Achavam que seria impossível

Robert Kubica fala sobre volta à F-1 e diz que dificuldades com carro estão encobrindo seu trabalho

Julianne Cerasoli Colaboração para o UOL, de Monte Carlo (Mônaco) Maxim Shemetov/Reuters

São raros os pilotos que recebem os jornalistas com um aperto de mãos antes de uma entrevista. Mas Robert Kubica faz questão de estender seu braço direito, mesmo que para um cumprimento desajeitado. O gesto deixa evidentes as limitações que ele ainda tem, especialmente nos movimentos do punho. O acidente de rali que quase lhe tirou a vida, e por pouco não o impediu de voltar a pilotar, já tem oito anos.

Personagem de um retorno à Fórmula 1 à revelia de muitos céticos, Kubica não está tendo vida fácil na temporada até aqui. A bordo da Williams, disparado o pior carro do grid, ele não vem conseguindo superar sequer o companheiro George Russell, que faz sua temporada de estreia.

Mesmo assim, Kubica não se vê passando por um momento difícil. Afinal, para aquele adolescente que deixou a Polônia para trás para morar na oficina da equipe na Itália e dedicou toda a vida ao automobilismo até ver uma carreira promissora interrompida quando estava perto de chegar ao auge, não é um carro ruim que vai lhe fazer abaixar a cabeça.

Maxim Shemetov/Reuters

Por conta dos problemas que estamos tendo, o que estou fazendo em meu retorno está meio encoberto. Mas cheguei onde muitas pessoas achavam que seria impossível. Eu mesmo estou passando por coisas que achava que seriam impossíveis há alguns anos. Isso mostra que, com trabalho, dedicação e a abordagem correta, você pode conquistar muita coisa. Mas precisa ter oportunidades para fazer o seu melhor

Robert Kubica, sobre seu retorno à F-1 após nove anos

Marco Canoniero/LightRocket via Getty Images Marco Canoniero/LightRocket via Getty Images

Mais dificuldade fora do carro do que ao volante

Se voltar à Fórmula 1 já não seria fácil devido ao longo período que Kubica ficou longe do esporte - algo sem paralelos nos últimos 30 anos -, está sendo ainda mais complicado pelo péssimo rendimento do carro da Williams. O fato de ainda não ter conseguido superar o companheiro e estreante George Russell em nenhuma das seis classificações e corridas disputadas até agora gera dúvidas acerca da capacidade do polonês de 34 anos andar em alto nível depois do acidente.

"Para mim, como piloto, depois de tanto tempo longe do esporte, certamente me ajudaria ter um começo de ano mais fácil, sem tantos problemas e com um carro mais competitivo para conseguir lutar com os demais. Porque, no final das contas, pelos problemas que temos até agora e que têm uma influência grande na nossa performance e consistência, não estamos em posição de lutar com ninguém", diz Kubica, sem querer tocar na questão das sequelas de seu acidente.

Para ele, após as adaptações que aprendeu a fazer de 2011 para cá, elas estão superadas. "Tenho mais dificuldades fora dos carros do que ao volante", costuma dizer o polonês, que teve de aprender a escrever com a mão esquerda por conta das limitações de rotação do pulso direito e aparenta ter dificuldades até para segurar uma garrafa d'água.

Peter J Fox/Getty Images Peter J Fox/Getty Images

Troca de marchas com uma só mão

A adaptação mais aparente feita para Kubica é a troca das marchas apenas com a mão esquerda. Os pilotos geralmente sobem as marchas com a direita e descem com a esquerda, por meio de borboletas posicionadas atrás do volante. Outra diferença é que o volante de Kubica tem todas as funções mais usadas pelo piloto do lado esquerdo.

A questão é que não é só o polonês que tem adaptações. Na verdade, o volante é uma das peças mais customizadas para atender às necessidades de cada piloto - a outra é o assento.

É por isso que o piloto nega que seus problemas físicos estejam influenciando seu rendimento na pista. Mesmo reconhecendo a dificuldade de andar no mesmo ritmo de Russell, a dificuldade, segundo Kubica, tem outra fonte: "Se você entra na curva e sente que o carro não vai virar, não tem como você forçar. É uma questão de 'feeling'".

Por causa da minha limitação, tenho que mostrar mais que os outros porque as pessoas têm dúvidas. A única coisa que eu posso fazer é tentar fazer meu trabalho da melhor maneira possível".

Mesmo que aceite que não está conseguindo dar 100%, Kubica julga que as limitações do carro são mais importantes do que as dele próprio. Além disso, aponta que, como a Williams não vive um grande momento, é seu companheiro George Russell, inglês e membro do programa de jovens pilotos da fornecedora de motores da equipe, a Mercedes, quem recebe todas as atualizações no carro - sendo, por causa disso, mais rápido.

Andrej Isakovic/AFP

Bom desempenho em Mônaco para calar os críticos

No último final de semana, Kubica acredita ter calado aqueles que ainda olhavam para suas limitações físicas como impeditivo para completar a temporada. Isso porque algumas das curvas mais complicadas para ele, com o movimento limitado do puslo, estão no Principado.

"Acho que muita gente achava que eu não ia conseguir virar o volante", disse o polonês. "Não era uma situação fácil e acho que eu fui muito bem, então posso ficar contente. Claro que o resultado poderia ser sido melhor, mas as corridas são assim".

Foi em Mônaco que Kubica andou mais perto do companheiro Russell. Na corrida, inclusive, estava na frente antes de ser tocado por Antonio Giovinazzi e perder tempo. Kubica terminou a prova em 18º. Russel foi o 15º.

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"Estava torcendo para estar errado"

Na sua jornada até voltar ao grid da Fórmula 1, qual era o seu pensamento: 'Quero estar no grid, quero lutar por pódios, por vitórias?'

O que eu aprendi nos últimos anos foi a pensar mais em um dia após o outro, em focar em metas realistas em vez de sonhar com algo ou pensar muito no futuro. Porque não faz sentido ficar pensando no futuro se você não está fazendo nada para começar. Então, eu nem podia pensar em estar no grid quando eu nem tinha testado um carro de F1.

Finalmente, estou de volta ao grid mas, honestamente, estava torcendo para estar errado e me surpreender ao ver que poderíamos lutar por pontos neste ano. Mas eu também não estava esperando tanta dificuldade quanto estamos tendo.

Infelizmente, perdemos ainda mais terreno neste ano por conta dos problemas no começo da temporada [a entrega do carro novo atrasou e a Williams perdeu boa parte da primeira semana de testes da pré-temporada]. Mas é um processo em que você tem de traçar metas realistas - como piloto e como equipe. Temos que ir passo a passo para construir algo que possa permitir para a Williams lutar por algo maior no futuro.

Essa reconstrução da Williams tem muito a ver com o conhecimento que você passa ao restante da equipe, algo sempre destacado por todos. No começo da sua carreira, você costumava dormir na oficina dos mecânicos, na Itália. Você acha que isso te ajudou a ser esse cara que sabe tanto da parte técnica?

É verdade que eu sabia muito dessa parte naquela idade. Eu acabei amadurecendo muito rápido. No passado, era muito diferente: não existiam simuladores, como hoje. Hoje, os jovens têm um conhecimento muito grande desde cedo porque eles começaram cedo e também tiveram muito mais oportunidades com simuladores, fazendo parte dos programas de desenvolvimento, trabalhando mais perto das equipes de ponta. Uma das coisas que mais chamam a atenção hoje é o conhecimento que pilotos de 18, 19 anos têm em comparação com o que acontecia 10 anos atrás. Eles trabalham com mais dados.

Alexander Nemenov/AFP Alexander Nemenov/AFP

Quando eu estava no kart, eu tinha uma telinha mostrando as rotações do motor e era isso. Eu pilotava com meu 'feeling'. Agora, eles têm oportunidades nas grandes equipes. Por exemplo, o George sabe muito para a idade que tem. O que é muito bom para ele

Robert Kubica, sobre como ele é diferente dos outros pilotos

Então, não é que tudo o que eu fiz quando tinha 16, 17 anos me traz vantagem agora. Mas, definitivamente, do ponto de vista de caráter, de amadurecimento, essa época foi importante. A parte legal é que eu sempre lembro de como, para mim, não era algo ruim. Eu gostava

Robert Kubica, sobre o que ter morado em uma oficina representa

Benoit Tessier/Reuters Benoit Tessier/Reuters

Qual era a parte boa de morar na oficina?

Minha vida era correr, estava completamente focado. Não foi algo que eu fiz porque me forçaram. Estava morando longe do meu país, então passava mais tempo com os mecânicos, com os engenheiros, entendendo como as coisas eram feitas, ajudando a fazer as peças? Para mim, tudo aquilo era um estilo de vida. Alguns caras, quanto têm 16 anos, ficam esperando a sexta-feira para ir para a balada. Eu estava empolgado para curtir o momento com a equipe com a qual eu estava correndo. E esperando para correr no fim de semana.

Tendo focado tanto, imagino que a sensação de quando você sofreu o acidente tenha sido algo como 'tiraram a minha vida'. Qual foi seu sentimento?

Com certeza foi um momento que mudou a minha vida. Não só porque eu sofri lesões muito sérias, mas também porque, de repente, eu perdi não tudo, mas grande parte do que era a minha vida, da maneira como estava vivendo. De repente, eu percebi que, por muito tempo, eu não conseguiria correr e tive que me adaptar. Mas, no final das contas, você descobre que tem a capacidade de se adaptar, de experimentar formas diferentes de viver e tem de refazer suas metas. Porque, se você ficar pensando no passado, não vai conquistar nada.

E agora? Você diz que não coloca metas muito grandes, vai pensando passo a passo. Qual é o próximo?

Muitas pessoas disseram, quando anunciaram que eu tinha voltado, que a maior parte do trabalho já tinha sido feita. Mas eu acho que não, que a parte difícil está começando agora. A Fórmula 1 é muito competitiva, não há muitas vagas, então uma meta realista para mim é tentar ficar por mais tempo aqui. É o que eu gostaria de fazer. Porém, por outro lado, não é algo que vou fazer a qualquer custo.

AFP PHOTO / STR

Kubica voltou a pilotar carro de rali 18 meses após acidente

Robert Kubica saiu dos testes da pré-temporada de 2011 com o melhor tempo e foi participar do Rali de Andorra, algo que costumava fazer para se divertir no tempo livre. Quase não voltou: o guard rail entrou dentro do carro durante uma batida e o braço direito de Kubica foi atingido em cheio. Ele correu sério risco de amputação, teve fraturas também em outras áreas do corpo, e voltou a correr - de rali - cerca de 18 meses após o acidente.

De lá para cá, correu de GT3 e LMP1, categorias de turismo e protótipos, respectivamente, e chegou a testar o simulador da Mercedes, até que se sentiu suficientemente preparado para testar um Fórmula 1, o que aconteceu na França, em junho de 2017, a bordo de uma Renault, seu último time na F1. O polonês testaria novamente com os franceses antes de iniciar sua associação com a Williams. No time inglês, chegou a concorrer pela vaga de titular em 2017, mas ficou com a função de piloto de testes, conseguindo finalmente retornar ao grid nove anos depois de sua última prova.

Thomas Peter/Reuters Thomas Peter/Reuters

"É claro que preferiria não estar nessa situação"

Uma coisa que você disse recentemente que chamou a atenção foi que as pessoas que questionam se você está sofrendo andando atrás no pelotão certamente não passaram pelo que você passou. Em uma escala Robert Kubica de 1 a 10, o quão difícil é esse momento para você?

Primeiro você tem que começar perguntando se o momento é difícil. Definitivamente, a situação não é fácil e não tivemos um bom começo de ano por motivos distintos. Não era o que esperávamos - tanto eu, como piloto, como também o restante da equipe. Mas, no final das contas, temos que permanecer juntos e continuar trabalhando. Primeiro, temos que tentar resolver os nossos problemas, entender áreas em que precisamos melhorar - e é isso o que podemos fazer, enquanto pilotos, junto com os engenheiros e o resto da equipe. Depois disso, precisamos adicionar mais performance para o carro e isso é algo mais complicado tanto do ponto de vista da equipe, quanto do piloto, porque não somos aqueles que conseguem melhorar a performance do carro. Esse é o cenário global. Então não estou tendo dificuldades, mas é claro que preferiria não estar nessa situação.

Você tem conseguido efetivamente pilotar o carro, ou precisa ficar corrigindo uma saída de traseira aqui, outra saída de dianteira ali o tempo todo?

Quando falta aderência, é mais uma questão de minimizar os distúrbios do comportamento do carro do que tentar atacar o tentar encontrar aquela última dose de performance. Isso é difícil porque, além da performance em si, o que está faltando é consistência. Às vezes, a sensação com o carro é melhor, às vezes, seja lá por que motivo, a dirigibilidade está completamente diferente. Isso gera algumas dúvidas para você e acaba lhe tirando da janela [de temperatura para o melhor funcionamento de pneus]. Não existe uma base na qual você consiga construir sua performance, sua compreensão, para tentar trabalhar com o carro.

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Válvula de escape no ciclismo

Você é uma pessoa muito competitiva, mas está basicamente correndo apenas contra seu companheiro de equipe. O que você faz fora das pistas para alimentar esse espírito competitivo?

No final das contas, estamos aqui para fazer nosso trabalho e tentar extrair o máximo de nós mesmos e do carro. Definitivamente, a longo prazo, se você começar a pensar que não vamos ter oportunidade de lutar com ninguém, isso não vai te ajudar. É claro que a maioria dos pilotos é competitivo em tudo o que eles fazem, é algo que tem a ver com o caráter do esportista: o que quer que façamos, tentamos fazer bem. Mas o ciclismo tem me ajudado a relaxar, dar uma desligada, limpar minha mente e recarregar minha energia. Mas, assim que você volta para a pista, tem que fazer o melhor e não importa onde você está. Acho que essa é nossa meta realista e o que estou tentando fazer.

O ciclismo é uma válvula de escape para você, mas uma ferramenta importante de preparação também. Foi difícil se preparar fisicamente para voltar?

Não foi difícil, mas ter estado longe do esporte torna as coisas mais difíceis. No final das contas, esse foi um ponto muito positivo porque, desde o início do ano, estou trabalhando muito bem. Até porque depois de ficar tanto tempo longe, não é que você tem dúvidas, mas você não sabe como seu corpo vai reagir e o que você vai descobrir. Mas acho que cheguei em um nível bom em termos de preparação física e estou me sentindo bem. Isso é um ponto positivo.

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