maior jogadora de todos os tempos. E não é que quem sofreu com o nervosismo dessa vez foi... a Marta?

Ela falou: 'ele não chega', porque ele deu uma atrasada. E aí eu pensei: 'não sei o que aconteceu com o futebol no mundo, que eu estou tranquilizando a Marta para encontrar o Cristiano Ronaldo'. Que loucura. Eu falei: 'calma, ele é gente boa, fique tranquila'.

Nessa segunda vez, pelo menos, Fred já estava bem mais relaxado diante de CR7. "Eu tinha mais 'casca' do meu trabalho, estava com mais propriedade e um nome mais consolidado, e já tinha mais intimidade com ele. Porque sabia que ele gosta do tipo de humor que eu faço, do tipo de pergunta... Sabia que o trabalho seria bem feito, e é confiança também, né? Se eu não confiar em mim, quem vai confiar?".

Divulgação/NWB Divulgação/NWB

Como definir o Bruno

  • Persistência

    Fred se define como uma pessoa dedicada, que persiste e tenta ser o melhor possível, o melhor daquilo. Assim superou o nervosismo para conhecer CR7, por exemplo. Ensaiou muito e simulou com uma ex-namorada diversos rumos para a conversa. Primeiro, ela fazia o papel do português; depois, o contrário.

    Imagem: Divulgação/NWB
  • Família e festas

    Agora que tem uma casa com piscina e espaço, Fred não hesita em convidar os amigos. Chegado a uma festa, ele gosta de fazer churrasco, celebrar com a família. É o que mais sente falta na quarentena, bem como beijar a mãe, o pai e a irmã. "Estou sentindo muita falta do carinho. De encostar nas pessoas."

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • Autocobrança

    "Quando eu coloco alguma coisa na cabeça, não tem jeito, é difícil de tirar", afirmou Fred, quando falava sobre a série. No começo da aventura, ele exigiu tanto de si para estar no nível dos outros jogadores a ponto de receber alguns toques para diminuir a autocobrança. Precisou dosar para melhorar o rendimento.

    Imagem: Divulgação
  • Já a pontualidade...

    O jornalista nem esconde que não é pontual. Ele até brincou com o fato de se atrasar --só uns minutinhos-- para a entrevista com o UOL, mesmo estando em casa. "Sendo bem sincero, eu sou a pessoa mais impontual do mundo. Sou extremamente atrasado, pode ver que até aqui na entrevista eu entrei atrasado."

    Imagem: Divulgação/NWB

É muito doido, mas desde pequeno eu sempre sonhei em ser famoso. Sempre fui o 'aparecidão' assim. Na escola, as apresentações eu que queria fazer, festa junina eu que queria dançar. Então eu sempre alimentei isso na minha cabeça. Isso acabou meio que me treinando, óbvio que não 100%. No começo eu ficava meio tímido, e parecia que eu estava sendo mala com as pessoas. Aí comecei a ter feedbacks de pessoas próximas, 'dá para você ser mais assim'. Hoje já abraço, dou beijo, acho que consigo lidar bem.

Fred sempre sonhou ser famoso. Conseguiu

Pitacos do Fred

Claro que a gente também aproveitou para trocar uma ideia de futebol

Harold Cunningham - UEFA/UEFA via Getty Images

Messi x CR7

"Cristiano, sem dúvidas. Mas se fosse para escolher na pelada, eu escolheria o Messi. Pelas características muito parecidas com as do Cristiano, talvez não ia bater nosso futebol [risos]. Me dói falar isso, mas vou falar: [o talento dele] é muito inferior ao do Messi. O Messi eu acho que é 80% talento e o resto é dedicação, é trabalho. O Cristiano Ronaldo já acho que é quase invertida essa porcentagem. Então o cara que não nasceu com tanto talento trabalhar para ficar no mesmo nível do cara que nasceu um ET, é isso que eu valorizo, entendeu? O cara chegar ali".

KARIM SAHIB / AFP

Tite e a seleção

"O que o Tite fez na Eliminatória, sem sombra de dúvidas, foi o melhor time que eu vi jogar. Era um time que ganhava quando queria, que tinha um poder de reação, um poder de criação muito grande. Eu confio muito no trabalho do Tite. Pode acontecer um desgaste? Pode. Mas acho que não está perto de isso acontecer. É que a torcida brasileira cobra muito, em tudo. Um resultado negativo ali, já vira tudo um cocô. [Os jogadores] falam que ele é excepcional, um cara que tem uma relação muito boa. E eu entendi que o técnico não basta ser bom em tática".

Sascha SCHÜRMANN / AFP

Neymar "the Best"?

"Ele está nesse processo de amadurecimento, só que já não tem mais tanto tempo assim, né? Está com 28 anos. Tem aí um, dois anos. Porém, vou mais além: a gente também não sabe se ele quer ser o melhor do mundo. Às vezes, ele só quer jogar o futebol dele, ser campeão... O que vale: você ser o Ronaldinho, melhor do mundo duas vezes, mas curtir o resto da sua vida, ou ser o Cristiano Ronaldo, melhor do mundo cinco vezes, mas há 13, 14 anos abrindo mão de uma série de coisas? Acho que o Neymar tem um lado muito mais Ronaldinho".

Divulgação Divulgação
Divulgação

Bastidores da série

Fred não sabia, mas uma despretensiosa boa atuação em um Superclássico (evento em que o apresentador do Desimpedidos desafia Juninho Manella, do Vosso Canal), na Arena Sorocaba, era o pontapé inicial para a aventura como jogador profissional.

Houve pedidos dos próprios atletas do time de futsal, naquele dia, que assistiam ao jogo da arquibancada, para que o apresentador se juntasse à equipe. O coro aumentou no ano passado, quando Fred foi ao interior paulista gravar um desafio com o elenco do Magnus. Veio o convite oficial, quando o YouTube o procurava para produzir uma série original... aí virou casamento.

Outro bastidor da produção envolve uma característica já citada na matéria: a falta de pontualidade —desta vez com certa ressalva. Os treinos aconteciam todo dia às 10h, e o youtuber levou uma bronca no começo por entrar na quadra 9h57. É que religiosamente o clube se reúne dez minutos antes de todo treinamento para uma resenha, e ele não sabia. Aprendeu 'na marra' após uma chamada do dirigente Reinaldo Garcia Simões.

No vídeo que eles [Desimpedidos] pediam de candidatura, eles falavam: 'Tem que ser engraçado, tem que conhecer de futebol, tem que ser descolado'. E eu fui respondendo todos esses pré-requisitos com os vídeos que eu já tinha gravado [num canal próprio], então esse portfólio foi muito importante. E aí falavam: 'Tem que ser zoeiro. Puts, como vou provar que eu sou zoeiro? Se eu entrar, faço tatuagem [com a palavra] zoeira na veia'. E está aqui. Tem gente que me pergunta: 'Você não vai cobrir, não?' Pô, jamais. Faz parte da minha história.

Fred, sobre processo seletivo para entrar no Desimpedidos

Divulgação/NWB

O futuro: carreira no YouTube ou no futsal?

(ATENÇÃO: os parágrafos a seguir contêm spoilers)

Fred se entregou à série, viveu intensamente, como é para tudo, de acordo como ele próprio define. Sentiu dores, pensou em desistir e teve uma lesão que o incomodou em boa parte da experiência (spoiler 1). Ainda assim, seguiu, saiu-se bem e... foi convidado para continuar no time tricampeão mundial de futsal (spoiler 2).

"É um 'spoilerzão' [risos], mas teve [convite para continuar], sim. E ainda está em aberto. A gente está em quarentena, ninguém está jogando e sabe como vai ser o futuro. Desde o primeiro instante que eu comecei a treinar, eu falei: 'Vou treinar para continuar. Não quero ir lá só para gravar a série, quero estar de igual para igual com os caras'".

"Tem a possibilidade de você seguir mesmo a carreira de jogador? E o Desimpedidos, como fica?", perguntou a reportagem.

"Realmente não sei [risos]", respondeu.

Devido à pandemia que atinge o planeta, ele terá um tempo maior para refletir: segue com a rotina do Fred ou volta à vida do Bruno? Um pouco de cada certamente carregará, seja lá qual for a decisão.

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