Segunda chance

Ricardo Gareca diz que gostaria de voltar ao Brasil para fazer o trabalho que não conseguiu no Palmeiras

Adriano Wilkson e Karla Torralba Do UOL, em Lima (Peru) Guadalupe Pardo/Reuters

Ricardo Gareca mudou. Aos 61 anos, o treinador que mudou a seleção peruana de patamar no continente não é o mesmo que deixou o Palmeiras após menos de três meses de um trabalho frustrante. "Não fui bem. Nunca pude encontrar o funcionamento da equipe", afirmou o argentino sobre sua passagem pelo Brasil.

Três anos depois de ser demitido, ele conseguiu classificar o Peru à Copa do Mundo após 36 anos de ausência. No mês passado, levou sua seleção à final da Copa América. O desempenho fez torcedores brasileiros e, especificamente palmeirenses, sonhar em ver o argentino outra vez no Brasil. Ele voltaria?

"Sim, voltaria. Me animaria a uma revanche", ele crava. "Gostei de tudo que vi no Brasil. Gostaria de ter uma oportunidade." O treinador lembrou, porém, que tem contrato com o Peru até 2021.

Gareca recebeu o UOL Esporte por 30 minutos a sede da Federação Peruana de Futebol, em Lima. Na conversa, ele fez uma autocrítica de sua passagem pelo Brasil, avaliou as razões de seu sucesso no Peru, se permitiu discordar de Lionel Messi e elogiou a picanha brasileira. No dia seguinte da entrevista, o argentino foi anunciado na lista dos dez melhores técnicos da temporada.

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Experiência lhe ensinou a escutar subordinados

Ao ser questionado sobre se vive o melhor momento de sua carreira, Gareca tergiversa. "Não fico pensando nisso. O conhecimento que tenho agora não é o mesmo de quando comecei. A pessoa vai crescendo com os anos. Sempre há erros nesse tipo de trabalho, seja escolhendo jogadores, seja decidindo táticas e estratégias. Com os anos a pessoa os vai reduzindo."

"Agora encaro tudo de outra maneira. Continuo me preocupando, me chateando, dando o sangue, mas agora já não dou tanta importância. Paro antes. Não sigo pensando tanto no que vem depois, focando nisso."

O antigo atacante da seleção argentina aponta um dos erros que cometeu no passado e que hoje não comete mais. "Não escutar e resolver tudo sozinho. Você arma uma equipe de trabalho para escutar. Em cada área, cada pessoa é necessária. Sempre tenho a palavra final como treinador, mas escuto mais."

Mauro Horita/AGIF Mauro Horita/AGIF

"Eu voltaria ao Brasil para uma revanche"

Contratado pelo então presidente Paulo Nobre, Gareca chegou ao Brasil em 2014 para ser técnico do Palmeiras em um momento conturbado. O time tinha acabado de voltar à primeira divisão e contava com um elenco muito mais fraco do que o atual - o destaque daquele time era o meio-campista Wesley.

Em campo, o Palmeiras de Gareca teve apenas 33% de aproveitamento, com uma vitória em nove jogos no Campeonato Brasileiro. Mesmo com os resultados ruins, ele gostaria de ter uma segunda chance como treinador de um clube brasileiro. "Eu voltaria ao Brasil. Se você me pergunta se eu me animaria a uma revanche, sim, me animaria. Eu gostei do que vi, gostei do país, da comida brasileira, gostei das pessoas muito educadas. Gosto de tudo que vi. Os clubes, o futebol, a paixão do futebol. Gostaria de ter uma oportunidade", ele afirma, antes de lembrar que tem contrato com a federação peruana até 2021 e ressaltar que não costuma romper seus contratos.

"Teria que ser num momento em que eu estivesse sem contrato. Tem que ver qual equipe me asseguraria um conhecimento maior do elenco para poder brigar. Porque, para ir ao Brasil, eu tenho que brigar pelo campeonato, tenho que estar em cima."

Mauro Horita/AGIF Mauro Horita/AGIF

Por que Gareca não deu certo no Palmeiras?

Na avaliação de Gareca, o elenco do Palmeiras em 2014 não permitiu que os resultados viessem. Naquele ano, após ser campeão da Série B sob o comando de Gilson Kleina, o clube ainda tinha dificuldades para contratar grandes nomes. Além de Wesley, que nunca conseguiu mostrar o futebol que jogava no Santos, o Palmeiras contava com Fernando Prass e com o pentacampeão Lúcio na defesa.

O goleiro, porém, se machucou e ficou cinco meses afastado. O zagueiro estava longe da forma que mostrou nos tempos de Bayern de Munique ou Inter de Milão, quando era um dos melhores da posição do mundo. Restaram jogadores que nunca vingaram no Palmeiras, como os goleiros Deola e Fábio, o meio-campista Mendieta e o atacante Mazinho.

Gareca não se exime da responsabilidade de não ter conseguido trazer jogadores que resolvessem as limitações do time - foi em sua gestão que o Palmeiras contratou quatro argentinos que nunca se firmaram: o zagueiro Tobio, o meia Allione e os atacantes Cristaldo e Mouche. "Não deu certo porque não ganhei", admite.

"O Palmeiras foi uma experiência importante na minha carreira. As expectativas não se cumpriram porque eu queria ficar no Brasil, ter continuidade. Vi o Paulo Nobre, que era o presidente, e o Maurício [Galiotte], que era o vice, muito predispostos, me trataram muito bem. Mas não tive o conhecimento do elenco. O elenco precisava de uma... vocês dizem qualidade?, um reforço que o melhorasse. Não pude acertar, não pude melhorá-lo."

Mauro Horita/AGIF Mauro Horita/AGIF

"Direção do Palmeiras me esperou, mas não encontrei solução para equipe"

Gareca diz que a direção do Palmeiras foi muito paciente com seus maus resultados. Em dois meses e meio sob seu comando, o time fez 13 jogos e conseguiu apenas 4 vitórias. "Eles me respaldaram por muito tempo porque passei muito tempo sem ganhar. Me esperaram, mas nunca pude encontrar a solução para a equipe. Não tive muita sorte também."

Na época, a torcida temia que o Palmeiras caísse à segunda divisão novamente. O argentino diz que, se não tivesse sido demitido, lutaria até o fim para se manter na primeira. "Se dependesse de mim eu enfrentaria a situação até as últimas consequências. Diante de qualquer situação creio que posso revertê-la." Naquela temporada, o Palmeiras realmente lutou contra o rebaixamento e, sob o comando de Dorival Júnior, se salvou apenas na última rodada do torneio.

O Valdívia era importante para o jogo, mas foi para a Arábia. Era uma das prioridades tê-lo. Voltou quando eu já estava mais fora que dentro. Jogou um tempo e se lesionou

Gareca, sobre o meia chileno, ídolo da torcida, que teve três passagens pelo Palmeiras

O Prass não se recuperou. Tínhamos um goleiro muito jovem para o Palmeiras [Fábio]. Não era um goleiro ruim, mas nesse momento era importante ter jogadores experientes

Gareca, lembrando da lesão no cotovelo que tirou Prass do Palmeiras por 5 meses em 2014

Mesmo não ganhando, a torcida nos apoiava. Foi algo estranho para mim. Sendo argentino, dirigindo um grande como o Palmeiras, tive apoio da direção e da torcida. Incrível!

Ricardo Gareca

Reuters/Henry Romero Reuters/Henry Romero

Como o Peru transformou a carreira de Gareca

Ricardo Gareca engordou seu currículo como treinador após sair do Palmeiras. Em 2015, assumiu a seleção do Peru e escreveu seu nome na história. O argentino colocou a seleção em outro patamar. Não com títulos, mas retornando ao cenário das principais seleções sul-americanas.

A classificação para a Copa do Mundo depois de 36 anos de ausência se somou à final da Copa América contra o Brasil. "Foi um acontecimento aqui [os resultados]. E algo muito bom pra minha carreira e pro Peru. Era tratar de convencer o jogador peruano de sua capacidade física, futebolística e mental. Muitos pensam que o jogador peruano mentalmente não é forte, mas nós acreditamos que é sim forte", diz Gareca.

O técnico contou ao UOL Esporte o segredo para o bom futebol da seleção. E isso passou por mudar a mentalidade dos jogadores. "Nós acreditamos que não precisam ser todos excelentes. Temos alguns jogadores excelentes, como Guerrero, mas pra formar uma equipe não precisa ser excelente. Sendo bom, se pode fazer algo muito bom. Esse foi o nosso trabalho mais pontual, conseguir que o Peru funcionasse coletivamente", explica.

Juan Mabronata/AFP Juan Mabronata/AFP

Gareca discorda de Messi sobre título do Brasil na Copa América

Messi é uma voz autorizada para falar. Isso tem que ficar bem claro, porque gerou polêmica no meu país. Eu não critico o Messi, ele é uma voz autorizada e o que ele diz é preciso escutar, mas isso não significa que eu concorde com uma declaração, não só do Messi como de qualquer personalidade do mundo. Para falar de corrupção, uma palavra forte como essa, é preciso ter prova. E com isso não estou de acordo.

Gareca, sobre Messi ter dito de que a Copa América estava acertada para o Brasil

O Brasil não tomou gols. O único que tomou foi do Peru, de pênalti. Foi a equipe que mais gols fez. Com a Argentina, quem sabe, foi o jogo mais parelho, o mais difícil. Pra mim, o campeão foi justo. Se me perguntam se Brasil ganhou bem o campeonato, eu digo que sim. Respeito o Messi e o fato de eu não concordar com o que ele disse não significa que esteja contra. Pra mim, o Brasil foi um campeão justo.

Gareca, sobre a campanha do Brasil na Copa América

Thiago Ribeiro/AGIF

"Guerrero é o melhor atacante que já tive"

Ricardo Gareca saiu do Brasil, mas não se afasta do futebol brasileiro. Nem poderia, alguns dos principais jogadores peruanos atuam no país: Guerrero, Trauco, Cueva. E apesar de exaltar o conjunto peruano, sabe que tem em Paolo Guerrero "aquele" jogador excelente.

"Estou atento ao futebol brasileiro. Para mim, Paolo é um dos melhores atacantes. No meu caso, é o melhor atacante que tive. Já tive bons atacantes como técnico, mas ele, junto com Farfan, é dos melhores atacantes que tive."

Nelson Almeida/AFP

"Cueva tem que melhorar suas atitudes"

Gareca acredita que a qualidade técnica de Christian Cueva é indiscutível. Mas o meia precisa melhorar seu comportamento extracampo. As polêmicas se acumulam: Cueva já chegou atrasado em treino do Santos e acabou afastado de uma partida; se recusou a atuar quando era atleta do São Paulo após uma negociação fracassar; foi flagrado em vídeo bebendo álcool. Gareca concorda que seu comportamento precisa mudar.

"Cueva tem que melhorar. Nisso estamos todos de acordo, não vejo outra realidade. Para nós, é muito importante que ele seja muito bom dentro do campo de jogo e muito bom fora do campo de jogo. Ser jogador da seleção é um todo. Quando ele joga, dá tudo de si, é um dos que mais corre. [Mas] tem que melhorar."

"Agora, ele é muito perseguido dentro e fora do campo. Tem jogadores que são mais observados que outros, sobretudo pela imprensa aqui do Peru. Não justifico suas ações, mas é um bom garoto. O futebol brasileiro é o ideal para ele. Porque ele tem todas as condições, tem talento, é muito bom fisicamente. O torcedor brasileiro gosta de suas características, mas ele tem que se adaptar, tem que lutar para se adequar às exigências do Brasil. Ele tem que se adaptar ao meio e não o contrário", opina.

Ernesto Benavides/AFP Ernesto Benavides/AFP

Técnico esperou contato para dirigir Argentina

Ricardo Gareca não esconde o sonho de dirigir a seleção de seu país. "Eu me preparei para dirigir a seleção", afirma.

A chance poderia ter vindo há um ano, quando ele ficou sem contrato no Peru e Jorge Sampaoli deixou a seleção argentina depois do Mundial na Rússia. Naquele momento, o treinador esperou um contato que, segundo ele, não veio. "Meu país não falou comigo, ninguém me falou oficialmente. E dado o tempo que passou é muito difícil que aconteça novamente como aconteceu depois do Mundial. Meu contrato com Peru venceu e a Argentina decidiu despedir o Sampaoli. A Argentina estava sem técnico e eu estava sem contrato. E ninguém falou comigo."

Mesmo tendo o nome frequentemente ventilado para o comando da equipe argentina, Gareca ressalta que há pouca chance de isso acontecer no momento. Seu vínculo com o Peru foi renovado há um ano. "Agora é muito difícil porque tenho contrato até 2021 e eu não rompo os contratos da minha parte. Para que se dê um ponto de encontro entre mim e a Argentina é muito difícil. Eu tinha que ficar sem trabalho e a Argentina sem treinador. Se saísse do Peru e a Argentina me chamasse, sim, eu consideraria."

Cesar Greco/Agência Palmeiras/Divulgação

Saudade da família e da picanha brasileira

Vivendo há cinco anos como expatriado, Gareca sente falta de sua família, que vive na Argentina, e eventualmente viaja a Lima para visitá-lo e ver o Peru jogar. Ele também se lembra com saudade dos momentos em que viveu no Brasil, mesmo com os altos e baixos na vida profissional.

Se o Peru tem uma das cenas gastronômicas mais celebradas do mundo, o treinador argentino sente falta de um item especial no cardápio: a picanha brasileira.

Ele fecha os olhos ao lembrar das idas às churrascarias e por um momento esquece da rivalidade que separa brasileiros e argentinos no que diz respeito ao modo de preparar a carne. "No Brasil se come muito bem. A picanha do Brasil é muito boa, comi bem. O pouco tempo que tive lá, apesar de não ganhar no futebol, passei bem", brinca ele.

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