Da obsessão à libertação

Presidente do Palmeiras, Maurício Galiotte, avalia que conquista da Libertadores cimenta legado da sua gestão

Danilo Lavieri e Thiago Ferri Do UOL, em São Paulo NAYRA HALM/ESTADÃO CONTEÚDO

O título da Copa Libertadores fez o presidente do Palmeiras, Maurício Galiotte, voltar a ser um torcedor dos seus tempos de arquibancada. Quando Breno Lopes fez o gol sobre o Santos, aos 53 minutos do segundo tempo, o dirigente saiu correndo e até tropeçou ao abraçar os vices Paulo Buosi e Alexandre Zanotta, acompanhado do ex-centroavante Evair. Ao fim da partida, ajoelhou-se emocionado no Maracanã.

Galiotte compara a alegria do sábado (30) ao nascimento dos seus filhos. Para ele, a conquista da América significa muito mais que um troféu, cimenta o legado de sua gestão, que tinha como principal obsessão, justamente, o bicampeonato da Libertadores. Muito criticado pela torcida, o presidente ressalta o peso do triunfo, sobretudo, frente aos problemas pelos quais passou em 2020.

No início de novembro, enquanto acertava a chegada do técnico Abel Ferreira, o dirigente enfrentou a morte do pai, Wilson Galiotte, que sofreu um acidente vascular cerebral decorrente da covid-19. "O enterro do meu pai foi no dia da apresentação do Abel [4 de novembro], tanto é que não vim no dia [para o evento]. Foi uma situação muito difícil, os últimos dias dele, quando a gente estava conversando com o Abel, tentando fechar a negociação, porque tínhamos convicção da importância que seria a chegada dele. O Abel reuniu todos os pré-requisitos que queríamos, e foi nessa hora que meu pai ficou extremamente doente. Mas eu sabia que o Palmeiras precisava de mim, muito", recordou em entrevista ao UOL Esporte.

"Eu perdi a pessoa que me incentivou a vida inteira a ser jogador, que me acompanhou nos treinos, que me ensinou o que é Palmeiras, me levava nos jogos, muitas vezes de cavalinho no fosso do Palestra Itália, são memórias que tenho na cabeça. Meu pai e Palmeiras se misturam muito, desde a minha infância. [...] Meu pai era aquela pessoa que conversava sobre o jogo, ia no jogo e a gente sente muita falta. Sabemos que faz parte da vida e temos que superar, mas é duro".

Passada a euforia pós-título, Galiotte avalia o trabalho frente ao atual campeão das Américas, rebate as críticas e avisa: a obsessão pela Libertadores continua.

NAYRA HALM/ESTADÃO CONTEÚDO

Críticas exageradas: "O projeto deu certo"

Quando Galiotte assumiu o Palmeiras, em 2017, o clube vinha de um longo processo de reestruturação e tinha uma das maiores receitas do país. No ano seguinte, o time conquistou o Brasileiro, único título da gestão até o Paulista de 2020. A torcida entendia que, diante de tanto investimento, o clube merecia — e poderia — conquistar muito mais. As cobranças se intensificaram em 2019, quando o clube admitiu ter gasto acima do que pretendia e, ainda assim, acabou sem nenhuma taça.

O ano de 2020 significou uma mudança nos rumos: menos contratações de medalhões e a aposta nos garotos da base. Com um grupo mais barato e bastante modificado, o Verdão venceu o Paulista depois de 12 anos e agora ganhou a Libertadores. Tem pela frente ainda as disputas do Mundial e as finais da Copa do Brasil e da Recopa Sul-Americana nos próximos meses.

"A gente sabe como o palmeirense é exigente, minha família toda é de torcedores do Palmeiras. Mas o clube foi campeão da Copa do Brasil em 2015, do Brasileiro em 2016, vice do Brasileiro em 2017, campeão Brasileiro em 2018, ficou em terceiro lugar em 2019 e agora ganhamos o Paulista e a Libertadores. Pô, se a gente analisar, o projeto deu certo. Passava na cabeça de vocês tudo isso que eu estou dizendo há seis anos? Mesmo assim foi uma enxurrada de manifestações. Eu entendo o papel do torcedor, mas em alguns momentos foi exagerado", defendeu o dirigente.

"É um orgulho pensar que a marca Palmeiras se valorizou, é protagonista nos últimos anos, triplicou as receitas em cinco anos e está entre as maiores do Brasil".

O Palmeiras hoje é um clube equilibrado financeiramente. Temos a Crefisa, a FAM, importantes fontes de recursos e distintas, temos a arena, receitas de TV, o Avanti, fornecimento de material esportivo. Todas essas fontes são importantes e consistentes. Nós teremos essas receitas por muito tempo. Temos os meninos da base que são um ativo intangível. Esses meninos valem ouro. Eu quero contar com eles esportivamente. Dobrei o investimento da base em relação aos anos anteriores".

Maurício Galiotte, sobre situação financeira do Palmeiras

O clube vai ter um futuro ainda melhor do que tem agora, vamos entregar um Palmeiras melhor do que recebemos e, o mais importante disso tudo, o clube continua melhorando, evoluindo em termos de estrutura, financeira, esportiva, administrativa... Em termos de tecnologia, profissionais... Isso tudo é uma evolução e quando eu digo exagero é por analisar tudo isso, avaliar o que a gente vinha falando há um tempo. Qual era a expectativa antes disso? O que esperava um torcedor palmeirense há um tempo atrás? Essa é a pergunta".

sobre expectativas para o futuro

Cesar Greco/Palmeiras

Luxa tem participação no título, mas medalha não é garantida

Galiotte foi bastante criticado por apostar em Vanderlei Luxemburgo, que voltou ao Palmeiras pela quinta vez em dezembro de 2019, conquistou o Paulista em cima do Corinthians e liderou a equipe para a classificação às oitavas de final da Copa Libertadores de forma invicta. Mas, após uma sequência negativa no Brasileirão, foi demitido em outubro do ano passado.

"As pessoas podem não valorizar, mas o Vanderlei foi importante para o processo. Eu precisava de alguém que desse segurança aos meninos e apostamos no perfil que tivesse peso para isso. Não é simples colocar dez, 12 jogadores da base", explicou o presidente.

"Não sei se vamos mandar uma medalha [de campeão da Libertadores para Luxemburgo], mas ele faz parte do projeto. Teve as mãos dele. O [volante] Danilo é um grande exemplo disso, um dos com a melhor performance. A indicação dele tem o dedo do Vanderlei. Depois a gente fez uma reestruturação e ele [técnico] saiu, mas o Luxemburgo é merecedor de mérito", afirmou.

Cesar Greco/SE Palmeiras
Patrick de Paula, Gabriel Veron, Danilo, Gabriel Silva, Wesley, Gabriel Menino, Renan e Luan Silva (E/D) e o diretor da base, João Paulo (abaixo)

"Não quero vender os meninos"

Danilo, Patrick de Paula, Gabriel Menino e Gabriel Veron puxaram a fila em uma temporada na qual o Palmeiras lançou 13 garotos da base — um recorde no século. Os meninos não só ganharam espaço como assumiram o protagonismo no elenco profissional e entraram no radar de clubes estrangeiros.

Patrick e Danilo têm contratos com multas rescisórias de 100 milhões de euros (R$ 644 milhões), e Menino e Veron, de 60 milhões de euros (R$ 386 milhões) cada um. Depois de muito assédio após o título paulista, o clube decidiu que não iria negociá-los naquela janela de transferências. A vontade do presidente do Palmeiras continua a mesma neste momento, mas o resultado pode não ser igual.

"O meu desejo pessoal é não vender os meninos neste momento. São jovens, acabaram de subir, ainda têm muito a contribuir, muitas alegrias a proporcionar ao nosso torcedor. Nós temos que terminar o ciclo para pensar em vender os meninos. Por outro lado, não temos o controle da pandemia, de tudo que está acontecendo hoje. Estamos vendo vários mercados sendo afetados, como o nosso. Garantir que a gente, em hipótese nenhuma, vá fazer uma negociação, a gente não pode. Mas posso expor meu desejo, de manter os meninos para cumprir um ciclo. E este ciclo está no início".

Arquivo

"Não demitir na pandemia é um título"

Depois dos títulos, o legado que deixa Galiotte mais honrado foi ter feito do Palmeiras um dos poucos clubes brasileiros a não demitir funcionários em meio à pandemia do coronavírus. "A gente sabe da dificuldade das famílias, algumas muito humildes. E a gente fez questão de ficar ao lado de todas as pessoas que a gente poderia. Inclusive, outro dia, a filha de um funcionário me agradeceu por ter mantido o pai no quadro de funcionários. Isto fica para a gente. Ouvir o agradecimento por manter o pai dela empregado foi um título", afirmou o cartola.

Antes de a delegação embarcar para o Catar para disputar o Mundial de Clubes, o presidente foi homenageado pelos funcionários (foto), justamente por não ter promovido demissões na pandemia.

"O Palmeiras é uma Sociedade Esportiva. Uma sociedade onde valorizamos muito as pessoas. Nos preocupamos muito na volta do futebol. Não apressamos em momento nenhum, só voltamos com as liberações das autoridades de saúde competentes. Da mesma maneira, a preocupação da volta do público aos estádios", ponderou.

O Palmeiras foi um dos líderes do movimento entre os paulistas para que o futebol só voltasse com a autorização dos órgãos públicos e chegou a defender a paralisação do Brasileirão após o jogo contra o Flamengo ter sido adiado devido ao surto de covid no clube carioca. O Verdão também foi fortemente atingido pela doença, com 19 atletas infectados.

Eduardo Carmim/Photo Premium/Folhapress

"Nunca procuramos Bolsonaro"

Uma das polêmicas em relação à gestão de Galiotte aconteceu no título brasileiro de 2018. Na ocasião, o então presidente eleito Jair Bolsonaro — que já declarou ser palmeirense — foi convidado para erguer a taça de campeão ao lado dos jogadores, comissão técnica e dirigentes. O clube foi alvo de protestos e chegou a ser chamado de "fascista" por parte dos torcedores.

Passados dois anos, Galiotte afirma que não tem nenhuma relação com o presidente da República, que também foi convidado para ver a final da Libertadores contra o Santos no Maracanã, mas não compareceu.

"Não tem absolutamente nada a ver com a gente. Respeitamos todos os protocolos. A CBF que convidou em 2018 e que colocou [Bolsonaro] no gramado. E agora, na final da Libertadores, as determinações foram passadas pela Conmebol [Confederação Sul-Americana de Futebol]. [Não teve] nenhum envolvimento nosso nem na primeira e nem agora. A gente sabe que não é essa impressão porque ele pegou a taça, é palmeirense. Mas não participamos disso", afirmou o cartola.

Silvia Izquierdo/Getty Images Silvia Izquierdo/Getty Images

Obsessão continua

O bicampeonato da Libertadores ainda é pouco perto do tamanho que Galiotte atribui ao Palmeiras. Segundo o dirigente, o time deveria ter muito mais títulos continentais do que tem agora. Ou seja, a obsessão continua.

"É o segundo [título] de uma história maravilhosa, vencedora, do maior campeão do século, dos maiores times do mundo. O Palmeiras deveria ter muito mais Libertadores do que tem. É pouco para o tamanho da nossa história, torcida e camisa. Estamos orgulhosos de ter duas, mas temos que correr atrás de mais", afirmou.

Por fim, o presidente falou sobre outra obsessão da torcida palmeirense: o Mundial Interclubes. "Temos sempre a expectativa de ganhar, a nossa história é vitoriosa, queremos fazer sempre o melhor papel possível, proporcionar alegria ao torcedor. Vamos continuar fazendo um trabalho sério, sabemos das dificuldades, mas vai o grupo que acabou de vencer a Libertadores, eles estão muito orgulhosos disso. Nós também. Nós temos que estar sempre disputando todas as competições para ganhar". Se depender de Maurício Galiotte, os torcedores palmeirenses ainda terão muito o que comemorar.

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