A fortaleza de Galoppo

Meia conta como força mental inspirada em grandes nomes do esporte o ajudou a superar rejeição inicial de Ceni

Eder Traskini e Marcelo Hazan Do UOL, em São Paulo (SP) Rubens Chiri/SPFC

Com uma cuia de mate na mão e sentado na varanda da casa dos pais em Rafaela (ARG), Giuliano Galoppo descansa. Aos seus pés, o fiel companheiro Kobe, seu cachorro, é o lembrete diário que o argentino já nem precisa: "a força mental é o que te leva a triunfar"

Naquele mesmo dia, mais cedo, Galoppo havia treinado. O meia estava de férias entre as temporadas de 2022 e 2023, mas isso pouco importava. Galoppo tinha um ponto a provar.

No final do último ano, o argentino não estava bem. A rejeição velada do então técnico Rogério Ceni havia afetado o jogador. Em um novo clube, um novo país e cercado de expectativas por todos os lados, Galoppo ouvira seu comandante dizer sobre sua contratação: "perguntei se não dava para trazer outras opções".

E o que ele poderia fazer? Aceitar, primeiro, e provar que o técnico estava errado. Durante aquele período, Giuliano Galoppo fez mais do que treinar todos os dias chegando antes e saindo depois de todos: ele ativou sua fortaleza mental.

Nas férias na casa da família ao fim daquela temporada, treinou. Com ajuda de Kobe Bryant (o ex-jogador de basquete, não seu cachorro), Michael Jordan e Rafael Nadal, ídolos e exemplos, reencontrou a força mental, tão falada pelos três em livros e séries, para mostrar sua melhor versão ao São Paulo.

No ano seguinte, quando tudo parecia perfeito, quando o argentino estava nos braços da torcida e como artilheiro, uma gravíssima lesão o tirou de combate. Mas a fortaleza mental é sólida. Seja no passeio com o amado companheiro canino ou nos momentos mais sombrios, ele não tem dúvidas de que tudo vai dar certo se sua fortaleza mental seguir intacta.

Rubens Chiri/SPFC

Eu tinha que aceitar, o que vou fazer? É o treinador que decide quem joga, não tem o que fazer. Mas é a fortaleza mental que eu falei. Eu segui treinando todos os dias, chegava antes e ficava treinando até depois. Eu não tinha dúvidas que minha hora ia chegar. Graças a Deus chegou este ano, um ano em que me preparei muito, treinei nas férias para viver este momento. Infelizmente tive que dar uma pausa a este momento, mas vou me preparar da mesma maneira que fiz nas férias passadas para voltar o mais rápido e o melhor possível

Galoppo, Jogador do São Paulo

Rejeição no Boca foi experiência

Apesar de ter apenas 24 anos, Galoppo já é um jogador experiente quando se trata de ser 'rejeitado'. Em sua primeira vez longe dos pais, o meia teve uma oportunidade nas categorias de base do Boca Juniors, mas ficou apenas um ano.

"Aprendi muito, melhorei muito. Tive que ir embora porque o Boca tem muitos jogadores e acabei ficando fora, acontece com a maioria dos meninos que jogam futebol. Não vou mentir: no momento, foi difícil. Era a primeira vez que saia da minha casa, estava sozinho, longe e com muitos sonhos", confessou.

O meia voltou para casa e conversou muito com seu pai, ex-jogador e que hoje é técnico. Hoje, ele acredita que tudo aconteceu da maneira certa. O Banfield surgiu para ele em um momento em que o clube dava muitas oportunidades para os jovens. Do Boca sobraram os sonhos, mas não ficou a mágoa: "Sou super agradecido, se voltar a jogar lá será um sonho também".

Como jogador da base, Galoppo por diversas vezes foi gandula atrás de um dos gols de La Bombonera e sonhava em pular a placa de publicidade para jogar ali naquele gramado. O baque da dispensa foi forte, mas não abalou a confiança do meia em seu futuro no futebol.

"Nunca tive dúvidas. Mesmo no Rafaella, um time pequeno, nunca tive dúvidas que iria triunfar. Isso foi a minha maior virtude na adolescência. Em 2016, surgiu a possibilidade do Banfield e aí minha carreira começou a ir, com 17 anos, na quinta divisão. De lá fiz uma boa campanha, 13 gols, aí subi ao profissional em seis meses ou um ano", contou.

Tomas Cuesta/Getty Images Tomas Cuesta/Getty Images

Eu gosto muito do Nadal, acho ele incrível. Está passando por um momento difícil, mas não tenho dúvida que vai se recuperar. Gostava muito do Kobe Bryant, do Michael Jordan. São os caras fora do futebol que eu gosto de olhar, é sempre bom olhar quem se torna o número um (do seu esporte). Gosto de saber sobre a sua vida, ler e escutar. A fortaleza mental me chama atenção, todos têm. Não existe um número um que não tenha essa fortaleza mental. É algo que eu me inspiro, algo fundamental. A fortaleza mental é o que te leva a triunfar

Galoppo

Expectativa pelo retorno

Galoppo se recusa a falar uma data para voltar aos gramados. O argentino não quer criar uma expectativa para ele próprio e correr o risco de se decepcionar caso não consiga atingir o plano traçado. "Ainda não dá pra falar", se esquiva.

O meia era artilheiro do São Paulo quando se lesionou e seguiu no posto por três meses até ser alcançado por Calleri e Luciano. Mesmo assim, acredita que ainda não tinha demonstrado sua melhor versão no Tricolor.

"Os gols tinham saído, mas ainda não tinha dado tudo que posso ao São Paulo. Jogando na minha posição, acho que vou dar muito mais ao time, posso somar muito mais ao jogo. O gol é um 'plus' para mim, não é minha característica essencial".

Exceção feita a sua primeira temporada no São Paulo, o argentino costuma, de fato, marcar gols. Foram 13 em 2021 e oito em 2022 no Banfield. Por isso, Galoppo não está nem um pouco surpreso com o faro de gol em terras brasileiras.

"Todo mundo pode estar surpreso, mas sinceramente eu não estou. Estou contente, estava confiante que quando tivesse continuidade os gols e as boas atuações viriam. Quando voltar, quero continuar por esse caminho."

Do trote ao 'box to box'

Quem viu o Galoppo polivante no São Paulo pode ter dificuldade para acreditar que o adolescente Giuliano jogava só no "trotinho". O meia confessou que antigamente não gostava de correr quando seu time não tinha a posse da bola e que só decolou na carreira quando aprendeu que não poderia seguir assim.

"Quando eu era menino, eu jogava de camisa 10 e jogava no "trotezinho", não fazia um sprint, não fazia nada. Meu pai ficava me falando todo jogo a mesma coisa: se eu não mudasse o ritmo, não iria jogar na primeira divisão. Ficou um ano falando e eu não conseguia. Eu tentava, me esforçava. Quando cheguei no Banfield, eu mudei minha atitude e depois comecei a ser mais intenso, aguerrido", contou.

Hoje, afirma que sua posição não é aquela que vinha se destacando antes da lesão no joelho. O argentino espera ter oportunidades como o meio-campista área-a-área, ou, em inglês, o 'box to box'.

"Todos sabem que minha posição é no meio, 'box to box', chegando na área de surpresa, não estando ali parado porque assim a defesa não detecta. E também dando uma mão para marcar atrás. Como joguei avançado aqui, acham que eu não marco, mas eu posso fazer também".

O meia não esconde que a variação de posições em que foi escalado pelo ex-técnico Rogério Ceni atrapalhou na adaptação imediata ao futebol brasileiro.

"Ano passado pode ser que tenha atrapalhado, sim (adaptação ao Brasil). Mas eu sabia que o treinador precisava para aquela posição, pois faltavam jogadores ali e como eu tinha chegado há pouco tempo, joguei e fiz meu melhor. Era como dar uma mão ao time".

Os gols tinham saído, mas ainda não tinha dado tudo que posso ao São Paulo. Jogando na minha posição acho que vou dar muito mais ao time, poder somar muito mais ao jogo. O gol é um "plus" para mim, não é minha característica essencial. Quero mostrar mais ainda de mim, dar mais ao time e ajudar a conquistar alguma coisa.

Giuliano Galoppo, meia do São Paulo

Pai? Pode chamar de treinador

Sem dúvidas, para Galoppo não há exemplo maior do que seu pai, o ex-jogador Marcelino Galoppo, que fez carreira na Argentina e na Itália. Foi por meio dessa infância eu solo italiano que Giuliano se encantou e virou torcedor apaixonado do Milan. No entanto, nos últimos anos, Marcelino, que hoje trabalha como técnico, deixou de ser 'pai' e ex-jogador para se tornar o treinador mais exigente que Galoppo já teve.

"É uma relação muito bonita, agora está sendo mais difícil por estar mais longe. Sempre me acompanhou desde menino, me levava aos torneios de futebol, levava meus companheiros também. Ele via meus jogos pela TV e me falava o que eu precisava melhorar porque ele é treinador agora, me dava uma visão de treinador, não de pai. Às vezes fico bravo com ele, brigamos um pouco, mas ao final eu escuto e aceito o que ele fala. Agora parece que agora a única visão que ele tem é a de treinador (não de pai, nem de jogador). Não olha mais como jogador", confessou o meia.

Mais que um conselheiro, o pai sempre foi uma inspiração e um exemplo que fez com que Giuliano jamais duvidasse do que o futuro lhe reservava:

"Sempre olhei meu pai e sempre quis ser jogador desde os três anos. Nunca duvidei que iria comprar minha casa, meu carro, jogando futebol. Tem outros acontecimentos que podem fazer duvidar, mas comigo sempre tive essa certeza. Tive momentos bons e ruins como todos, mas estive sempre focado em manter o foco".

Rubens Chiri/SPFC

A surpresa com o tamanho do São Paulo

O São Paulo quis muito a contrataçaõ do Giuliano Galoppo, ele próprio reconhece isso. O argentino tinha outras ofertas para deixar o Banfield (ARG), mas nenhum clube viajou até o país para apresentar um projeto e explicar o tamanho do São Paulo no cenário mundial.

"Do primeiro dia que foram para lá foi algo que me surpreendeu, não é normal fazer uma coisa tão grande para um jogador. Foi grande quando eu cheguei. O São Paulo foi o clube que mais me quis, por isso tomei a decisão de vir. Eu tinha outras propostas, mas ninguém demonstrou tanto interesse quanto o São Paulo e isso me chamou atenção".

Mesmo com toda a preparação e a explicação do tamanho do Tricolor paulista, Galoppo não estava preparado. Saindo de um time médio na Argentina, o meia ficou deslumbrado com a torcida são-paulina.

"É diferente, não vou negar. No Banfield eu era muito reconhecido, cantavam meu nome no estádio, mas o Banfield é um time de meio de tabela, a torcida era menor. Aqui não tem comparação. Desde que cheguei aqui não imaginei que o São Paulo podia ter tantos torcedores assim e ser tão grande como é. É algo que me surpreendeu. Conhecia o São Paulo, o nome e a história, mas viver o São Paulo é outra coisa", contou ele.

'Viver o São Paulo' é algo pelo qual Galoppo é grato. Fã da gastronomia paulistana, ele não se furta a tirar fotos com torcedores, sequer usa adereços para se "disfarçar". Mesmo antes de estourar, o argentino já sentia o carinho do torcedor e, agora, ainda mais.

A importância da parceria gringa

O cuidado do São Paulo e o carinho do torcedor foram importantes, mas nada deixa Galoppo mais à vontade do que a parceria com os gringos do elenco, sobretudo Nahuel Ferraresi e Jonathan Calleri. O defensor é venezuelano, mas foi criado na Argentina e compartilha boa parte da cultura da terra natal de Galoppo.

Os três estão quase todos os dias juntos. Se reúnem na casa do zagueiro para o 'assado' argentino, o popular churrasco, mas Galoppo confessa que quem fica na churrasqueira é o pai do defensor enquanto os três amigos jogam cartas.

Já o mate, tradicional bebida com erva, é preparada pelo próprio meia, que afirma que Calleri tem preguiça de fazer. A relação entre o centroavante e o meia vem desde quando os dois nem imaginavam que um dia seriam companheiros.

"Eu estava de gandula em La Bombonera e o Calleri estava jogando. Ele não lembra de mim, mas eu lembro. Comentei que estava lá em tal ano e ele falou que jogava neste ano. Lembro dele jogar, mas não de dar a bola para ele. Eu dava a bola para o goleiro atrás do gol".

O centroavante exerceu um papel fundamental para que o São Paulo tivesse sucesso na operação. O meia ligou para o compatriota para se informar sobre o Tricolor:

"Liguei (para o Calleri) para perguntar sobre o clube. Ele falou da situação, do tamanho. Queria uma visão geral antes de vir. Tínhamos um amigo em comum apenas e por meio dele começamos a falar".

Agora, Galoppo mal pode esperar para levar o entrosamento fora de campo para as quatro linhas. "Agora ele está dando assistências, não deu para mim ainda, mas vai dar", brincou.

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