Pequeno gigante

Luizinho venceu problema hormonal de crescimento antes de virar atleta olímpico. Agora inspira irmão por 2024

Gisele Rodrigues Colaboração para o UOL, em São Paulo Marijan Murat/picture alliance via Getty Images

Primeiro brasileiro a se classificar para as Olimpíadas na modalidade skate park, Luiz Francisco, o Luizinho, viveu fortes emoções ao entrar na pista em Tóquio. Revisitando mentalmente toda a batalha da família para viabilizar seu projeto no esporte, o jovem voltou do Japão com o 4º lugar, atrás de Pedro Barros, compatriota que conquistou a prata.

"Minha expectativa foi uma das melhores, eu já estava me preparando faz três anos para esse momento, mas hoje eu só tenho que agradecer por isso e aproveitar o máximo de tudo isso, e mostrar para as pessoas como o skate é bom, que tudo isso é demais", contou Luizinho, realizado, em entrevista ao UOL Esporte.

Como a pontuação em sua última volta que foi inferior ao patamar das anteriores, o brasileiro não conquistou medalha. "Minha última volta foi igual da eliminatória, acredito que ainda melhor porque coloquei mais uma manobra, o 540, o resultado foi uma pontuação menor, porém temos que respeitar e esperar Paris 2024."

O novo ciclo com a França como alvo não há de intimidar o garoto que já enfrentou desafios bem maiores na vida. Luizinho teve que lidar na infância com um tratamento hormonal delicado para poder crescer e com limitações financeiras para poder competir - contando com a garra de uma super mãe. Agora, com Paris na cabeça, inspira o irmão mais novo a repetir o sonho olímpico. Serão dois os meninos de Lorena (SP) nas pistas francesas?

Marijan Murat/picture alliance via Getty Images
Photographer: TedeschiFreitas

Vida no skate começou com a avó

O primeiro skate de Luizinho foi presente da avó paterna, Rosana Mariano. Aos 4 anos, o menino já chamava a atenção com as primeiras "remadas" nas pistas de Lorena, cidade no interior paulista, a 191km da capital.

Levar Luizinho e o caçula André, então com cerca de 5 e 2 anos, respectivamente, para brincar de skate em uma pista próxima ao bairro Cecap, onde foram morar, era o refúgio da mãe Enilda Maria, conhecida como Biduzinha, para afastá-los das tensões do dia a dia. A principal delas envolveu, durante quase uma década, um complexo tratamento de saúde, que acabou se tornando também a porta de entrada para o universo do esporte.

Mãe de Luizinho fala sobre o tratamento de crescimento do filho

"Eles sempre foram os loirinhos, mimados, filhinhos da mamãe... Filho amado, aos olhos de alguns, é mimado? Eles têm esência do skate, sim"

Arquivo pessoal
André e Luizinho, já em tratamento

Tomando hormônios para poder crescer

Aos 2 anos, Luizinho media 88 centímetros, e a altura continuava a mesma quando chegou a 3 anos e oito meses. O tórax também continuava pequeno.

O diagnóstico veio após meses de exames. O menino tinha uma deficiência de hormônio de crescimento —GH (Growth Hormone) ou somatropina—, proteína produzida pelo organismo e indispensável ao desenvolvimento do corpo. Níveis muito baixos desse hormônio na infância podem comprometer o crescimento e acarretar nanismo.

"Ele tinha um pouquinho de diferença com os outros alunos, porque era muito pequeno, e foi aí que descobrimos que ele enfrentava um problema de saúde com a falta do crescimento", relatou a mãe.

Luizinho tinha nível mínimo do hormônio que em André —diagnosticado com o mesmo problema aos 4 anos— era zerado. Esporte de alto impacto, o skate não era a modalidade considerada ideal para quem sofria esse tipo de deficiência. Mas ao ver o impacto de autoestima dos irmãos sobre rodinhas fizeram os médicos acharem que valia a pena.

A família precisou do apoio de amigos e vizinhos para bancar o tratamento dos filhos no Hospital das Clínicas, em São Paulo. No início, iam uma vez por semana à capital na van da prefeitura. Chegavam de manhã e tinham de esperar, às vezes, até as 19h.

Dos 6 aos 18 anos, quando já participava de campeonatos internacionais, o tratamento fez parte da rotina do atleta olímpico. Com o tempo, os intervalos entre as sessões aumentaram para 15 dias, um mês até finalmente chegar a quatro meses. Luizinho parou por opção quando atingiu 1,60m, cerca de 10 centímetro abaixo da altura do pai.

Com duas crianças só conseguia pagar o almoço, não dava dinheiro para o lanche porque era o dia inteiro no hospital. Durante a espera, comecei a levar eles até as pistas de skate para que a hora passasse. Era meio complicado, sei que nada foi sorte, foi muito esforço.

Enilda Maria, a Biduzinha, mãe do skatista olímpico Luizinho

Arquivo pessoal

Projeto skate bancado por rifas

"Com meses que eles estavam andando de skate, houve a inauguração de uma pista em São Sebastião [litoral paulista]. Com 5 anos, o Luizinho competiu contra meninos de 15 e 16 anos e conquistou a primeira final da vida dele, terminando em quarto lugar", relembra orgulhosa a mãe.

Mas e o André? Tinha 3 anos, usava fralda e ficou indignado porque foi impedido de participar. "Imagina, ele ainda fazia xixi na lixa [que reveste a tábua do skate] quando estava sem fralda e ria, achando engraçado", conta Biduzinha.

Foi quando a amizade com a turma do skate paulista ficou mais forte, e a família sempre era avisada sobre campeonatos. Sem dinheiro para as viagens de torneios, Biduzinha fazia rifas para bancar os custos das competições. A falta de recursos também não permitia comprar shapes, tênis novos e acessórios para que o filho continuasse a competir.

"Quando você vê seu filho fazendo o que gosta e não ter condições de ajudar... foi muito difícil", relembra a mãe do finalista olímpico.

Reprodução/Instagram
Luizinho, antes das Olimpíadas

Um prêmio ajudou a mãe a pagar o IPTU

Bruno Mello, proprietário da loja de skate Resistence, em Lorena, foi o primeiro empresário a apostar no talento dos garotos.

"Lembro quando a Biduzinha chegou na loja - eles eram muito humildes -, dizendo que os filhos precisavam de equipamentos para o skate, e me perguntou se eu poderia manter essa ajuda. Não gosto de falar que dei tudo porque não dei, mas eu sempre pude ajudar. Não sinto só orgulho por retribuir com ajuda, mas eu também ajudei a formar o atleta Luizinho. Eu sempre ajudei com que eu podia", conta Bruno.

Com sacrifícios, a família não permitiu que o talento de Luizinho se perdesse. E desde cedo, ele fez o máximo para retribuir Biduzinha se emociona ao lembrar um desses episódios. Aos 14 anos, o garoto recebeu um prêmio de R$ 1 mil em uma competição e ofereceu o dinheiro para a mãe pagar o IPTU da casa em que viviam.

Ter que viajar muito e não ter tanta condição foi o maior obstáculo porque a força de vontade nunca faltou. Sempre tive muito apoio dos meus pais, dessa parte com certeza não posso reclamar. Mas o mais difícil foi a parte financeira.

Luizinho, atleta olímpico do skate

Mike Blake/Reuters Mike Blake/Reuters
Instagram/Luiz Francisco
Luizinho e seu irmão, André (dir)

Paris 2024 junto com o irmão?

André e Biduzinha trazem na pele um símbolo dessa união com Luizinho forjada pelo skate. Eles têm a mesma imagem de uma das conquistas do atleta olímpico tatuada em seus braços: o momento em que os irmãos choram juntos abraçados após uma volta perfeita de Luizinho no Skate Park International, em Itajaí (SC), em 2018. Ele recebeu nota 81, terminando em segundo lugar, atrás apenas de Pedro Barros.

E se antes Luizinho já servia de espelho para o caçula, a experiência em Tóquio acabou criando uma nova meta familiar.

"Eu ando de skate desde os 3, 4 anos, por influência do meu irmão e não sei o que faria da vida se não estivesse andando de skate agora. Eu aprendo muito com ele. Quero estar com ele, brigando pela medalha nas Olimpíadas em Paris", avisa André.

Luizinho também já pensa em 2024 mas, antes mesmo disso, já comemora os caminhos promissores do skate no Brasil após a estreia olímpica da modalidade.

Reprodução

O braço aí do lado é de André Mariano, o irmão de Luizinho. A ligação dos dois é tão grande que o irmão tem, no braço esquerdo, uma tatuagem de um momento marcante da vida esportiva dos dois. No primeiro torneio que Luiz disputou como profissional, após uma volta, ele terminou e abraçou o irmão, que o acompanhava desde criança nas pistas de skate em que a carreira começou a ser sonhada. A mãe também tem a mesma tatuagem.

Teve muita gente assistindo e deu uma visibilidade muito boa para o skate. A gente tem que aproveitar isso e mostrar para as pessoas que o skate é muito legal. É mais um sonho que eu estou realizando. Agora é se preparar para Paris.

Luizinho, 4º colocado no skate park nos Jogos de Tóquio

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