Dez meses depois do incêndio que tirou de Marília um pedaço de si, muitas coisas na sua vida mudaram, mas outras não. Ela continua morando na mesma casa espaçosa em uma rua tranquila de Volta Redonda, no Sul do Rio de Janeiro, e continua recebendo visitas com pão de queijo assado na hora, café e bolo de milho.
A casa ainda está do mesmo jeito de dez meses atrás. Na mesa de jantar, a fritadeira que Marília costumava usar para fazer pizza frita, um dos lanches preferidos de Arthur. Na janela da cozinha, o vidro que Arthur quebrou porque gostava de jogar bola dentro de casa. No armário do quarto, as roupas de Arthur e os brinquedos de Arthur. No móvel da sala, caixas com fotos de Arthur bebê, de Arthur criança e de Arthur adolescente.
Marília continua trabalhando no mesmo lugar, frequentando a mesma igreja e conversando com os mesmos vizinhos com quem sempre conviveu. Mas desde fevereiro, quando Arthur morreu no incêndio do alojamento do Flamengo, Marília passou a repensar vários aspectos de sua vida.
Uma das coisas que mudaram foram seus planos. Nas viagens à capital para ficar junto do filho, Marília sempre se hospedava perto do Ninho do Urubu, uma região distante da face mais conhecida da cidade. Por isso, ela nunca teve a chance de conhecer os principais pontos turísticos cariocas. Pretendia fazer isso com Arthur.
"Esse ano eu vou poder me aposentar, e eu sempre imaginei que me aposentaria e iria morar no Rio com ele", ela conta, e esquenta a água para o café. "Agora eu não sei mais."
Na semana em que o Flamengo se prepara para conquistar o mundo, depois dos títulos da Libertadores e do Campeonato Brasileiro, a reportagem do UOL Esporte mostra como estão as famílias de dois dos dez garotos mortos no Ninho do Urubu: Marília Barros, mãe do zagueiro Arthur; e Andréia Oliveira e Cristiano Esmério, pais do goleiro Christian.
Eles falaram do sofrimento de lembrar dos filhos no momento da apoteose do clube, instituição à qual imputam a responsabilidade pela morte dos meninos.
"Você vê a alegria de uns e só consegue sentir sua própria tristeza", disse Marília na cozinha de sua casa, lembrando da festa de celebração que tomou o centro do Rio após a Libertadores. "No domingo que o time chegou ao Brasil, tinha um menino de uns 12, 13 anos no trio elétrico. Não sei se era filho do presidente. Será que eles não pensam que poderia ter sido com o filho deles?"
"Como flamenguista, não consegui sentir aquela euforia, aquela alegria que os flamenguistas estavam sentindo", disse Andréia Oliveira, mãe de Christian. "Posso estar sendo egoísta, mas não consegui ver graça naquilo, achei até meio idiota a reação das pessoas. A única coisa que eu senti foi a saudade do meu filho e a tristeza por ele não estar vivendo aquilo tudo. O futebol tirou parte de mim."