As dificuldades começaram quando as terras do Brasil foram divididas a partir das capitanias hereditárias, que serviram como um mecanismo de dispersão de populações nativas. A comunidade cresceu. A produção financeira, esperado por associações, não. Nas aldeias indígenas, faltou um comércio local produtivo para que o avanço fosse completo, de acordo com o ex-secretário municipal de assuntos indígenas da cidade de Águas Belas-PE, Paulo Pontes Lúcio.
Hoje, os fulni-ô não conseguem viver apenas de roça, pesca e caça. É necessário que saiam da aldeia para trabalhar na cidade. Essa cidade é Águas Belas, localizada na parte central da reserva indígena em que vivem. Os trabalhos costumam ser precários, apesar de muitos indígenas concluírem a graduação.
"O comércio funciona de domingo a domingo em uma cidade com mais de 50 mil habitantes, mas não tem dez indígenas com vínculo empregatício em empresas privadas ou com a prefeitura hoje. Eles se vinculam em órgãos estaduais ligados aos próprios índios, como Educação, Funai e Saúde Indígena (Sesai). A principal renda é aposentadoria e agricultura familiar", conta.
Paulo, que também é indígena, revela que a tribo é a única nordestina que mantém o idioma nativo. O português também é ensinado na aldeia, assim como o yaathe. A língua resiste ao passar do tempo e utiliza técnicas usadas desde os tempos anteriores ao Brasil colônia para sobreviver. Os saberes são passados através da oralidade."Ninguém lá deixou um documento dizendo o que fazer. Os anciãos passam para os mais novos e assim sucessivamente", explica. Além da língua, conservam-se estudos antigos, etnia e cultura.
No entanto, a felicidade nem sempre acompanha os fulni-ô. Seus cânticos remetem ao que lhes é sagrado e, para eles, a mãe-terra é uma dessas energias sagradas. A demarcação de terra, por sua vez, já prejudicou e ainda prejudica muito esse povo que foi perseguido por coronéis e, agora, pelo preconceito.
A situação piorou após as novas políticas públicas destinadas aos povos indígenas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Durante suas lives ou discursos, Bolsonaro ficou conhecido ao ecoar a ideia de assimilação, ou "civilização" de indígenas, segundo a qual esses povos tendem a perder a sua identidade e integrar-se à população não-indígena.
Paulo explica que, há algum tempo, a comunidade frequentava mais rituais Ouricuri, que acontecem nas últimas semanas do mês de agosto e servem, entre outras coisas, para eleger suas autoridades — ou seja o Pajé, o Cacique e a Liderança. O ritual acontece durante três meses do ano e os índios ficam confinados na mata, sem contato com não-índios.
Todos os fulni-ô têm como norma a proibição de falar sobre o evento. Todos que infringiram a norma tiveram morte estranha. Mas, para chegar a este local do ritual, os índios faziam vários pequenos Ouricuri antes do principal.
"Os coronéis começaram a perseguir, queimaram as casas e acabaram os rituais. Daí foi ficando complicado a sobrevivência e muitos não voltavam. É o caso da família de Garrincha", lamenta Paulo.