Bronze para um novo Medina

Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico

Bruno Braz e Guilherme Dorini Do UOL, no Rio de Janeiro e em Londres Willian Lucas/COB

Gabriel Medina mostrou ao mundo o seu "novo eu" durante os Jogos Olímpicos de 2024. E esse novo retrato é acompanhado de uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Paris.

O surfista brasileiro recentemente reatou laços com a família e passou por um período conturbado, marcado pela depressão. O mar de Teahupoo é palco de mais um capítulo de sua história.

A jornada de Medina até o pódio não foi fácil — e nem estamos falando apenas da pegadinha que as águas do Taiti pregaram na semifinal olímpica. As ondas sumiram!

No enredo pessoal, como um todo, ele deixou para trás batalhas internas, rompimento familiar e até de comando técnico. Mas agora, de bem com a mãe, a irmã e com seu padrasto Charles Saldanha — que retornou a ser seu treinador nas Olimpíadas —, Gabriel mostrou não só sua capacidade técnica, mas também resiliência.

Quando teve onda para surfar, a performance de Medina foi memorável. Teve até um troco no japonês Kanoa Igarashi, que foi algoz em Tóquio. Tudo isso representado por uma das fotos mais icônicas das Olimpíadas.

Medina apontou para o topo. Mesmo sem o ouro, não dá para ignorar quão alto ele chegou.

Willian Lucas/COB
Ben Thouard/Pool via REUTERS

Feliz com a medalha. Treinei bastante esse ano para isso. O foco estava no ouro, mas sou medalhista olímpico. Fico feliz pelo meu trabalho. Sou apaixonado pelo meu país. E hoje vai rodar a imagem com a medalha no peito. Gabriel Medina

William Lucas/COB William Lucas/COB

Cadê a onda?! Veio no bronze

Medina precisou lidar com uma pegadinha de um mar que já lhe deu tanto. A derrota na semifinal olímpica trouxe a sensação de injustiça, porque não foi possível nem competir direito contra o australiano Jack Robinson.

De marola em marola, ele só conseguiu emplacar uma onda. Não foi suficiente.

Robinson conseguiu pegar a única relativamente boa da bateria, entrou num tubo e ganhou um 7,83. Somando com a outra de maior potencial que havia surfado, fechou com 12,33 contra 6,33 de Medina, frustrando o atleta brasileiro.

Gabriel perdeu na mesma fase da competição em que havia se dado mal nas águas de Tóquio, nos Jogos passados. De novo uma disputa pelo bronze adiante.

Agora, era preciso engolir a frustração e juntar ainda mais as forças para a busca do bronze. E lá foi ele: superou o peruano Alonso Corrêa e abraçou o lugar no pódio.

William Lucas/COB William Lucas/COB

Já me deu muita alegria esse mar. Faz parte. Infelizmente foi uma bateria de poucas ondas. Mas faz parte do esporte. Fico feliz porque deu meu melhor. Foi um começo triste e teve final feliz. Estou amarradão.

Gabriel Medina, medalhista de bronze no surfe em Paris 2024

Jerome BROUILLET / AFP  Jerome BROUILLET / AFP

Desbancou algoz de Tóquio em voo icônico ao pódio

Em uma competição que teve adiamentos por causa das condições do mar, Medina ainda teve vitórias tranquila sobre Bryan Perez (ESA) e Connor O'Leary (JAP).

E aí, a disputa contra Kanoa Igarashi (JAP) veio com gosto de revanche. Era para ver quem iria sorrir ou chorar no final — como provocou o japonês em Tóquio, depois da controversa vitória.

Medina passou com louvor: a maior nota da história do surfe nas Olimpíadas, um 9,9, que ainda terminou com uma foto extraordinária, tornando-se um marco desta edição dos Jogos.

Com o trauma do passado superado, Gabriel enfrentou uma sequência de duros adversários antes de garantir sua medalha de ouro. Nas quartas de final, superou o brasileiro João Chianca, o Chumbinho, algo que o deixou com o coração partido por conta da amizade e de todo o convívio dos dias olímpicos no Time Brasil.

"Infelizmente a gente se enfrentou. Esse é um cara que eu admiro demais. Ele tem cara de marrento, mas é um dos maiores corações que eu já conheci. Valeu pela parceria, bro! Parabéns pelo resultado. Deus abençoe sua caminhada!", escreveu ao seu amigo no Instagram.

Damien Poullenot/WSL via Getty Images

Olimpo do surfe

Se ainda havia alguma dúvida sobre o lugar que Gabriel Medina ocupa na história do surfe, colocar uma medalha olímpica no peito faz qualquer questionamento ficar para trás.

Medina é um dos raros casos onde o talento e espírito competitivo andam juntos. E ele cansou de provar isso desde que chegou ao Circuito Mundial, em 2012, com apenas 17 anos.

O brasileiro conquistou simplesmente todos os principais títulos que um surfista sonha em alcançar: Mundial Júnior (2013), Tríplice Coroa Havaiana (2015) e ISA Games (2024), além dos três campeonatos mundiais (2014, 2018 e 2021).

À frente de Medina, em termos de títulos, estão apenas Mark Richards (4) e Kelly Slater (11), considerado o maior de todos os tempos. Empatados estão Andy Irons, Tom Curren e Mick Fanning.

Medina continua ficando melhor a cada ano. Não parece possível, mas ele consegue. Parece que ele está cada vez mais feliz, mais presente
Kelly Slater após último título mundial de Medina

Os feitos de Gabriel Medina

  • Mundial Júnior

    Principal torneio das divisões de base conquistado em 2013.

  • ISA Games

    Torneio entre países disputado em março e que deu a vaga a Paris.

  • Tríplice coroa havaiana

    A conquista foi em 2021, ao somar a maior pontuação nos mares havaianos de Haleiwa, Sunset Beach e Pipeline.

  • Mundiais

    Medina é tri mundial na World Surf League: 2013, 2018 e 2021.

  • Etapas conquistadas

    Gabriel Medina tem 17 etapas conquistas no Circuito Mundial.

  • Back flip

    Medina foi o primeiro surfista a dar um backflip no Circuito Mundial, a manobra que consiste em um giro acrobrático para trás.

Reprodução / Instagram

O novo time Medina

Gabriel decidiu profissionalizar o famoso "Time Medina". Anteriormente, no início de sua carreira, o planejamento da equipe era feito em casa, com a família, e durante o período de conflitos familiares, até mesmo sem alguém totalmente focado nessa tarefa. No entanto, em 2022, Jorge Bichara foi integrado como o novo "gerente de equipe".

Ex-diretor de esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB), por onde trabalhou por 17 anos, Bichara sempre esteve acostumado a trabalhar com o planejamento de várias modalidades, desde logística, até fazendo um meio de campo entre atletas e equipes técnicas.

E não foi diferente com Medina. Uma das suas primeiras ações, inclusive, foi mostrar para Gabriel, e seu empresário, Felipe Stanford, a importância de se ter peças-chave o acompanhando em cada área ao longo da temporada, como costuma funcionar outras modalidades. Assim, foi redesenhado o "Time Medina".

Além de Bichara, o surfista de Maresias ainda conta com Carla Di Pierro (psicóloga), Allan Menache (preparador físico), Alexander Rehder (fisioterapeuta), Renata Parra (nutricionista), Lucas Balbino (filmmaker) e Johnny Cabianca (shaper).

William.Lucas/COB

Do céu ao inferno

Já bicampeão mundial, Medina viveu um período turbulento em sua vida pessoal e profissional, entre 2021 e 2022, principalmente devido à relação com Yasmin Brunet. O relacionamento com a modelo, iniciado em 2020, gerou atritos intensos com a família do surfista, especialmente com a mãe, Simone Medina, e com seu padrasto e técnico de longa data, Charles Saldanha.

Em 2021, Medina tomou a decisão de se afastar da família para se concentrar exclusivamente na carreira e, consequentemente, em Yasmin. No circuito mundial, o técnico foi o australiano Andy King. Mesmo assim, conquistou seu terceiro título mundial.

O brasileiro parecia inabalável. Mas só parecia.

"Teve bateria que eu ia chorando para a água. Me afetou de alguma forma. Eu me mantive calmo, nunca falei nada sobre. Queria focar no meu trabalho. Fico feliz que fui recompensado com meu terceiro título mundial. Mas não foi fácil", disse na época à TV Globo.

Toda a pressão acumulada explodiu no início de 2022, quando o surfista anunciou o término de seu casamento e uma pausa em sua carreira para cuidar da saúde mental. Mais tarde, ele revelaria depressão e jogaria luz no tema sobre a importância de priorizar o bem-estar psicológico.

Medina retornou às competições após cinco meses, na Indonésia, expressando gratidão pelo apoio recebido. Era o começo de um novo capítulo em sua carreira, que viria com a reconciliação com o círculo mais próximo da família.

William Lucas/COB William Lucas/COB

Ficamos aqui na maior vibe, torcendo, orando. Foi bem tenso, desde a hora que começou. Mas é isso, estou feliz por ele, feliz que ele está feliz. Feliz que ele está lá com o Charles, isso para nós é uma grande vitória. Nós passamos por um período meio chato, mas agora voltamos mais fortes. Já aviso aos adversário, estamos mais fortes. Eles que esperem por nós.

Simone Medina, Mãe de Gabriel Medina, à CazéTV, depois do bronze olímpico

ISA/Pablo Franco

Ouro no ISA Games deu sinais

Apesar de ter vencido uma das etapas do Mundial em 2023, pode-se dizer que Medina estava, realmente, de volta após a conquista da medalha de ouro no ISA Games no começo deste ano, em Porto Rico, onde garantiu sua vaga para os Jogos Olímpicos de Paris 2024.

Medina teve um desempenho histórico, vencendo todas as baterias em que competiu, além de uma performance dominante na final. Mas o que tornou tudo ainda mais especial foi a situação em que se viu na competição, já o ranking final era por equipe, e não individual.

Com Filipe Toledo e Yago Dora eliminados, Gabriel chegou à bateria decisiva, com outros três surfistas, precisando ser campeão e torcer para que nenhum francês (eram dois na final) fosse segundo colocado. E deu certo. Além de terminar no primeiro lugar, viu seu parceiro de viagens, o marroquino Ramzi Boukhiam, terminar em segundo, deixando Kauli Vaast e Joan Duru para trás.

Era um sinal do que viria pela frente.

Tóquio-2020 foi a primeira Olimpíada do surfe. Veja os medalhistas

  • Italo Ferreira (BRA)

    O brasileiro Italo Ferreira obteve o primeiro ouro olímpico da história do surfe no masculino. O japonês Kanoa Igarashi foi prata e o australiano Owen Wright ficou com o bronze.

    Imagem: Marcelo Maragni
  • Carissa Moore (EUA)

    A norte-americana Carissa Moore levou o ouro em Tóquio na competição feminina. Bianca Buitendag, da África do Sul, ficou com a prata; e Amuro Tsuzuki, do Japão, obteve o bronze.

    Imagem: ISA / Jimenez
Jerome BROUILLET / POOL / AFP Jerome BROUILLET / POOL / AFP

Os medalhistas brasileiros

  • Larissa Pimenta (bronze)

    A chave é acreditar: Larissa é bronze no judô depois de muita gente (até uma rival) insistir que ela era capaz.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Willian Lima (prata)

    Dom e a medalha de prata: Willian sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Rayssa Leal (bronze)

    Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa: Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem.

    Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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  • Equipe de ginástica (bronze)

    Sangue, suor e olho roxo: Pela primeira vez na história, o Brasil ganha medalha por equipes na ginástica artística. E foi difícil...

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
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  • Caio Bonfim (prata)

    Buzina para o medalhista: Caio conquista prata inédita na marcha atlética, construída com legado familiar e impulso de motoristas.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    'Paro no auge': Rebeca leva 2ª prata, entra no Olimpo ao lado de Biles, Comaneci e Latynina, e se aposenta do individual geral.

    Imagem: Rodolfo Buhrer/Rodolfo Buhrer/AGIF
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  • Beatriz Souza (ouro)

    Netflix e Ouro: Bia conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    Ninguém acima dela: Rebeca ganha sua quinta medalha olímpica, o ouro no solo, e já é recordista em pódios pelo Brasil.

    Imagem: Ricardo Bufolin
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  • Equipe de judô (bronze)

    O peso da redenção: Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva.

    Imagem: Miriam Jeske/COB
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  • Bia Ferreira (bronze)

    A décima - Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil.

    Imagem: Piroschka Van De Wouw/REUTERS
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  • Rebeca Andrade (ouro)

    O mundo aos seus pés: Rebeca Andrade bate Simone Biles no solo, é ouro e se torna maior atleta olímpica brasileira da história.

    Imagem: Elsa/Getty Images
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  • Gabriel Medina (bronze)

    Bronze para um novo Medina: Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico.

    Imagem: Ben Thouard / POOL / AFP
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  • Tatiana Weston-Webb (prata)

    Ela poderia defender os Estados Unidos, mas fez questão de ser brasileira e ganhou a prata de verde e amarelo

    Imagem: William Lucas/COB
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  • Augusto Akio (bronze)

    Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

    Imagem: Luiza Moraes/COB
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  • Edival Pontes (bronze)

    Bronze sub-zero: Edival Pontes, o Netinho, conheceu o taekwondo quando ia jogar videogame; hoje, é bronze na 'categoria ninja'

    Imagem: Albert Gea/REUTERS
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  • Isaquias Queiroz (prata)

    Esporte de um homem só - Isaquias Queiroz segue soberano na canoagem e se torna 2º maior medalhista brasileiro da história olímpica.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Alison dos Santos (bronze)

    Piu supera tropeços em Paris, mostra que estava, sim, em forma e conquista seu segundo bronze olímpico.

    Imagem: Michael Kappeler/picture alliance via Getty Images
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  • Duda e Ana Patrícia (ouro)

    Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

    Imagem: CARL DE SOUZA/AFP
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  • Futebol feminino (prata)

    Prata da esperança - Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Vôlei feminino (bronze)

    Evidências - Programada para o ouro, seleção de vôlei conquista um bronze que ficou pequeno para o que o time fez em Paris.

    Imagem: REUTERS/Annegret Hilse
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