Porta da frente

Léo Ortiz saiu do Inter pelos fundos e hoje lidera Red Bull Bragantino em projeto de ver time entre potências

Eder Traskini Do UOL, em Santos (SP) Rafael Camacho/@oclubefootball

Existe um ditado popular que diz que "santo de casa não faz milagre". A história do zagueiro Léo Ortiz, do Red Bull Bragantino, permeia e agrava tais palavras. Revelado pelo Internacional e filho de um ídolo do futsal colorado, o defensor precisou deixar o Beira-Rio literalmente pela porta dos fundos para encontrar seu caminho no futebol.

O pai do defensor foi um histórico pivô das quadras no Inter e campeão mundial pela seleção em 1992. A história familiar, no entanto, de nada serviu para Léo Ortiz, que sempre teve que provar que estava no Colorado por méritos próprios.

Marcado pelo torcedor logo em seu primeiro ano como profissional, Ortiz perdeu espaço no decorrer da temporada mesmo bem-visto pela comissão técnica. Acabou emprestado ao Sport no ano seguinte, mas não deslanchou no Nordeste.

Quando voltou, aceitou o convite de Antônio Carlos Zago, técnico responsável por alçá-lo ao profissional, para disputar o Paulistão pelo Red Bull Brasil. O destaque fez o time lutar para ficar com o defensor, enquanto o projeto Red Bull Bragantino convenceu o atleta a ficar - mesmo com propostas de clubes grandes.

De lá pra cá, cresceu e se consolidou como um dos bons zagueiros do Brasil. Longe do Beira-Rio, seu futebol desabrochou no clube que aposta nos jovens, e sua liderança em campo lhe rendeu a faixa de capitão e o status de líder em um dos clubes mais ambiciosos do futebol nacional hoje em dia.

Rafael Camacho/@oclubefootball

Longe do Beira-Rio

Marcello Zambrana/Divulgação

Clube grande é aqui

A Red Bull não entrou no Brasil para brincadeira. Depois da parceria fechada em 2019, o Red Bull Bragantino subiu logo no primeiro ano para a elite do Brasileirão e não fez feio na estreia, com direito à classificação para a Copa Sul-Americana.

A intenção dos cartolas do Red Bull é clara: tornar o clube um dos grandes do Brasil. Essa mentalidade é trabalhada internamente.

"Querem que você veja como uma oportunidade de estar em um clube grande daqui alguns anos sem precisar sair do Red Bull Bragantino. Lógico que o jogador sempre tem o sonho de chegar na Europa, então tem esse objetivo, mas se acontecer de ficar no Brasil, querem que você fique num clube grande, que vai ser o próprio Red Bull Bragantino", contou Léo Ortiz.

Com certeza está entre os dez principais clubes do país em relação à estrutura e ao clube. E tem tudo para crescer ainda mais e se tornar uma potência do futebol brasileiro nos anos que vêm

Léo Ortiz, capitão do Red Bull Bragantino

Divulgação

Agora com torcida

Como Red Bull Brasil, o time da empresa austríaca já vinha se destacando em campo: fez a melhor campanha da 1ª fase do Paulistão 2019, mas caiu nas quartas diante do Santos. Logo depois veio a parceria com o Bragantino.

Na Série B do Brasileirão, repetiu o ótimo desempenho, garantindo acesso com cinco rodadas de antecedência e depois o título.

Léo Ortiz participou das duas campanhas e vê uma diferença marcante entre a fase Brasil e a etapa Bragantino: a torcida.

"A gente jogava para familiares e amigos, mesmo com a melhor campanha e talvez o melhor futebol. Quando mudou e começamos uma boa campanha na Série B, o torcedor começou a acompanhar, encher o estádio e nos apoiar", contou.

Para o defensor, houve, sim, um período de desconfiança na cidade de Bragança Paulista logo após a transição. O Bragantino é uma das equipes mais tradicionais do interior de São Paulo, tendo vencido a elite do estadual em 1990.

"Tem a preocupação se vai perder a identidade, mas eu acho que não perdeu. (Os torcedores) viram a seriedade do projeto, como a empresa abraçou esse clube tradicional e não tirou muito a tradição do clube, sempre procurou estar relembrando os tempos em que o Bragantino foi glorioso nos anos 90, valorizam muito isso. Talvez não tivessem mais esperança e estar hoje disputando uma competição continental."

Contrato curto e colchão no chão

Quando cheguei, optei por um contrato curto, pois não conhecia o projeto. Minha ideia era jogar o Paulistão, porque sabia que era um estadual muito visado para daqui a pouco conseguir um empréstimo ou venda para outro clube

Léo Ortiz, sobre quando chegou ao Red Bull Brasil

Seriam quatro meses, então pedi pra minha irmã para ficar no apartamento dela, em São Paulo. Dormia em um colchão no chão mesmo. Acho que consegui aguentar muito porque estava muito feliz com tudo dando certo pra mim

sobre o início no clube

André Porto

Claudinho e o projeto Red Bull

Léo Ortiz chegou ao Red Bull Bragantino com 23 anos e representa justamente o perfil buscado pela equipe no mercado: atletas jovens e com potencial. O principal expoente do modelo é o meia-atacante Claudinho.

Desde a base no Santos, o atleta já demonstrava enorme potencial, mas acabou deixando o clube por problemas contratuais e acertou com o Corinthians. Sem destaque, rodou por clubes do interior e chegou ao Red Bull com apenas 22 anos, em 2019. Uma temporada depois explodiria na Série A.

"Red Bull está sempre buscando isso: talentos que não são bem utilizados nos clubes. Foi assim com o Claudinho, que veio para cá, teve sequência, rodagem, mais partidas por ano. Isso vai amadurecendo o jogador e ajudando a evoluir", disse Ortiz.

Para o zagueiro do RB, um dos prêmios conquistados por Claudinho pode criar raízes em Bragança Paulista: o troféu de revelação do Brasileirão.

"O Brasil é cheio de talento e, às vezes, não tem muito espaço para jogadores jovens nos clubes de nome. O clube grande, às vezes, não tem paciência para colocar para jogar e dar tempo do jogador se desenvolver. Aqui é o contrário: o principal objetivo é desenvolver jogadores jovens. O jogador vem para cá sabendo do projeto."

Flavio Moraes/UOL

Zago, o segundo pai

Se o exemplo para começar no futebol veio de dentro de casa, Léo Ortiz encontrou logo de cara uma referência que se tornou quase um segundo pai: Antônio Carlos Zago. O ex-zagueiro foi quem subiu o jovem para os profissionais do Inter e, depois, quem ligou para levá-lo ao Red Bull Brasil.

A princípio, Léo Ortiz subiu para completar o treinamento do profissional. No entanto, conquistou Zago na pré-temporada por suas características e ficou no time de cima a pedido do treinador.

"Ele sabia que eu tinha qualidade tecnicamente, mas me passou muito na questão da agressividade, de ser um cara que incomoda atacante, que vai dar uma chegada vez ou outra, vai zagueirar quando preciso. E isso fez com que eu crescesse com um perfil parecido com o dele", lembrou.

Depois de estrear no profissional com Zago, Léo Ortiz acabou perdendo espaço com sua saída do Inter. Foi emprestado ao Sport na temporada seguinte, mas não engrenou. Quando ninguém apostava nele, lá estava Zago novamente.

"Sai do empréstimo do Sport e recebi o contato dele e do Thiago Scuro (diretor do Red Bull). Devo muito a eles por isso, porque talvez ninguém apostasse em mim para chegar onde eu estou hoje."

O Zago tem até um perfil parecido com o do meu pai. Ele sempre falava que seria chato comigo, que se eu não o escutasse, iria contar para o meu pai. Sempre me cobrou muito porque sabia meu potencial e o que eu poderia alcançar."

Saída pelos fundos

Em 2017, mesmo ano de sua estreia profissional na temporada em que o Inter disputava a Série B do Brasileirão após rebaixamento inédito, um episódio marcou e deu início ao afastamento de Léo Ortiz no clube.

O Inter já tinha perdido o título estadual para o Novo Hamburgo nos pênaltis um mês antes. Na Copa do Brasil, diante do Palmeiras, Ortiz havia marcado contra e viu o time ser eliminado mesmo com vitória no jogo de volta.

Então, veio o fatídico Inter x Juventude, no Beira-Rio. O Colorado vencia o rival por 1 a 0, quando o rival empatou perto do fim em bola cruzada na área. Léo Ortiz era quem estava na marcação do atacante que marcou de cabeça.

"A torcida começou a pegar no meu pé e ouvi vaias naquele jogo. Fui o último a sair do vestiário e o segurança perguntou se meu carro estava no estacionamento. Eu falei que minha família estava lá me esperando. Ele pediu para eu esperar e perguntou qual era meu carro. Eu falei e eles foram até lá, chegaram falaram com a minha mãe e com a minha irmã e mostraram uma pedra gigante que estava com eles (torcedores), esperando para quebrar o meu carro", lembrou.

Orientada pelos seguranças, a família Léo buscou-o na porta dos fundos do Beira-Rio para evitar o confronto. Ali Léo percebeu que precisaria deixar o clube para mudar sua imagem e provar que tinha condições de jogar em alto nível.

Marinho Saldanha/UOL
Arquivo Pessoal

Futsal pelo pai

Influenciado pelo pai, Léo Ortiz gostava mesmo era das quadras, não dos campos. E assim foi até os 15 anos, quando André Jardine, atual técnico da seleção brasileira olímpica, insistiu.

"Não tinha mais um clube para eu me tornar um jogador de futsal. Fiquei parado, jogava futebol de sete, pelada... até que o André Jardine, que era meu treinador no futsal, me incentivou: 'acho que tu tem que tentar porque senão vai se arrepender de não ter pelo menos tentado', e aí abracei a ideia", contou.

Foi aí que o Inter entrou na história. Na época, o pai de Léo era diretor das categorias de base do clube, o que fez com que o defensor precisasse provar que estava ali por méritos próprios. "Brincadeiras que, lógico, tinham aquele fundinho de verdade de 'ele tá aqui só porque o coordenador é o pai dele ou porque o pai dele foi ídolo do clube'. Sempre fiquei tranquilo porque sabia que meu pai nunca faria isso."

Os Ortiz procuravam ter uma relação fria dentro do clube. No entanto, em dado momento, o pai de Léo se aproveitou da proximidade com os treinos para dar uma bronca no filho. "Ele percebeu que eu estava diferente, achando que era uma promessa para subir. Ele falou que eu não tinha conquistado nada, que não era ninguém e que estava me achando pronto para o profissional. Foi um choque."

Até hoje, é o pai quem observa e avalia cada jogo. "Ele é a principal razão do meu crescimento", define.

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