Qué mirá, Ronaldo?

Jogo a jogo da Copa do Mundo, a história de como Messi deixou Cristiano Ronaldo para trás

Bruno Andrade Colunista do UOL, no Qatar ALBERT GEA/REUTERS

Lionel Messi e Cristiano Ronaldo duelaram cabeça a cabeça nas últimas duas décadas pelo posto de melhor do mundo. Raras provocações, glórias de sobra, uma Liga dos Campeões aqui, outra ali, uma Bola de Ouro cá, outra lá. Um festival de títulos coletivos e premiações individuais repartidas quase que na perfeição.

Até agora. Depois de quatro tentativas frustradas, a dupla desembarcou no Qatar para o último e decisivo ato: a busca pela Copa do Mundo.

E como a campanha publicitária que os dois protagonizaram antes da Copa, em que se desafiavam em um jogo de xadrez, Messi esteve sempre dois movimentos à frente de Ronaldo durante todo o Mundial...

ALBERT GEA/REUTERS

Messi não pertence apenas a Argentina, Ronaldo não pertence apenas a Portugal. Eles pertencem ao futebol. São privilégios do futebol. Amam a competição e tudo aquilo que ela envolve. Oferecem espetáculo".

Marquinhos, zagueiro do Brasil, durante a Copa do Mundo, respondendo ao UOL

Lars Baron/Fifa

"Se Ronaldo disser que vai chover, eu acredito"

Entre pausas para cafés, brincadeiras sobre o Brasil e um árduo trabalho para um documentário encomendado por uma emissora inglesa, esteve que escreve esta matéria se surpreendeu com Cristiano Ronaldo conversando informalmente. Solícito e profissional, mas também sorridente, o ainda atacante da Juventus que conheci acreditava fielmente em tudo aquilo que contava.

Num misto de confiança e prepotência do bem, exalava confiança. Encheu o peito para dizer que se considerava o maior jogador da história do Real Madrid. Revelou que, vez ou outra, acorda com a certeza de que vai marcar pelo menos dois gols em uma partida específica. Foram mais de seis horas de produção. Fui embora com uma certeza: ele era capaz de me fazer acreditar no inacreditável.

No aeroporto, esperando por meu voo, vi Dolores Aveiro, mãe de CR7, ao meu lado. Me apresentei e disse: "Está vendo o sol forte lá fora? Se o Cristiano chegasse aqui e falasse que começaria a chover dentro de dois minutos, eu acreditava na hora". Ela sorriu, sem graça.

Essa história ajuda a explicar por que Ronaldo levou seus problemas pessoais, a briga com o técnico e a negociação para o fim do contrato, até a véspera da Copa. Ele tinha certeza que não atrapalharia.

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Xeque-mate vamos fazendo na vida, não apenas no xadrez, e eu faço muitas vezes. Não sei ser direto quanto a isso, mas gostaria de ser eu a fazer o xeque-mate contra ele [Messi] aqui. Seria bonito acontecer, já aconteceu num jogo de xadrez, então no futebol seria ainda mais."

Cristiano Ronaldo, respondendo a uma pergunta do UOL sobre a campanha de publicidade que ele dividiu com Messi

Lionel Hahn/Getty Images
Messi foi borvocado pelo zagueiro Al Bulayhi

Messi, ato 1: ofuscado por outro 10

Argentina 1 x 2 Arábia Saudita

Messi parecia que ia decolar mas, com dois minutos, parou no goleiro Al Owais. Fez um de pênalti, deu uma caneta aqui, fez um gol anulado ali, mas ele estava apagado. Messi se escondeu principalmente no segundo tempo, quando parecia querer dar chance para outro camisa 10 brilhar.

Salem Al-Dawsari levou heroicamente a Arábia Saudita nas costas. Após abrir espaços para Saleh fazer o primeiro, aos 53 ele mesmo marcou um golaço digno de Messi. A inesperada virada fez o estádio tremer e o melhor jogador de futebol dos últimos 50 anos foi um mero cobrador de bolas paradas numa tarde histórica pintada em verde e branco.

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Matthias Hangst e Clive Brunskill/Getty Images

Ronaldo, ato 1: sentiu, chorou e venceu como Amália

"O que interessa é sentir o fado", já dizia a célebre fadista portuguesa Amália Rodrigues. "O que interessa é sentir a camisa", poderia dizer Cristiano Ronaldo. Ele começou a chorar antes mesmo de a bola rolar para a vitória sofrida sobre Gana. Descarregou diante dos olhares atentos de todo o mundo a pressão dos meses conturbado que viveu.

Em campo, teve muitas chances e desperdiçou muitas. Mas Cristiano Ronaldo é, no fundo, Cristiano Ronaldo. Ele encontrou um pênalti no segundo tempo, converteu esse pênalti e quebrou um recorde: foi o primeiro homem do planeta a marcar gols em cinco Copas do Mundo diferentes. Era a única vez em que ele estaria em vantagem sobre Messi no Qatar.

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Xinhua/Xu Zijian Xinhua/Xu Zijian

Messi, ato 2: clamou por Dios e foi guiado pela mão divina

Argentina 2 x 0 México

Foi premeditado, talvez. Messi saiu para o intervalo olhando para o céu, quase como se estivesse pedindo uma ajuda divina: do Dios Diego Armando. A mão toda poderosa foi esticada aos 22 minutos do segundo tempo e lembrou aos mexicanos que não se deixa Messi sozinho, muito menos na entrada da área.

Ronaldo não estava mais à frente. Messi partiu no contra-ataque.

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Martin Rickett - PA Images/PA Images via Getty Images

Ronaldo, ato 2: faltou combustível?

Portugal 2 x 0 Uruguai

Pouco antes de a bola rolar, Ronaldo correu para o banco de reservas e pediu uma garrafa d'água. Não se refrescou em paz: dezenas de fotógrafos ainda estavam em campo mirando nele as suas câmeras. Entre um flash e outro, deu duas ou três goladas cinematográficas. Não deve ter sido combustível suficiente. Quando Bruno Fernandes cruzou, ele pulou o mais alto que podia. Achou que o gol foi dele quando a bola morreu nas redes, mas não tinha certeza: ao abraçar João Félix, disse, entre outras palavras, "não sei, mano". O gol foi de Bruno e Ronaldo foi substituído antes do fim do jogo. Portugal fez o seu segundo gol sem ele. Pouca gente percebeu, mas naquele momento, começava o movimento que levaria a mais um xeque no português.

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Clive Brunskill/Getty Images Clive Brunskill/Getty Images

Messi, ato 3: ele pode falhar e ainda assim brilhar

Argentina 2 x 0 Polônia

Messi parece ser de outra galáxia, mas, no fundo, é um ser humano que erra como eu e você. Contra a Polônia foi assim. Perdeu um pênalti que poderia ter custado a Copa à Argentina. Mas como ele é Messi, levantou a cabeça e não desistiu. Sorte dele que a noite de gala era de Alexis Mac Allister e Julián Álvarez. Foram eles que garantiram o 2 a 0 e tiraram Messi de uma situação complicada. Se naquele momento Ronaldo estava em xeque, Messi conseguia evitar um ataque. E seu rei nunca mais seria desafiado.

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eCaoCan

Ronaldo, ato 3: no lugar errado e na hora errada

Portugal 1 x 2 Coreia

Ele poderia ter ficado no banco de reservas, mas não o fez. Tinha desenhado um cenário perfeito: marcar e passar o histórico Eusébio como o português com mais gols em Mundiais. A pintura não saiu como queria. Ficou estacionado nos oito gols, um a menos do que o Pantera Negra.

Pior: ainda colecionou impedimentos, esteve quase sempre no lugar errado e na hora errada. Até na defesa: a bola do gol de empate da Coreia bateu em suas costas para sobrar para Young-Gwon. Depois de 20 minutos do segundo tempo, deixou o campo naquela que será a sua pior imagem em Copas.

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Está com uma pressa do c... para me tirar".

Cristiano Ronaldo, enquanto deixava a braçadeira de capitão com Pepe, ao ser substituído

Não gostei nada, não gostei mesmo nada".

Fernando Santos, técnico de Portugal, admitindo que etendeu a reclamação do craque. Ronaldo virou reserva por isso

Alexander Hassenstein/Getty Images

Messi, ato 4: não mexa com quem está quieto

Argentina 2 x 1 Austrália

Havia 11 adversários, 11 possibilidades para arrumar confusão e Aziz Behich resolveu criar caso com Messi. Péssima escolha. O craque argentino estava quieto quando o lateral australiano entrou forte numa dividida. Bateram boca, trocaram empurrões, incendiaram as arquibancadas e, no lance seguinte, Messi abriu o placar. É aquilo: Messi não gosta de briga, mas quando entra em uma, entra para ganhar.

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Kirill KUDRYAVTSEV / AFP

Ronaldo, ato 4: sai Cristiano, brilha Gonçalo

Portugal 6 x 1 Suíça

De 2004 a 2022, Ronaldo mandava e desmandava em Portugal. Liderava e vencia. Uma Eurocopa e uma Liga das Nações. Quando Fernando Santos anunciou que Cristiano Ronaldo seria reserva contra a Suíça, a notícia foi recebida com uma mistura complexa de perplexidade e concordância. Houve, inclusive, quem não acreditasse.

O substituto, Gonçalo Ramos, marcou três gols. A armadilha foi montada e Ronaldo caiu. Ele entrava em xeque pela última vez.

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Kai Pfaffenbach/Reuters

Messi, ato 5: o (sofrido) ensaio sobre a cegueira

Argentina 2 (4) x (3) 2 Holanda

De repente, todos deixaram de ver. Holandeses e argentinos na escuridão total. Houve, no entanto, quem continuasse a enxergar na perfeição. Um solitário camisa 10 em campo. Um passo à frente, Messi teve liberdade para decidir, mas por que usufruir de tamanha vantagem quando, mesmo em condições iguais, não haveria alguém do mesmo nível no resplendor? Um drible e o espaço aberto, um toque sem olhar e Molina na cara do gol para abrir o placar.

Não foi fácil porque nada é com essa Argentina. Mas Messi deu uma assistência, fez dois gols de pênalti e colocou seu país na semifinal da Copa.

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Você não se cansa de demonstrar que é o melhor do mundo. Que o mundo todo pare para aplaudir tudo o que este rapaz dá ao futebol. É impressionante".

Luis Suárez, com quem Messi jogou durante várias temporadas no Barcelona

KARIM JAAFAR/AFP KARIM JAAFAR/AFP

Ronaldo, ato 5: meninos falharam e o sonho acabou

Portugal 0 x 1 Marrocos

João Félix pouco levou perigo. Gonçalo Ramos quase não tocou na bola. Diogo Costa sofreu. Do banco de reservas, Ronaldo acompanhou tudo calado por 50 minutos. Foi chamado às pressas para tentar carregar os mais novos nas costas. Era inaceitável ter o maior da história de Portugal tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe. Entrou em campo com um propósito: decidir. Mas o homem que acredita ser quase onipotente não conseguiu dessa vez. Deixou o campo derrotado e em lágrimas.

Xeque-mate e o jogo terminou para ele. Para Messi, restavam mais duas jogadas até a vitória.

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Com o seu ego, Ronaldo prejudicou a equipe e a si mesmo. Não há dúvidas de que ele foi um grande jogador e um finalizador de máximo nível. Mas, agora, ele prejudicou o seu legado. De alguma forma, Ronaldo faz-me sentir pena dele. Foi o maior fracasso do Mundial, muito ao contrário de Messi".

Lothar Matthaus, campeão mundial em 1990

Lee Smith/Reuters

Messi, ato 6: agachou, levantou e foi à final

Argentina 3 x 0 Croácia

Uma dividida despretensiosa no lado direito do ataque deixou um argentino com a mão na coxa. Angústia: era Messi. Julián Álvarez, então, correu por ele. Aos trancos e barrancos, sofreu um pênalti que Messi bateu. Encheu o pé esquerdo para abrir o placar. Atingiu 11 gols em Mundiais, passou Gabriel Batistuta e virou o maior artilheiro argentino em Copas.

Pela segunda vez, Messi coloca a Argentina numa decisão de Copa do Mundo pela segunda vez.

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Messi está mostrando a essência do futebol. Está mais conectado do que nunca com as pessoas. Está Maradoneado. Sou fã de Messi desde o dia que o vi. Há 20 anos que Messi é um gênio. Quem não ama Messi, não ama o futebol".

Jorge Valdano, campeão mundial com a Argentina em 1986

Anne-Christine POUJOULAT / AFP Anne-Christine POUJOULAT / AFP

Messi, ato 7: sofreu e soltou o grito de campeão

Argentina 3 (4) x (2) 3 França

A Copa do Mundo desafiou Messi por cinco vezes e venceu quatro vezes. Na última, o craque argentino insistiu na afronta, bateu no peito e ganhou. E foi uma vitória escrita com gotas de suor e lágrimas. Dele e dos argentinos. Não sobre o eterno rival, Cristiano Ronaldo, mas sobre o sucessor, Kylian Mbappé.

Messi já tinha feito um gol e a Argentina vencia por 2 a 0 quando a França, que parecia ter entregado os pontos, ressurgiu. Mbappé balançou a rede duas vezes e levou o confronto para a prorrogação. Messi, então, fez o possível e o impossível e marcou mais um. Mas como a sua luta de 20 anos com CR7, aquela batalha com Mbappé também seria até o último ato. O francês empatou o jogo e levou a decisão para os pênaltis.

Os dois marcaram suas cobranças, como deveria ser. E os mortais definiram o campeão.

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PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

"Ganhar uma Copa do Mundo por Portugal era o maior e mais ambicioso sonho da minha carreira. Felizmente, ganhei muitos títulos de dimensão internacional, inclusive por Portugal, mas colocar o nome do nosso país no patamar mais alto do mundo era o meu maior sonho. Lutei para isso. Lutei muito por esse sonho. Nas cinco presenças que marquei em Copas, ao longo de 16 anos, sempre ao lado de grandes jogadores e apoiado por milhões de portugueses, dei tudo de mim. Deixei tudo em campo. Nunca virei a cara à luta e nunca desisti desse sonho. O sonho acabou. Quero apenas que todos saibam que muito se disse, muito se escreveu, muito se especulou, mas a minha dedicação a Portugal não mudou nem por um instante. Fui sempre mais um a lutar pelo objetivo de todos, jamais viraria as costas aos meus companheiros e ao meu país. Obrigado, Portugal. O sonho foi bonito enquanto durou".

Cristiano Ronaldo

Carl Recine/Reuters

"Foram quase três décadas em que a bola me deu muitas alegrias e também algumas tristezas. Sempre tive o sonho de ser campeão do mundo pela Argentina e não queria parar de tentar, mesmo sabendo que isso poderia nunca acontecer. A Copa do Mundo no Qatar que conquistamos é também para todos aqueles que não a conquistaram nas edições anteriores que disputamos, como em 2014 no Brasil, onde todos a mereceram pela forma como lutaram até a final, trabalharam muito e a quiseram como tanto quanto eu. É também de Diego [Maradona] que nos encorajou lá do céu. E de todos aqueles que sempre bancaram a seleção nacional sem olhar tanto para o resultado, mas, sim, para a vontade que sempre lhe pusemos, também quando as coisas não correram como queríamos".

Lionel Messi

Opostos na chegada e na saída

Aos 35 anos, Messi lidou com um trabalho de gestão física durante toda a temporada que precedeu a Copa. O problema se manifestava em seu calcanhar, fotografado inchadíssimo na preparação da seleção antes da Copa do Mundo. Mesmo assim, ele jogou bem os meses que levaram ao Mundial, tanto que, em setembro, foi colocado como reforço do Barcelona para 2023.

A situação de Ronaldo era diferente. Aos 37, ele não tinha nenhuma questão física preocupante. Mas os meses de Manchester United foram turbulentos. Ele nunca se deu com o novo técnico, Erik ten Hag, e perdeu a condição de titular da equipe. Além disso, se envolveu em uma série de polêmicas: a mais grave, a entrevista ao famosos jornalista Piers Morgan em que criticou o técnico e a diretoria do United. Ele levou a briga até a Copa e o fim do contrato só foi anunciado quando Ronaldo já estava no Qatar com Portugal.

Livre no mercado da bola, Cristiano Ronaldo apostava no sucesso na Copa para reabrir portas. Sem ele, continua fora dos planos de gigantes como Real Madrid, Atlético de Madrid e Bayern de Munique. Espera Napoli ou Chelsea, o que, por enquanto, está longe de acontecer.

O Sporting está de olho, mas hoje a única oferta em mãos é da Arábia Saudita. O Al Nasr está disposto a pagar cerca de 250 milhões de euros (quase R$ 1,4 bilhão) por um acordo válido por duas temporadas e meia. É, a princípio, o caminho mais provável.

Messi vai escolher o próximo desafio. Tem contrato com o PSG até junho de 2023 e, se depender do clube francês, renova. Em outubro passado, a influente jornalista argentina Veronica Brunati, dona de ótima relação com o craque argentino, chegou a publicar no Twitter que o jogador vai ser novamente jogador do Barcelona a partir de julho de 2023.

Também está na mira do futebol da Arábia Saudita, (Al Hilal ou Al Nasr) e dos Estados Unidos (Inter Miami).

Xinhua/Cao Can Xinhua/Cao Can
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