Receba!

O UOL conversou com Iran Ferreira para entender como o cara da luva de pedreiro virou febre no futebol mundial

Beatriz Cesarini, Luís Augusto Simon e Vitor Lacerda Do UOL, em São Paulo Henrique Arcoverde/Divulgação

Uma TV de tela plana

Rapaz, meu nome é Iran Santana Alves, sou do interior da Bahia. Moro em Quijingue e trabalho na roça com meu pai. Estudei até a oitava série. Estava na correria, parei a escola, mas vou voltar, se Deus quiser. E agora eu tô fazendo uns vídeos aí, né... Virei fazedor de vídeo, 'vídieiro'. Daquele jeito".

Iran é o "cara da luva de pedreiro", um jovem de 20 anos que virou a mais nova febre das redes sociais com uma receita simples. Um campinho de futebol de terra batida, cobranças de falta infalíveis e uma comemoração de gol diferenciada. Tudo com a palavra mágica de três sílabas ao final: "Receba!"

São mais de 10 milhões de seguidores no Instagram e quase 15 milhões no Tik Tok. A celebração chegou até em quem não fala português. Hoje, o campinho em Quijingue virou até ponto turístico.

"Fica coladinho na minha casa. Um minutinho 'de pé' você chega lá. Tá famoso, rapaz. As pessoas ficaram com curiosidade em conhecer onde gravo meus vídeos. Já vi que foi chamado até de palco do futebol mundial. Pesado".

Com simpatia e humildade, Iran narrou ao UOL um pouco da trajetória meteórica, falou sobre suas origens e contou que a primeira atitude que tomou ao receber os frutos dessa fama foi realizar o sonho da mainha: uma TV de tela plana.

Henrique Arcoverde/Divulgação

"Iran e Luva de Pedreiro são a mesma coisa. Eu só um só. E estou feliz"

As luvas de R$ 2,50

A origem do apelido "Luva de Pedreiro" começa com neve. E, para entender, primeiro é preciso lembrar que o jovem Iran decidiu vestir o acessório para jogar futebol em Quijingue, uma cidade no nordeste do estado da Bahia que tem temperatura média de 28º C.

"É porque eu via os jogadores com luva: Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar. Negócio de baixa temperatura, europeu, esses caras aí. Pesados. Eles jogavam muita bola. Aí eu pensei: 'Vou entrar no estilo desses homens para ver o movimento'. E lá na minha cidade faz calor viu? Às vezes, chega a 40 graus. E eu de luva. Via os atletas jogando em baixa temperatura e eu queria me sentir igual a eles, jogador europeu, pesado", explicou.

Pronto. Iran colocou as luvas para se sentir como os caras da Europa. Sabe o que aconteceu? Ele virou piada. Só que assim como o Palmeiras decidiu adotar o "Porco" para acabar com a zoeira, o jovem simplesmente aceitou o apelido que o deram na maldade e transformou em sua marca registrada.

"Foram os críticos que me identificaram como 'Luva de Pedreiro'. É o seguinte, o normal é jogar com luva de marca, né? Os jogadores que eu queria ser jogam com luva na Nike, Adidas. Eu não tinha condições de ter uma igual. Fui lá na casa de construção e paguei R$ 2,50 nesse par de luvas. E aí os caras começaram a falar 'luva de pedreiro', 'luva velha', zoando mesmo. E como eu sou um cara impinhento, não ligo, tô nem aí. Eu adotei o nome mesmo e ficou".

É aí que entra, também, o famoso "Receba!" O jargão usado por Iran é feito para chamar atenção dos críticos: "É um toma, sabe? Toma lá, olha aí o gol", esclareceu.

Henrique Arcoverde/Divulgação

O luva de milhões

Iran Ferreira tem muito mais seguidores no Instagram do que Richarlison (4,8 mi), Hulk (3,7 mi) e Rodrygo (4,4 mi). Um vídeo seu, publicado no perfil global do Instagram, é exemplo de seu alcance. E não é mais novidade: na era das redes sociais, quanto mais fãs, mais dinheiro. Apesar disso, ainda não se vê #publis com o "Luva".

Como o tribunal da internet não perdoa nada, rapidamente surgiram críticas ao empresário de Iran, Allan Jesus. Diziam que o jovem poderia estar melhor financeiramente com seus 10 milhões de seguidores.

"Tem muita gente que só vê o que está acontecendo na internet, mas não sabe o que está acontecendo fora. Nós estamos fazendo um trabalho excelente. Semana que vem, vocês vão entender o que a gente estava fazendo. O cara responde as críticas com o trabalho e graças a Deus nós estamos aí", respondeu Iran.

O baiano também destacou a amizade que construiu com o empresário: "Se não fosse ele, não estaria onde estou. Eu o considero como um pai. Ele já é da minha família. Eu já estou conseguindo reformar minha casa".

Henrique Arcoverde/Divulgação

Rapaz, o meu sonho, quando eu tivesse dinheiro, era comprar uma TV de tela plana. E foi a primeira coisa que eu fiz. Mainha tinha vontade de ter uma televisão e não tínhamos condições. Então essa foi a primeira coisa que comprei. Uma TV de tela plana. Está lá em casa, toda bonitona".

Iran Ferreira, o cara da luva de pedreiro.

Entendendo o Luva

  • Receba!

    Uma forma de responder aos críticos. Duvidou de mim? Então receba esse golaço!

  • Pesado

    Algo que é muito bom, acima da média. Como os ídolos do Luva.

  • Graças a Deus Pai

    Frase dita após cada gol. É o agradecimento a Deus pelo dom de ter uma batida diferenciada.

  • Impinhento

    Ser uma pessoa com muito ímpeto, que não desiste diante das adversidades.

  • Vidieiro

    Quem trabalha gravando e criando vídeos para redes sociais.

Henrique Arcoverde/Divulgação Henrique Arcoverde/Divulgação

Quijingue, 27 mil habitantes

Iran tem 20 anos e estudou até a oitava série. Em Quijingue, cidade de 27 mil habitantes, o jovem trabalhava com o seu pai, cuidando da roça. A diversão sempre foi o campinho coladinho à casa da família. Ultimamente, nem o futebol estava animando.

"Antes de tudo isso acontecer, eu estava meio triste, meio perdido no mundo. Desanimado. Eu não via futuro. Não tinha dinheiro. Trabalhava para o painho, trabalhava para vender as coisas da roça, né? A gente não tinha muita condição, se não trabalhava, não comia. Era embaçado. Mas só procurei o certo e olha onde eu tô. Obrigado, meu Deus".

Iran saiu de um povoado que enche um terço do estádio do Maracanã para ficar famoso pelo mundo inteiro. Como ele mesmo disse, não tem como esperar que a vida se transforme assim, como um clique.

"Rapaz, eu não imaginava ter esse sucesso, não. Você acha que eu pensava que ia acontecer um negócio desse aí? Nunca na minha vida passou na minha cabeça. Nunca. Às vezes, eu penso que eu tô sonhando. Mãinha e painho estão felizes demais. Eu não esperava fazer eles tão felizes nessa vida, juro. Minha família sempre me apoiou. E hoje eles tão sem acreditar. Eles não entendem muito direito o que está acontecendo... Se não caiu a minha ficha ainda, imagina a deles..."

Leon Neal/AFP
Quadros Sopa Campbell, de Andy Warhol

Mcluhan + Warhol

Por Luís Augusto Símon, do Blog do Menon

As teorias do suíço Marshall Mcluhan (da "aldeia global") e do norte-americano Andy Warhol (dos "15 minutos de fama") se encontraram na pequena Quijingue, no interior da Bahia.

De lá, em 2022, Iran Ferreira, jovem de 20 anos, passou a ser conhecido no mundo todo e ganhou seus 15 minutos de fama

Com um bordão e muita precisão nos pés, virou um fenômeno na internet.

Iran é simples e humilde, mas tem muita autoestima. Tem rapidez de raciocínio e cativa as pessoas.

Veja/leia a entrevista. Tenho certeza que você vai torcer para que sua missão de dominar o mundo dure muito mais que 15 minutos.

Reprodução/Twitter
Iran com Neymar e Luciano Huck

Conhecendo ídolos

Desde que se tornou um fenômeno, Iran recebeu convites "pesados". O garoto conheceu seus ídolos Neymar e Ronaldinho Gaúcho, conheceu as dependências do Vasco, seu clube do coração, e já tomou café da manhã com Lucas Gutierrez e Carol Barcellos no Esporte Espetacular.

"Foi emocionante e impactante conhecer Neymar. Eu cheguei lá e disse: 'E aí, meu parceiro, só de boa?'. Fiquei na frente dele, olhei para a chuteira dele e disse: 'Ei, traz o hexa pra nós, viu?'. Gente boa demais o homem. Mandei ele ver uns vídeos do Luva pra pegar umas dicas", brincou. "O bicho me tratou com muito carinho. Me deu roupa, me deu bola, chuteira. A chuteira tá lá. Só durmo com ela", relatou Iran, que ficou sem palavras quando se encontrou com Ronaldinho Gaúcho.

"Quando eu vi o homem, o Cara da Luva de Pedreiro tremeu na hora. Eu fiquei travado, gaguejando. Gente boa demais. Abracei o homem, o homem botou a mão em mim... Olha camisa que eu ganhei", destacou Iran exibindo sua camisa da seleção autografada pelo "Bruxo". "Não lavo, não".

Helios de la Rubia/Real Madrid via Getty Images
Cristiano Ronaldo e Marcelo dançam "Ai se eu te pego" após gol contra o Malaga em 2011

O novo "Ai se eu te pego"

Em 2011, Michel Teló lançou a música "Ai se eu te pego". Meses depois, Cristiano Ronaldo fez a coreografia para comemorar um gol e a canção explodiu mundialmente. É o mesmo fenômeno que o Luva vem vivendo. Iran já foi imitado pelo filho de Cristiano Ronaldo, foi citado pelo perfil oficial do Barcelona e virou inspiração durante um treinamento do Bayern de Munique.

"Virou uma febre esse negócio de 'Receba'. Tem vezes que vejo os vídeos dos jogadores da Europa, lá, falando e não acredito. E eles não sabem falar, não... Tentam falar português. É bom, né? Eu me sinto importante, pô", comentou o jovem, que tem o sonho de conhecer Cristiano Ronaldo.

"Vou pedir para ele dar uma sambadinha", brincou.

O pitacos do Luva

FRANCK FIFE / AFP

Escalação para a Copa

"Pode dizer meus 11 para Copa mesmo? No gol, vai Alisson mesmo. Marquinhos e Thiago Silva na zaga. Depois vem Arana, o do Atlético-MG, e Daniel Alves. No meio, de camisa 5, eu colocava Casemiro. Com a 8, eu colocava Gerson mesmo. Como 10, armando, eu deixava Paquetá. E aí vem Neymar, Hulk e Richarlison. Nessa fase que tá aqui agora, eu colocava eles para jogar. E se o Tite me chamasse pra bater falta, eu ia."

Divulgação/Flickr/Atlético-MG

O segredo da falta

"Cobrança de falta tem que ser pancada, aquelas fatiadinhas ou jeito, sabe? Se pudesse escolher três batedores para o meu time seriam Nenê, Hulk e Everton Ribeiro. Meu segredo para os gols é chamar por Deus. E a luva também ajuda. Foi Deus que botou no meu caminho. É um amuleto. Eu me transformo. E se fosse treinador, seria bom. O futebol tem três elementos: a força na zaga, estratégia e 'avançamento'. É toque, armação e chute."

Henrique Arcoverde/Divulgação

E se o hype acabar?

Apesar dos 21 anos, Iran tem consciência de tudo é passageiro, mas ele quer deixar sua marca. A galera pode esperar novos conteúdos e muito trabalho pela frente. A reportagem do UOL até tentou, mas não veio nenhum spoiler. A certeza é que o Luva de Pedreiro quer levar a felicidade para sua cidade lá no interior da Bahia.

"Rapaz, aguarde os próximos capítulos do Luva de Pedreiro. Vai abalar o mundo. Eu tô fora da minha cidade agora para trabalhar, mas quero levar meus frutos para onde eu moro, ajudar minha família e amigos, meu objetivo é esse. Estou trabalhando a mente para fazer um conteúdo para ficar registrado", pontuou.

"Vou tomar o mundo com amor, com tudo misturado. Humildade, amor e alegria. A alegria faz a fusão de tudo isso. É a alegria do brasileiro".

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