De trás para a frente

Nove clubes, seis países depois da ida ao Chelsea, Lucas Piazon joga o Brasileirão e realiza um sonho

Alexandre Araújo Do UOL, no Rio de Janeiro Lucas Landau/UOL

O paulistano Lucas Piazon se tornou quase que um cidadão sem fronteiras. O mundo da bola lhe proporcionou muitas experiências, mas também lhe tirou do país natal ainda bem cedo. Muito antes de completar 18 anos, foi identificado pelo mercado da bola europeu como um craque em potencial. O Chelsea foi quem assegurou sua contratação, por algo em torno de 6 milhões de euros, quando ele tinha 17, em 2011. Por isso, o clube londrino teve de aguardar por meses até poder contar com o garoto em sua maioridade. Piazon deixou o São Paulo sem ter mesmo treinado com os profissionais.

No fim, toda a complexidade da operação foi só um indício do que vinha pela frente na carreira do meia-atacante, que demorou a chegar e nunca bem se firmou. Foram nove anos de contrato com os Blues e mais empréstimos (sete) do que partidas oficiais (três) ou mesmo amistosos (cinco).

Nove clubes, seis países —a última parada foi o Braga-POR— e uma década depois da despedida, num caminho nada convencional, Piazon joga pela primeira vez como profissional na elite do futebol brasileiro, sendo um dos reforços do Botafogo já sob a gestão do americano John Textor. Aos 28, ele se sente realizado com essa experiência quase que às avessas. Ele nem bem chegou —são seis partidas pelo Brasileirão—, tem contrato válido até o meio de 2023, mas se sente realizado e se permite fazer planos. Para ele, o retorno ao Brasil é para ficar.

"Tive de pensar muito [sobre um retorno], até porque minha esposa não é brasileira e estava acostumada com Portugal. Para ela, foi uma mudança meio radical [risos]. Eu nunca tinha jogado no Brasil, então aproveitei. Seria uma boa oportunidade para vir e conhecer como seria jogar uma Séria A, o Carioca. Se tudo der certo, ano que vem consigo jogar uma das competições sul-americanas. Mais uma experiência em minha carreira, mais um desafio", diz ao UOL Esporte.

Lucas Landau/UOL

Esse era também um sonho que eu tinha. Meu sonho não era só jogar na Europa, era também jogar aqui, nos estádios que eu via na televisão quando eu era pequeno. Também estou realizando um sonho agora"

Lucas Piazon

Vitor Silva / Botafogo

Muito prazer, Piazon

Piazon chegou ao Botafogo em março deste ano, emprestado pelo Braga, de Portugal. Ele foi o segundo reforço da SAF (Sociedade Anônima do Futebol). Com vasto currículo na Europa, chegou com status de grande contratação, cercado de expectativa por parte da torcida —ao passo que, no Velho Continente, havia se habituado com clubes mais modestos e discretos.

O problema é que ele não estava necessariamente pronto para encarar o desafio, pelo menos não do ponto de vista físico. Ele vinha de um tratamento para lesão que durou três meses. Estava, então, sem ritmo. A consequência foi um esforço também mental para lidar com esse capítulo de inédita pressão na carreira.

"Tive de ser forte. Eu nunca tinha passado por uma cobrança tão grande assim na minha carreira. Lá fora, a galera tem um pouco mais de paciência e, chegando aqui, o resultado teria de ser imediato. Sabia que seria assim. Tentei me preparar para estar bem no começo, mas sabia que tinha a possibilidade de passar por um período difícil. Então, tentei ter paciência comigo mesmo. Sabia que se continuasse trabalhando bem todo dia, treinando forte, ia conseguir ter um bom rendimento", afirmou. "Espero, agora, dar continuidade a isso, me manter bem e ajudando o Botafogo."

Dez anos são bastante coisa. Às vezes, você muda de um clube para outro até no mesmo país e leva um pouco de tempo [para adaptar]. Aquele primeiro jogo contra o Corinthians foi, praticamente, o primeiro em quatro meses. Foi um momento em que muita gente cobrou. Mas não deixei me basear por aquele jogo, sabia que ia melhorar."

Piazon

Às vezes, acontece. Fui ao shopping outro dia e um torcedor veio falar comigo, me elogiou. Disse que tinha me criticado no passado, mas que estava feliz que o time tinha conseguido essas vitórias, que eu tinha jogado bem e estava na torcida. Foi legal! Foi meio inesperado."

Piazon

Vitor Silva / Botafogo

Invasão e reação

Em meio a uma reformulação no elenco, comissão técnica e de estrutura, o Botafogo iniciou bem o Brasileiro, mas oscilou e embarcou em uma sequência de cinco jogos sem vitória, sendo quatro derrotas consecutivas. Piazon, então, pôde ver também um outro aspecto do futebol brasileiro, mais lamentável. Integrantes de uma organizada resolveram invadir o CT para cobrar jogadores, comissão técnica e diretoria.

"Muitos de nós chegamos mais tarde porque o treino era à tarde. Então, não levamos aquele choque. Lembro que, quando estava chegando, eles estavam saindo e meio que me pararam no meio da rua. Pediram para eu abaixar o vidro e não foram ofensivos, cobraram resultado, empenho... No momento, senti que foi uma motivação maior para jogar com o São Paulo", afirmou.

"Sei que a invasão foi errada, que muitos meninos ficaram assustados, e repercutiu muito mal, mas a cobrança que eu e alguns jogadores recebemos foi um pouco diferente. E nos unimos ainda mais. Estes momentos difíceis servem também para nos unirmos e buscarmos solução. E conseguimos. O jogo contra o São Paulo [vitória por 1 a 0 em casa] acho que ficou bem claro isso e contra o Inter [3 a 2 fora] ainda mais."

Pois é. Quis o destino que o duelo com o São Paulo, clube que o revelou, se tornasse uma virada de chave pessoal e também para a equipe na competição.

"Foi importante, não só para o clube, mas para mim também. Eu não estava tendo tantas oportunidades de jogar, e ela veio neste momento difícil. Era muito importante, para nos reerguermos, e consegui fazer um bom jogo."

Lucas Landau/UOL  Lucas Landau/UOL

Bendita paciência

Piazon precisou esperar alguns meses até vestir a camisa do Chelsea. Depois, foram vários anos esperança de se fixar no clube inglês, até ser mandado para outro destino. Mais do que a vivência do esporte, o meia amadureceu neste período no Velho Continente. O menino, como ele mesmo classificou, virou homem a cada novo capítulo escrito: "Vai montando a gente".

Uma palavra que foi dita inúmeras vezes pelo jogador na entrevista foi "paciência", apontada como uma das virtudes que desenvolveu longe de casa.

"Saí daqui com 17, era um menino ainda. Muita coisa muda. Passei por muitas ligas, times diferentes. Também já tinha passado, vez ou outra, por momentos difíceis, de não ter muitas oportunidades. Tudo isso vai montando a gente, vai montando o nosso caráter. A gente vai aprendendo a ter paciência, a lidar com as situações de uma forma melhor, que dificilmente um menino de 18, 20, 21 teria".

"Se fosse eu aos 18 anos hoje, talvez não tivesse força para me recuperar, para ter essa paciência que eu tive. É difícil falar sobre isso porque, mesmo sendo a mesma pessoa, você sabe que não teria as mesmas atitudes do passado. E mesmo se alguém me desse essas dicas há dez anos, muitas vezes a gente não consegue entender quando somos jovens. A gente quer que tudo aconteça muito rápido e, às vezes, não acontece no nosso tempo."

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Darren Walsh/Chelsea FC via Getty Images
Lucas Piazon comemora gol pelo Chelsea em amistoso com o PSG em 2012, em raro momento com o time principal

Sem parar

Piazon deu os primeiros passos no futebol no mirim do Coritiba e teve passagem pelo Athletico-PR antes de chegar à base do São Paulo. No Tricolor paulista, ganhou os holofotes no Brasil e na Europa. Apontado como joia, foi comparado a Kaká pela mídia internacional e vendido ao Chelsea. Também defendeu a seleção em diversas categorias inferiores, participando do Mundial sub-17 em 2011 no México.

Entre negociações e alguns empréstimos, na Europa, ele jogou por Málaga (Espanha), Vitesse (Holanda), Eintracht Frankfurt (Alemanha), Reading e Fulham (Inglaterra), Chievo (Itália), e Rio Ave e Braga (Portugal). Dessa vasta milhagem, guarda bons momentos, mas também episódios não tão positivos.

"Um momento muito difícil na minha carreira foi quando tive a minha experiência na Itália, quando fiquei muito tempo sem jogar. Fiquei só seis meses, de janeiro até o fim da temporada [meio do ano]. Acho que, talvez, foi a minha pior temporada na Europa, foi um ano em que fiquei seis meses no Chelsea e seis meses na Itália. Acabei jogando só três jogos", lembra.

"Dos momentos que me marcaram muito tem a passagem pelo Fulham, quando conseguimos o acesso à Premier League, e o título da Taça de Portugal com o Braga, em cima do Benfica. Foi uma campanha legal porque tiramos o Porto na semifinal e ganhamos a final do Benfica. Foi bem especial. Esses foram os momentos que mais me marcaram."

Lucas Landau/UOL

O número é 43

Debaixo das diversas camisas que já vestiu, Piazon tem parte de sua história marcada na pele. Os laços familiares, por exemplo, ficam evidentes. A tatuagem em homenagem à irmã, Juliana, é uma das tatuagens mais evidentes, e a primeira da coleção. Há lembrança também sobre o pai, Antonio Carlos, e sobre a mãe, Marizabel.

Dentre os desenhos, há o número 43. E não é coincidência que seja o mesmo usado pelo jogador às costas.

"É um grupo de amigos aqui do Brasil. A gente fez [a tatuagem] até junto uma vez lá em casa, em São Paulo, e eles me enchiam o saco a carreira inteira para usar o 43 (risos). O 43 é da época que eles estavam na faculdade, e dois deles foram morar juntos em um apartamento. E a gente sempre se encontrava lá, no número 43. Aí, a gente perguntava: 'Vamos para onde?', 'Ah, para o 43'. E sempre ficávamos lá", revela.

"Sou realizado"

Enfim em casa, ainda que no Rio de Janeiro, Piazon se diz realizado na carreira. O que passa por sua cabeça agora, sem receios, é ficar no Brasil até a aposentadoria. Com o passaporte com diversos carimbos e bagagem de sobra, garante ter concluído desejos e também estar vivendo um sonho na temporada 2022.

"Passei muito tempo lá fora, joguei praticamente quase todas as ligas. Sou realizado. Joguei um pouquinho de Champions League [pelo Málaga]. Não foi muito, mas foi um pouquinho (risos), e Europa League. Esses dez anos foram importantes na minha carreira, na minha formação, mas estou feliz de estar aqui. Não tenho mais esse sonho de Europa, sabe? Para mim, se eu puder ficar pelo Brasil e encerrar a carreira aqui, está ótimo. Já estou realizando outro sonho, porque não tinha jogado Série A, jogado profissionalmente aqui no Brasil", afirmou.

Com contrato até o meio do ano que vem, quer se firmar para, de repente, construir uma história mais longa no Botafogo.

"Tenho mais um ano aqui... O Botafogo tem a opção de compra, que eles podem exercer ou não, mas, para mim, seria mais interessante dar continuidade aqui no Brasil do que em julho do ano que vem voltar para Portugal, começar uma temporada nova. Então, o que eu quero é fazer um bom ano aqui, terminar forte, e, se o Botafogo estiver feliz comigo, que possam entrar em acordo com o Braga e eu ficar aqui por mais um tempo", disse.

"Um ano e meio também é pouco."

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