Quando Nelson Rodrigues pensou no título do seu livro de crônicas "A pátria de chuteiras", resumiu em quatro palavras o que o futebol representa para a sociedade brasileira. Usou o esporte como metáfora para descrever certa brasilidade moldada pelas quatro linhas. Neste dia 20 de novembro, voltemos no tempo para investigar como este aparentemente inocente jogo pôde traduzir todo o racismo que até hoje é uma das mais pesadas chagas nacionais.
Um apaixonado por futebol, Nelson Rodrigues costumava se referir a Pelé, a quem ele deu o apelido de Rei, como "crioulo", como uma forma "afetuosa", apesar de marcar o discurso racista do escritor. Pelé, que quando chegou ao Santos era chamado pelos colegas de time de "Gasolina", em derivação do negro petróleo, e foi alvo de inúmeros episódios racistas, não se pronunciou sobre o tema ao longo da carreira.
No Brasil, o futebol, assim como as bases do país, foi moldado em uma estrutura racista, que impedia, por exemplo, que negros o praticassem. Os jogadores pretos provaram que eram bons no jogo inventado pelos ingleses, e a entrada deles, assim como a de operários, nos campos passou a ser tolerada. Neste período, começa o processo de profissionalização, evidenciando as questões relacionadas à classe e raça no esporte. Ao longo da história, inúmeros jogadores negros sentiram na pele o peso racismo no esporte. Exemplos não faltam, desde o goleiro Barbosa, responsabilizado pela derrota da seleção brasileira na Copa de 1950, passando por Pelé, até casos mais recentes como os do goleiro Aranha e do atacante Neymar.
Voltando ao livro de Nelson Rodrigues que abre esta matéria, foi na publicação que ele cunhou a expressão "complexo de vira-lata", ou seja, aquele sentimento de que tudo o que vem de fora é melhor do que o que temos aqui. Muito deste sentimento é consequência da não valorização de nossas origens, da recusa da potência de nossa negritude tão combatida desde sempre e que o futebol exemplifica e escancara. Considerando que o racismo ainda é um fantasma a nos assombrar, Nelson poderia incluir uma quinta palavra em seu título. Somos a pátria excludente de chuteiras.