O peso da redenção

Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva

Rodrigo Mattos do UOL, em Paris Miriam Jeske/COB

Quando Ketlyn Quadros tomou um ippon da italiana Savita Russo, no final da luta, a judoca Rafaela Silva achou que a equipe do Brasil tinha perdido a luta pelo bronze. Confundiu-se com a pontuação.

"Não acredito que a gente perdeu de novo".

Na sequência, ela olhou para o placar e percebeu que não, o Brasil não tinha perdido. O placar com a Itália, que decidiria o terceiro colocado da competição por equipes dos Jogos Olímpicos de Paris, estava empatado em 3 a 3. O vencedor seria decidido no Golden Score da categoria. Um dos seis pesos seria sorteado para voltar ao tatame.

Rafaela passou a repetir para ela e seus companheiros: "57, 57, 57". Torcia para o placar do Ginásio do Champs de Mars parar em cima do que a balança indica toda vez que sobe nela antes das competições.

Havia uma razão: campeã olímpica e mundial, ela ficou sem medalha individual na França, mas ganhara as quatro lutas que disputara até ali. Era o único atleta do time brasileiro com esse histórico. O 57kg apareceu no telão e, após 14 segundos de luta, Rafaela derrubou a italiana Veronica Toniolo e conseguiu a redenção. Sua e de seus companheiros.

Rafaela não sairia de Paris sem uma medalha.

Miriam Jeske/COB

"Eu queria lutar de novo, eu estava muito focada, muito determinada. A última vez que eu lutei com essa atleta da Itália, ela conseguiu me enrolar com esse judô da Itália que fica fazendo volume para querer a punição na frente. Eu falei para a Sensei, gente que luta assim só me enrola uma vez, e eu entrei focada, determinada"

Rafaela Silva

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Paris para Rafaela: decepção, uma perna só e a medalha

Derrotada na disputa do bronze no individual, Rafaela decidiu se isolar nos dias seguintes em Paris. Precisava se recuperar da adversidade emocional, mas também física - ela estava com uma contusão no joelho.

A história de redenção e resistência é uma característica da carreira da judoca. Levantou-se depois de perder e ser atacada com mensagens racistas em Londres-2012 para o ouro no Rio-2016. Recuperou-se do afastamento por doping no último ciclo olímpico com a medalha de bronze de equipes.

"Estou muito feliz, 8 anos depois eu volto aos tatames olímpicos, então foi muita superação, muitas pessoas se questionavam se eu ia conseguir voltar ao alto rendimento, se eu voltaria a uma Olimpíada, muitas questionaram a minha convocação, mas eu sabia o meu valor, o meu potencial", contou.

"Machuquei ali na semifinal, no individual, e todo mundo preocupado, e eu falei: 'É com uma perna só, mas a gente vai lá' Eu estou com um (ligamento) colateral machucado, mas eu falei para o doutor: 'Enrola aí, e a gente vai para a briga" O judô brasileiro é isso, a gente não se entrega, independente de lesão, de vitória, de derrota, a gente sempre se levanta, como eu dei uma entrevista, a Rafaela sempre volta, e eu consegui voltar 8 anos depois", concluiu.

Kim Kyung-Hoon/Reuters Kim Kyung-Hoon/Reuters

Elas não param

A medalha de hoje não foi feminina, mas a maneira como aconteceu, com o protagonismo de Rafaela, mostra o empoderamento das mulheres no judô brasileiro. Com duas medalhas em Tóquio, elas já somam oito pódios.

Desde 2008, quando ganhou seu primeiro pódio feminino, com Ketleyn Quadros (que participou do time medalhista hoje), o Brasil soma mais medalhas no feminino do que no masculino. São apenas sete dos homens no período.

Além disso, se o quadro de medalhas dá preferência ao ouro, as mulheres já estão em vantagem. Com Sarah Menezes, Rafaela Silva e Bia Souza campeãs, são três ouros feminino contra dois masculinos (com Aurélio Miguel em 1988 e Rogério Sampaio, em 1992).

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Todos têm valor

A prova de equipes tem uma característica que dá, ao judô olímpico, uma oportunidade de redenção imediata que não existia antes. Ketleyn Quadros, Rafael Silva e Rafael Macedo, por exemplo, poderiam deixar os Jogos de Paris sem medalha. Mas, hoje, foram os mais decisivos.

Ketleyn Quadros perdeu a luta que poderia ter sido decisiva, mas suas vitórias anteriores foram vitais para o Time Brasil avançar. Foi dela o ponto que levou todos à semifinal. Na repescagem, o papel foi de Rafael Macedo, momento mais tenso da competição: ele ganhou sua luta com um ippon colocando o Brasil na frente da disputa.

Como funciona

O judô por equipes tem times mistas de três homens e três mulheres. Cada país pode inscrever dez judocas, mas utilizar apenas oito deles. São três categorias de peso por gênero. E os atletas podem lutar em pesos abaixo da sua categoria, mas não acima.

São seis lutas por disputa. Para ganhar uma disputa, uma equipe tem que ganhar quatro delas. Se houve empate em 3 a 3, é sorteada uma das categorias para desempate no Golden Score, isto é, o primeiro golpe decide a classificação.

O time de feras

O Brasil tinha 10 atletas escalados para participar da disputa por equipes de judô, entre eles, os três medalhistas; Beatriz Souza (ouro), William Lima (prata) e Larissa Pimenta (bronze). Conheça um pouco de todos eles:

Wander Roberto/COB

Larissa Pimenta

A atleta foi às Olimpíadas de 2020 e perdeu nas quartas de final para a japonesa Uta Abe, que terminou a competição com a medalha de ouro. Não foi o suficiente para a brasileira. "É muito gratificante estar lá, mas não foi suficiente para mim, quando você tem a sensação de que tem condições reais de trazer uma medalha. Foi o que me motivou neste ciclo de Paris". Larissa voltou e já avisava antes de estrear: "Não sou o tipo de atleta que vai [só] para participar." Dito e feito. Duas medalhas na mala!

Alexandre Loureiro/COB

Rafaela Silva

É uma das mais talentosas judocas brasileiras e dona de uma história que simboliza o poder de transformação do esporte. Moradora da Cidade de Deus, ela começou no esporte no projeto social Reação (criado pelo medalhista olímpico Flávio Canto) e, desde muito cedo, era apontada como futura campeã. Foi medalhista em seu primeiro Mundial, aos 17 anos, e, aos 21, já era a melhor do mundo. Sofreu racismo em sua estreia olímpica, em Londres-2012, voltou para ser campeã em 2016 e repetiria o pódio em Tóquio-2020 não fosse pelo caso de doping de 2019, que a tirou das competições por dois anos.

LUIZA MORAES/COB

Ketleyn Quadros

Esse nome marcou a história do judô. Em 2008, nos Jogos Olímpicos de Pequim, se tornou a primeira mulher, entre todas as modalidades, a ganhar uma medalha olímpica individual para o Brasil, quando conquistou o bronze. Essa é sua segunda medalha em Olimpíadas. Mas isso não quer dizer que não tenha acumulado vitórias nesses 16 anos: ela foi campeã da Universíada em 2013, vice-campeã mundial militar em 2011 e somou, na carreira, 34 medalhas no circuito mundial.

Alexandre Loureiro/COB

Beatriz Souza

A dona da primeira medalha de ouro do Brasil cravou mais uma conquista com a equipe de judô. Ela começou a praticar judô aos sete anos —era uma criança espevitada, cheia de energia que enlouquecia os pais. "Eu era daquelas que davam trabalho demais, era muito agitada. Fazia dança, natação, mas continuava botando fogo nas coisas, pintando o cabelo do nada em casa e perturbando os vizinhos. Precisava ocupar todo o meu tempo livre. Me encantei pelo judô já no primeiro treino", conta.

Alexandre Loureiro/COB

Daniel Cargnin

O judoca ganhou medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, mas começou no esporte muito mais cedo que isso, aos seis anos, em Canoas, no Rio Grande do Sul. Ele chegou a jogar futebol pela escolinha do Grêmio, mas era a luta que tinha seu coração. Na sua carreira, ele já conquistou quatro ouros e três pratas em Campeonatos Pan-Americanos, três pratas em Jogos Pan-Americanos e bronze no Campeonato Mundial.

Michael Reaves/Getty

Willian Lima

Já medalhista de prata, a conquista de Willian Lima no meio-leve dá continuidade ao legado de outros gigantes brasileiros da categoria. "Eu sou mais novo que o Cargnin. Então, senti que tudo que eu ia fazer, ele já tinha feito. Medalha em Grand Slam: eu fazia, ele já tinha feito. Mundial Júnior, ele ganhou em 2017, eu ganhei em 2019. Então, Olimpíada, achava que seria assim também, né?", disse ele, antes dos Jogos. Agora, volta para o Brasil com duas medalhas.

REUTERS/Arlette Bashizi

Rafael Macedo

A medalha que colocou Rafael no foco do judô brasileiro foi há 10 anos, quando ganhou um ouro no Campeonato Mundial Júnior de Judô. Ele ocupa o 11º lugar no ranking mundial de sua categoria e têm muitas medalhas para contar a história dessa carreira. São quatro ouros, quatro pratas e dois bronzes em Campeonatos Pan-Americanos, duas pratas em Jogos Pan-Americanos e dois bronzes em Campeonatos Mundiais.

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Leonardo Gonçalves

Vice-campeão mundial júnior em 2018, Leonardo Gonçalves chegou aos Jogos de Paris após uma disputa intensa com Rafael Buzacarini pela vaga dos meio-pesados na seleção. Buzacarini foi às duas últimas Olimpíadas, sem chegar ao pódio. Leonardo parecia que iria repetir a história após perder na estreia de sua categoria. Na disputa por equipes, marcou ponto contra o Cazaquistão, mas falhou contra Alemanha e Itália.

LUIZA MORAES/COB

Baby (Rafael Silva)

Baby chegou em Paris aos 37 anos com uma consistência incrível. Maior judoca peso-pesado que o Brasil já formou, ele foi medalhista de bronze nas duas Olimpíadas que disputou, no Rio de Janeiro e em Tóquio. A idade, porém, pesou: no ciclo para Paris, ele competiu menos e venceu menos do que nos anteriores. No individual, foi eliminado logo em sua estreia. A experiência, porém, fez diferença na única luta que fez por equipes, na repescagem, em que venceu Aleksandar Kukolj. O bronze o torna o único homem com três medalhas olímpicas e o mais velho medalhista da história do judô brasileiro.

Wander Roberto/COB

Guilherme Schmidt

Aos 24 anos, Schmidt é um dos mais promissores judocas da nova geração brasileira. Ele chegou a Paris em quarto lugar no ranking mundial de sua categoria, após ir ao pódio em sete dos últimos dez torneios internacionais que disputou. Campeão mundial militar e medalhista mundial júnior, ele chegou com expectativas altas à França. No individual, parou nas oitavas de final.

Os medalhistas brasileiros

  • Larissa Pimenta (bronze)

    A chave é acreditar: Larissa é bronze no judô depois de muita gente (até uma rival) insistir que ela era capaz.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Willian Lima (prata)

    Dom e a medalha de prata: Willian sonhava em ganhar a medalha olímpica, e com seu filho na arquibancada. Ele conseguiu.

    Imagem: Wander Roberto/COB
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  • Rayssa Leal (bronze)

    Tchau, Fadinha. Oi, Rayssa: Três anos depois da prata em Tóquio, brasileira volta ao pódio em Paris e consolida rito de passagem.

    Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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  • Equipe de ginástica (bronze)

    Sangue, suor e olho roxo: Pela primeira vez na história, o Brasil ganha medalha por equipes na ginástica artística. E foi difícil...

    Imagem: Ricardo Bufolin/CBG
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  • Caio Bonfim (prata)

    Buzina para o medalhista: Caio conquista prata inédita na marcha atlética, construída com legado familiar e impulso de motoristas.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Rebeca Andrade (prata)

    'Paro no auge': Rebeca leva 2ª prata, entra no Olimpo ao lado de Biles, Comaneci e Latynina, e se aposenta do individual geral.

    Imagem: Rodolfo Buhrer/Rodolfo Buhrer/AGIF
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  • Beatriz Souza (ouro)

    Netflix e Ouro: Bia conquista primeiro ouro do Brasil em Paris após destruir favoritas e ver TV.

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  • Rebeca Andrade (prata)

    Ninguém acima dela: Rebeca ganha sua quinta medalha olímpica, a prata no solo, e já é recordista em pódios pelo Brasil.

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  • Equipe de judô (bronze)

    O peso da redenção: Brasil é bronze por equipes no judô graças aos 57kg de Rafaela Silva.

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  • Bia Ferreira (bronze)

    A décima: Bia Ferreira cai para a mesma algoz de Tóquio, mas fica com o bronze e soma a décima medalha para o Brasil.

    Imagem: Richard Pelham/Getty Images
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  • Rebeca Andrade (ouro)

    O mundo aos seus pés: Rebeca Andrade bate Simone Biles no solo, é ouro e se torna maior atleta olímpica brasileira da história.

    Imagem: Elsa/Getty Images
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  • Gabriel Medina (bronze)

    Bronze para um novo Medina: Renovado após problemas pessoais e travado por mar sem onda, Medina se recupera para conquistar pódio olímpico.

    Imagem: Ben Thouard / POOL / AFP
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  • Tatiana Weston-Webb (prata)

    Ela poderia defender os Estados Unidos, mas fez questão de ser brasileira e ganhou a prata de verde e amarelo

    Imagem: William Lucas/COB
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  • Augusto Akio (bronze)

    Com jeito calmo, dedicação e acupuntura, Augusto Akio chegou ao bronze. Mas não se engane: ele é brasileiro

    Imagem: Luiza Moraes/COB
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  • Edival Pontes (bronze)

    Bronze sub-zero: Edival Pontes, o Netinho, conheceu o taekwondo quando ia jogar videogame; hoje, é bronze na 'categoria ninja'

    Imagem: Albert Gea/REUTERS
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  • Isaquias Queiroz (prata)

    Esporte de um homem só - Isaquias Queiroz segue soberano na canoagem e se torna 2º maior medalhista brasileiro da história olímpica.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Alison dos Santos (bronze)

    Piu supera tropeços em Paris, mostra que estava, sim, em forma e conquista seu segundo bronze olímpico.

    Imagem: Michael Kappeler/picture alliance via Getty Images
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  • Duda e Ana Patrícia (ouro)

    Dez anos depois do título nos Jogos Olímpicos da Juventude, Duda e Ana Patrícia são coroadas em Paris

    Imagem: CARL DE SOUZA/AFP
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  • Futebol feminino (prata)

    Prata da esperança - Vice-campeã olímpica, seleção feminina descobre como voltar a ganhar e mostra que o futuro pode ser brilhante.

    Imagem: Alexandre Loureiro/COB
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  • Vôlei feminino (bronze)

    Evidências - Programada para o ouro, seleção de vôlei conquista um bronze que ficou pequeno para o que o time fez em Paris.

    Imagem: REUTERS/Annegret Hilse
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