Estou há dois meses em casa, em São Paulo, saindo uma vez por semana ao mercado, e me pergunto se um dia voltaremos a viver as sensações que sempre vivemos em estádios de futebol. Sessenta mil pessoas juntas, apertadas, gritando, compartilhando gotículas de saliva e micróbios voadores: se existe uma receita para o apocalipse viral que nos ameaça, ela deve começar com isso.
E ao mesmo tempo: será que conseguiremos viver em um mundo onde não é possível ver futebol coletivamente, sem medo?
Encontrei no Youtube o Paysandu x Boca Juniors completo. O único vídeo disponível online tem a narração argentina da Fox Sports. Os primeiros minutos são uma amostra de como o futebol talvez seja o maior espetáculo coletivo que inventamos.
"Eu nunca vi isso. Os grandes já estão acostumados... Corinthians, Flamengo, São Paulo, Boca, River... mas isso...", solta o estupefato narrador argentino Mariano Closs na entrada dos times no gramado.
"Sinceramente, fazia tempo que não sentia isso na minha pele. Na presença de um estádio repleto de torcedores de uma só equipe, cantando em cada momento, em cada segundo. Te digo por mim, eu estou assombrado. Quase com vontade de deixar o microfone e me somar aos espectadores. Isso sentimos na pele. É impressionante."
Duas vezes durante a transmissão, Closs reclamou de não poder ouvir seus colegas na cabine, abafados pelo grito da torcida.
Será que essa foi última vez que a cidade foi feliz de fato?